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sábado, 1 de março de 2014

Abordagem sobre as modalidades de tratamento nos casos de pedofilia e as visões éticas e jurídicas com relação às duas modalidades de tratamento

Maria Eriadne Leite de Oliveira
  
Resumo: Nesse trabalho foram observadas as modalidades de tratamento relacionadas à pedofilia. Como resultado foram detectadas polêmicas em torno da temática que se refere à castração física e química, permeando discussões multidisciplinares, remetendo-nos a questionamentos sobre de que forma esta conduta deve ser responsabilizada. Bem como, uma análise sobre a visão ética e jurídica com relação às duas modalidades de tratamento.

Introdução

A pedofilia é considerada uma doença, forma de perversão sexual da ordem da parafilia[1] ou um transtorno de preferência sexual. Acomete em média 1% da população mundial. Consiste em atração sexual exclusiva por crianças, ou seja, não é considerado pedófilo aquele que se excita com adultos e crianças. O pedófilo pode se sentir atraído tanto por meninas como por meninos e, geralmente, essa atração está voltada para crianças de uma única faixa etária. A aproximação pode se dar por sedução ou por violência (ABDO, 2002).

O tratamento pedofílico geralmente começa na adolescência, embora em alguns casos somente se manifeste na meia-idade. Seu curso costuma ser crônico, e a taxa recidiva é elevada, especialmente na pedofilia que envolve indivíduos como preferência pelo sexo masculino, em uma relação de aproximadamente o dobro daquela para a preferência pelo sexo feminino (TRINDADE/ BREIER, 2010).

A pedofilia não é regulamentada pelos instrumentos legislativos, não está vinculada a uma definição legal, mas a uma definição clínica, ficando clara a psicologização da questão. O direito e a medicina se encontram em torno do crime e do criminoso e fornecem subsídios importantes para entendermos as ideias relacionadas ao crime em geral e de maneira específica, à violência sexual contra menores.

Portanto, é relevante avaliar o compromisso do Direito na reconstrução do social, com ênfase no papel da política jurídica e da abordagem interdisciplinar nos casos de pedofilia.

O objetivo desse trabalho é abordar algumas questões que geram polêmicas em torno da temática que se refere à castração física e química, permeando discussões multidisciplinares, remetendo-nos a questionamentos sobre de que forma esta conduta deve ser responsabilizada.

1. Modalidades de Tratamento

1.1 Castração Física

Face ao generalizado insucesso das abordagens terapêuticas de cunho psicológico, para as quais os pedófilos apresentam um prognóstico reservado, e diante do relativo fracasso no que se refere à reincidência crônica, uma das alternativas tem sido a denominada castração. De um lado situa-se a castração clínica ou física, que se dá através da retirada dos testículos, para impedir a produção do hormônio (testosterona), que estimula o desejo sexual. Do outro lado, a castração química que altera e modifica os neurotransmissores e cria mecanismos de obstrução do impulso e do desejo sexual.

Segundo Trindade/  Breier (2010), contemplar modelos preventivos é tão ou mais relevante do que abordar a questão do tratamento. Os supra citados autores entendem que, primeiramente, se deve enfocar o problema da pedofilia sob a ótica da prevenção primária, a qual estaria destinada a evitar o ato danoso através de esclarecimento e conscientização da criança e/ ou adolescente e da escola. Diante disto se deve investir na promoção do bem estar físico, emocional e social da família e dos seus vínculos afetivos.

Em outra etapa, como prevenção secundária, ratificam os autores que, ao se detectarem as situações de risco - e somente em última instância -, devem-se estabelecer estratégias para não permitir que o abuso se repita.

 “No tratamento das pessoas que abusam sexualmente, como aditos, é importante que o foco do controle fique firmemente com o processo legal, pois aqui o abusador não pode escolher, como um agente livre, entre terapia e não terapia. A escolha limita-se a aceitar as pré condições para a terapia com apoio legal, no contexto de uma intervenção terapêutica primária, ou escolher uma abordagem punitiva primária, pois o abuso sexual continuado não pode ser aceito. Mesmo em um processo terapêutico considerado bem sucedido, deve-se deixar claro que os pedófilos podem não ficar curados, sendo preferível referir uma condição de melhoria e de cessação do abuso, uma vez que, sob algum fator desencadeante, a conduta pedofílica pode ser reeditada e se manifestar como forma de recidivismo” (TRINDADE/BREIR 2010).

Trindade/ Breier (2010), identificam quatro etapas no processo de tratamento:

“1) a negação – dificuldade de aceitar os fatos, o que implica o sujeito se perceber como disfuncional;

2) barganha e minimização – intenção ou desejo de negociar e dirimir os efeitos de seus atos;

3) aceitação – instaurar competências para se tornar capaz de entender e aceitar sua condição;

4) reconstrução – processo de elaboração efetivo e verdadeiro do sujeito frente a si próprio.”

