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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Yakiri: “Só quis viver”

EL PAÍS visita na prisão a jovem mexicana que denunciou um estupro e foi acusada do homicídio de seu suposto agressor

PAULA CHOUZA México
Os pais de Yakiri no presídio de Tepepan. / SAÚL RUIZ
A última vez que Yakiri provou a comida de sua mãe foi em 9 de dezembro de 2013. Nessa mesma noite, ferida, foi pedir ajuda a uma patrulha policial em Doctores, um bairro perigoso da Cidade do México, a poucas ruas do centro da capital do país. A jovem, de 20 anos e pouco mais de 50 quilos, declarou que dois homens a tinham sequestrado, violentado e golpeado. “Fui denunciar porque pensava: vão vir atrás de mim e vão fazer algo pior; estava desesperada, nervosa”, conta na área de visitas do presídio feminino de Tepepan, ao sul do Distrito Federal. Ninguém acreditou em sua história na delegacia: que dois sujeitos em uma moto a tinham abordado na rua quando ela caminhava para encontrar com sua namorada, Gabriela, com quem se relaciona há dois anos: “Ei, ei, como se chama? Te levo onde quiser”; “Sobe agora ou fazemos você subir”, está na sua declaração oficial. Sob a ameaça de uma navalha, a levaram até um hotel, tiraram a roupa dela e um deles -Miguel, de 37 anos, 1,80 de estatura e 90 quilos- a violentou. O outro –seu irmão Omar, de 33- saiu do quarto. Depois da agressão sexual ele a atingiu, houve um confronto e ela se defendeu rasgando o pescoço dele com a mesma navalha que ele utilizava. O homem vestiu as bermudas e fugiu sangrando. Segundo Omar, que apareceu na delegacia pouco depois de que Yakiri fez a denúncia, ele morreu na porta de sua casa. O juiz determinou que ela fosse presa por homicídio qualificado, alegando que eram amantes e o assassinato foi algum tipo de vingança movida pelo ciúmes.

Yakiri, com o cabelo escuro preso, discreto rímel nos olhos e vestida com um suéter negro de gola rulê e calça jeans, abraça com carinho Marina e a José Luis, seus pais, assim que entram pela porta. O local, amplo e com janelas que trazem grande luminosidade, funciona como refeitório para os de fora, já que dispõe de mesas e de uma loja para comprar alimentos. Yakiri parece uma garota, como nas fotos que portam quem participa do comitê cidadão criado para sua libertação, mas quando fala um entende que tem diante de si uma jovem madura, ferida, consciente de sua situação, mas que se nega a perder a esperança. “As coisas acontecem por algum motivo ” diz ela quando perguntada se mudaria algo do que aconteceu naquele dia. “Agora há uma mobilização que tomara ajude a acabar com o machismo, a injustiça”. Seu caso ganhou força desde o último dezembro graças ao apoio de várias organizações da sociedade civil e da Comissão de Direitos Humanos da Cidade do México, o Instituto das Mulheres, o Senado e inclusive uma comissão da ONU.

Em sua situação, tal e como se expôs na apelação à sentença do juiz, não se aplicaram os protocolos internacionais para vítimas de violação: “Não lhe deram retrovirais, nem fizeram um exame ginecológico completo em até dez dias depois”, explica Marina. Os problemas, segundo a denúncia da defesa, vão além: em nenhum momento se comunicou que Yakiri era considerada detenta: “Demorei em me dar conta de que não estavam me ajudando, de que tudo o que contava estavam usando contra mim”, diz a jovem, que, no entanto, prefere pensar positivo. “Eu também aprendi”, acrescenta, “aprendi o que vale a família, a comida e, lógico, a liberdade”.

Imagem de Yakiri no dia da denúncia
difundida em redes sociais.
A jovem, tranquila, prossegue: “Sempre pensei que no dia que chegasse a minha hora de morrer ia estar bem porque achava que devemos aproveitar a vida e ser feliz com isso. Eu era. Mas quando estive com eles foi diferente. Pensei que não ia mais existir para contar o que aconteceu, que tudo ia acabar. Nesse momento, só quis viver”.

Yakiri assegura que tenta se repor: “Foi muito feio o que aconteceu, mas se minha família e tanta gente está lutando, o mínimo que eu posso fazer é colaborar. Assim como eu sofro se vejo a minha mãe chorar, penso que o inverso é igual. Tenho que estar bem. No início não queria comer, me descuidei fisicamente. Mas não podia continuar assim”. Várias colegas do presídio interrompem Yakiri para cumprimentá-la ou a seus pais. A jovem sorri para todo mundo, às vezes inclusive brinca e dá ânimo ao resto. Natural de Tepito, um bairro conflitivo da capital, ela trabalhava em uma loja vendendo bolsas. Sua família faz parte do movimento cultural da região e no último mês de novembro, fez um ato contra a violência machista. “Aqui [dentro da prisão] há cursos, estou estudando o ensino médio, faço basquete e condicionamento físico. Trato de manter meus dias ocupados”, assinala.

“Gostaria que as mulheres não fossem tratadas assim, de uma mudança na Justiça e também na sociedade. Parece que por ser mulher não se pode defender”. Apesar de tudo, mantém um pouco de confiança no sistema judicial porque “há os bons e os maus”.

As feridas de Yakiri

Desde o primeiro dia, seu pai, José Luis, e a advogada, Ana Katiria Suárez, denunciam “que não se respeitou o devido processo”. Segundo ele, “a polícia manipulou a cena do crime, os dois irmãos eram ligados aos agentes ministeriais e várias fotos de minha filha com feridas desapareceram”. As supostas imagens de Yakiri, extraviadas na Procuradoria, foram difundidas através de redes sociais pelo próprio movimento para a libertação da jovem. Em algumas delas, se identifica seu rosto, decomposto, e o logotipo da Procuradoria.

As fotos mostram manchas de sangue nas costas, na cara e nos braços, um deles com uma ferida muito profunda que a própria Yakiri afirma que infeccionou depois. “Costuraram rápido, eu estava nervosa e me fizeram mau”. A Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal entregou nesta semana no Tribunal Superior de Justiça da Cidade do México um amicus curiae. No documento oferecem-se “argumentos em matéria de direitos humanos e perspetiva de gênero associados a casos de violência contra as mulheres, com a finalidade de alegar ao Tribunal elementos jurídicos de utilidade para sua iminente falha em relação ao caso”. Entre outras ações, o relatório pede à Procuradoria “que informe se sabe a origem das fotos”.

Imagem difundida nas redes sociais de Yakiri na Procuradoria da Cidade do México.
http://brasil.elpais.com/brasil/2014/02/15/sociedad/1392424611_390643.html

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