Contudo, chega-se a provisória conclusão, diante da exposição teórica dos autores, que o tratamento deveria conduzir à percepção do mal causado, à aquisição do sentido de responsabilidade, à atenção com o outro, à consciência do dano e ao desejo de reparação. Entretanto, reconhecendo que a reincidência é elevada, infere-se que à reabilitação do pedófilo deve desenvolver a capacidade de empatia, promover o redirecionamento da conduta sexual inadequada, restabelecer o autocontrole e a aptidão para a resolução de problema, bem como prevenir a recaída.

1.2 Castração Química

Trindade/ Breier (2010) prosseguem apresentando exemplos práticos de que, em alguns países, as dificuldades do tratamento do sujeito pedófilo existem, mesmo diante do uso da denominada castração química, em casos extremos. Estas experiências fazem uso de tratamentos farmacológicos inibidores de impulsos sexuais, que conseguem bloquear o desejo sexual, utilizando-se drogas que neutralizam o hormônio testosterona produzido pelos testículos[2]. Comparando o tratamento psicossocial com a castração química, tem-se a seguinte estimativa[3]:

 

A expressão “melhora” não significa cura, no sentido etiológico da palavra, principalmente porque estes sujeitos estão sob forte pressão externa para “mudar”, por estarem inseridos em um regime de internação carcerária.

Ainda há poucos estudos confiáveis relacionados à conduta pedofílica, e escassos elementos para aplicar as teorias interpretativas que permitam o desenvolvimento de tratamento bem fundamentado. Pedófilos precisam ser tratados para o seu bem e o das possíveis e futuras vítimas. Estes costumam reincidir e uma vez que as diversas abordagens psicoterapêuticas não têm obtido êxitos, a reclusão prolongada é utilizada como medida preventiva.

Trindade/ Breier (2010) apontam exemplos, ao apresentar vivências internacionais, ao adotarem medidas para enfrentar o problema da pedofilia:

“Grã Bretanha permite a castração química voluntária; possui um registro nacional de abusadores de crianças;

Dinamarca e Suécia: admitem a castração química para casos extremos; as taxas de reicidividade caíram acentuadamente;

França: Projeto de Lei prevê tratamento obrigatório, que pode ser psiquiátrico ou farmacológico, com a administração de fármacos que inibem a libido;

Áustria: a castração química foi proposta em 1999, devido à insuficiência das terapias tradicionais;

Estados Unidos: existe um registro de pedófilos desde 1996, sendo a Califórnia o primeiro Estado a aprovar uma lei que prevê a administração de fármacos inibidores dos impulsos sexuais, obrigatória depois da segunda condenação. Aplicada também nos Estados de Montana e Texas”.

Moreira (2010, p. 115), ao analisar a construção do social das relações humanas, analisando a delinquência / crime com o fenômeno da pedofilia, consegue promover uma reflexão crítica sobre o compromisso a existir do Direito com a Moral, esta teórica, no que se aproxima da realidade da pedofilia no Brasil, quando aponta “que não é permitido o uso de antiandrógenos para o problema. A abordagem depende da legislação de cada país.”

Através do Projeto de Lei n. 552 / 07, o Brasil discute a adoção do tratamento químico para diminuir a libido dos pedófilos. A proposta visa que o condenado que aceitar o tratamento poderá ter pena diminuída em um terço (1/3), mas a terapia deverá ser iniciada antes do livramento condicional, ficando sob tratamento até a expedição do laudo técnico ao Ministério Público e ao Juiz de execução para demonstrar que os resultados foram alcançados.

Conforme a citada autora, será inaugurado no Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) o Centro de Estudos e Atendimento de Abuso Sexual, um ambulatório que irá atender os abusadores. A única experiência semelhante no Brasil é feita pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP), através do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica (NUFOR). Contudo, atualmente, não há nada definido no ordenamento jurídico brasileiro em relação a um eventual tratamento para os sujeitos pedófilos.

2. Visões éticas e jurídicas com relação às duas modalidades de tratamento.

Breier (2011) ressalta que o debate sobre a natureza da castração química reside em vários segmentos como o legal, o sociológico e o psiquiátrico. Cada um destes com suas ponderações sobre a real eficácia do método para a redução de casos de pedofilia. Sob o aspecto legal, o embate centraliza-se na constitucionalidade do projeto.

Os que defendem ser inconstitucional utilizam-se dos preceitos de direitos fundamentais descritos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, por entenderem que esse método seria uma punição de natureza física e cruel, o que é vedado expressamente. Porém, outros defendem que a aplicação da castração química não tem natureza de pena, mas sim de tratamento, o que impediria a vedação constitucional.

As duas modalidades enfrentam inúmeros obstáculos de ordem ética[4] e mesmo jurídica, com defensores e críticos carreando prós e contras. Devem-se sublinhar as limitações do tratamento e do prognóstico dos sujeitos pedófilos. Tratar um pedófilo com terapia não é tarefa simples, e se converte em muito difícil, senão impossível, com pedófilos crônicos ou afetados por uma deterioração mental. Estes, não estabelecem vínculo emocional verdadeiro, instrumento essencial para o tratamento psicológico.

Dessa feita Trindade/ Breier  (2010, p. 50) ressaltam que os pedófilos são:

 “Como regra, não apresentam sentimento de culpa e são egossintônicos[5], faltando-lhes aquele desconforto emocional interior necessário para a mudança. Não possuem motivação. São sedutores e envolventes e transportam esse tipo de funcionamento para a relação terapêutica. Além disso interrompem o tratamento tão logo alcançam algum benefício secundário. Essas características são responsáveis pelo ceticismo dominante quando se cuida de tratamento psicológico”.  

Observando o debate no campo jurídico de forma independente, é relevante considerar se a aplicabilidade da medida seria ou não efetiva. Com base em estatísticas criminais, os casos de reincidência diminuiriam desde que o tratamento fosse devidamente acompanhado.  Apenas com a aplicação da pena privativa de liberdade, o sujeito pedófilo, não seria recuperado, demonstrando que esse tema não deveria ser tratado somente no campo da restrição da liberdade, já que estaria relacionado, necessariamente, as medidas de tratamento terapêuticas.

Nesse sentido, se torna útil afirmar que caso seja necessária a aplicação de castração química ou física, o Estado teria o dever de avançar nesse tema, devido aos altos índices de abusos sexuais de crianças no Brasil. As sequelas das crianças abusadas repercutem no campo psicoafetivo e sexual, um desajuste emocional para o resto de suas vidas. A viabilidade de aplicação da castração química é um tema atual e necessário para uma sociedade democrática, impotente na prevenção dos casos de abuso sexual infantil.

Para o estudo do fenômeno da pedofilia é imprescindível analisar o papel da sociedade e seu vitalismo na busca do estar junto. Ainda é necessário observar a norma jurídica, o direito e o fim a que se propõe à pena. Nesse sentido Moreira (2010, p. 151), afirma:

“Não há dúvidas de que o direito é fenômeno cultural, construído historicamente pela experiência na vida social e nas práticas comunitárias, com a influência de variadas manifestações ideológicas, isto deve explicar a formação histórica dos princípios gerais de direito e, em grau especialíssimo, daqueles que garantem o elenco dos direitos humanos no constitucionalismo contemporâneo”.

Esses fenômenos permeiam o meio social, desta forma, torna-se possível trabalhar o tema proposto com uma abordagem da Política Jurídica e com o tratamento do Direito pelo valor ético e uma convivência social estética. A valoração do Direito revela-se, essencialmente, uma questão ética, política e, em última instância filosófica. A sociedade tem papel fundamental na elaboração do direito, vez que é fonte de expressão e necessidades (DIAS apud MOREIRA, 2010).

Buscar a aplicação de uma norma jurídica eficaz cabe ao político, em que as necessidades sociais sejam observadas e supridas de modo que legitime o direito positivo através da sua aceitação social.

Nesse sentido Hessen (2010, p. 152), expressa:

“O valor inserido dentro das concepções de ser e dever ser pode ser observado da seguinte forma: o ser é imprescindível à existência do valor e o dever ser se funda em um valor. Assim, o desvalor não tem ser, é a ausência deste”.

Ao estudar Hessen, constata-se mais uma vez semelhanças a Moreira (2010), quando a autora corrobora com a ideia de que a subjetividade, os sentimentos e os valores do homem devem ser considerados de forma racional, sendo estes a preocupação da visão global - “Weltanschaung” – da Modernidade, ou como diria Luhmann da Pós-modernidade, da mesma maneira deveria acontecer com a técnica. Dando prosseguimento a este diapasão jus filosófico, compreendemos que o Direito não é eficaz quando é incompatível com as aspirações, tornando-se assim, letra morta, resultando em insatisfação coletiva, que gera indignação e injustiça. Não é possível submeter uma sociedade complexa ao molde de uma legislação ineficiente e estática.

A finalidade do Direito é disciplinar a vida da sociedade. Porém, não se limita somente a regulação social, este também deve prezar pelo bem estar comum. Os valores sociais estão intimamente relacionados com os valores individuais, que constituem a moral do indivíduo. Neste sentido é que ao elaborar a norma, é fundamental observar a sua aplicabilidade em meio ao corpo social.

A moral é valor interno, individual, a ética é a conduta esperada pela aplicação das regras morais no comportamento social, em síntese é a qualificação do comportamento do homem enquanto ser em situação. É esse caráter normativo de ética que a colocará em conexão com o Direito (MELO apud MOREIRA, 2010).

Dessa forma, os valores morais dariam o balizamento do agir e a ética seria assim a moral em realização, pelo reconhecimento do outro como ser de direito, especialmente de dignidade. Assim a compreensão do fenômeno ético não mais surgiria metodologicamente dos resultados de uma descrição ou de uma reflexão, mas sim, objetivamente, de um agir, de um comportamento consequencial, capaz de tornar possível e correta à convivência, dando-lhe inclusive o aporte estético, a correlação do bom com o belo. Ter um cuidado para perceber a experiência humana, na qual o elemento sensível é o mais importante. A estética é um processo de correspondência do ambiente social e natural. O estilo estético, ao se tornar atento a globalidade das coisas, tende a favorecer um estar junto que não busca um objetivo a ser atingido, mas empenha-se em usufruir os bens deste mundo, encontrar o outro e partilhar com ele algumas emoções e sentimentos comuns.

Observamos que não há como pensar o Direito sem a interferência da Política Jurídica[6], através desta é que se busca a conveniência axiológica, que faz com que o poder opte por determinado projeto, de forma justa, ética e adequada ao interesse coletivo. Entre o Direito e a Política podem existir discordâncias para a regulação da vida em sociedade, dessa forma, cabe a Política Jurídica harmonizar estes institutos no âmbito da vida social (MOREIRA, 2010).

A sociedade sendo complexa possui necessidades que se transformam com passar do tempo, sendo o pensamento dogmático algo superado por não conseguir atingir todo o fenômeno social. Para este faz-se necessário à existência de recursos mais aprimorados para suprir suas insatisfações. Sobre o pensamento dogmático ensina Melo apud Moreira (2010, p. 158), afirma que,

“O pensamento dogmático em que pese sua inestimável e permanente tarefa de sustentar o Estado de Direito, pelo inflexível compromisso com uma segurança jurídica, tem sido submetido a uma crítica cada vez mais perturbadora, em razão de pretender insistir na fonte normativa para a decisão sobre a norma, o que significa tão só o estudo do Direito vigente, abstraindo-se de emitir juízo de valor, como se bastante fosse para explicar e a ampliar a norma sem justificá-la. A dogmática seria assim uma atividade que não só acredita produzir um conhecimento neutralizado ideologicamente, mas também desvinculado de toda preocupação, seja de ordem sociológica, antropológica, econômica ou política”.

Nesse contexto Moreira, ao considerar os referentes éticos e estéticos, percebe-se que a Política Jurídica será o sopro vivificador que deve bafejar os sistemas dogmáticos. Ao exigir a justificação não só da norma, mas também de seus processos de elaboração e aplicação, a Política Jurídica provocará não apenas normas corrigidas, mas um direito reconceituado para servir às reais necessidades do viver.

Conclusão

A complexidade do fenômeno da pedofilia exige uma abordagem interdisciplinar do tema e os casos de pedofilia requerem medidas diferenciadas, e a punição via pena, exige a complementaridade de ações para o tratamento de recuperação do pedófilo.

Analisar a pedofilia sem constatar sua existência no meio social como uma realidade, não é possível, devido à impossibilidade de esta ser ignorada. Dessa forma é recomendável e necessário que seja tratada de maneira a reinserir o sujeito pedófilo em um ambiente de acolhimento. Não se pode dar ao pedófilo um tratamento igualitário aos demais membros da sociedade que cometem crimes. O pedófilo possui características específicas na sua atuação, assim como em sua parafilia.

É preciso aceitar a pedofilia com um fenômeno presente ao corpo social e trabalhar o pedófilo para reinserção de seus valores atribuindo-lhe um tratamento adequado. Para tanto é necessário que os operadores do direito atuem como políticos do direito ao elaborar normas compatíveis com as aspirações sociais, que tragam resultados eficazes e em conformidade com uma escala de valores presentes em cada sociedade. Não apenas na produção do direito deve-se compreender a Política Jurídica, mas na aplicação da norma jurídica. Dessa feita, cabe aos operadores do direito em conjunto com a sociedade, primar por um estar junto baseado na ética, que formará uma convivência estética.

Maria Eriadne Leite de Oliveira
Advogada Licenciada em História e Especialista em Planejamento Educacional

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