Quais são os requisitos para se configurar uma união estável?
Teoricamente há vários requisitos para se configurar uma união estável. É preciso que exista uma convivência pública, duradoura, contínua, de pessoas não impedidas de casar. Mas seu grande requisito – e que facilmente responde se naquele caso concreto havia ou não uma união estável – é o intuito de formar uma família. É com essa intenção (que não se confunde com o fato de ter ou não ter filhos) que se caracteriza uma união estável no Brasil. Esse desejo de formar uma parceria de vida, uma verdadeira comunhão, mantida por afeto, afinidade, lealdade, princípios e ideais similares e que une as pessoas num grupo familiar. Costumo dizer que há união estável quando a mútua assistência entre o casal deixa de ser uma obrigação e passa a ser um direito exercido cotidianamente.
Mas a Súmula n.º 382 do STF parece dizer que não é necessário morar junto para configurar união estável...
Essa Súmula é muito antiga e disse muito mais do que quis dizer. A Súmula veio em 1964 (4 dias após o movimento militar), para solucionar um antigo problema do Direito de Família. Um filho fora do casamento só poderia ingressar com ação de investigação de paternidade contra um homem casado caso este réu tivesse sido concubino da mãe do autor. O réu então alegava que nunca havia morado com a mãe do autor e o STF então disse: “não precisa morar junto para ser concubino”.
Ou seja, a súmula foi ótima para solucionar aqueles casos específicos. Mas é um grande equívoco querer aplicá-la cegamente hoje para dizer que – como regra – não é preciso morar junto para configurar união estável.
Então é preciso morar junto para configurar união estável?
Duas frases solucionam muito bem o problema.
A primeira: “Viver junto é um fortíssimo indício de união estável”. A segunda: “Viver separado é um fortíssimo indício de namoro”.
Ou seja, é claro que o juiz deve olhar para todo o cenário, para todas as provas e indícios, mas viver junto demonstra claramente aquela intenção de formar uma família, que é o maior requisito da união estável.
Os efeitos práticos de uma união estável e de uma união homoafetiva são os mesmos?
Resposta: Sim. Desde 2011 o STF pacificou o entendimento na ADPF 132 (julgada em conjunto com a ADIN 4277) de que o art. 1.723 do Código Civil (que prevê a união estável) não pode ser interpretado restritivamente, para afastar a união entre pessoas do mesmo sexo. Logo, todos os direitos decorrentes de uma união estável devem ser aplicados para uma união homoafetiva.
E você é a favor desta decisão?
Totalmente a favor. Acredito que o Estado só pode proibir ou sancionar comportamentos que prejudiquem terceiros. Não consigo enxergar nenhum tipo de prejuízo a terceiros quando duas pessoas que se amam resolvem se juntar e viver em harmonia, afeto e parceria de vida. Em pleno III milênio, não sei como as pessoas encontram tempo para se preocupar com a orientação sexual dos outros.
Inclusive para fins de adoção?
Sim. E cheguei a essa conclusão quando visitei um orfanato de crianças carentes em São Paulo. Saí daquele lugar desolado e pensei: essas crianças certamente teriam um futuro muito melhor num lar homoafetivo, rodeadas de afeto, carinho, zelo e amor. No meu escritório conheci centenas de crianças que eram renegadas ao terceiro, quarto plano do cotidiano de um casal heterossexual, que se matava no divórcio.
Uma vez mais, eu não consigo enxergar como que a orientação sexual de uma pessoa pode ser critério de melhor ou pior criação de filhos.
Na sua tese de Doutorado, defendida no Largo São Francisco, o senhor sustenta que – como regra – é melhor “juntar” do que casar”. Por que?
Com a lei em vigor hoje, é isso o que acontece. Se a hipótese for de término da relação em vida, há um empate. Como é sabido, quem casa e quem junta, sem escolher regime de bens, submete-se ao regime da comunhão parcial. Em termos bem simples, cada um levará embora seu patrimônio particular (bens trazidos antes da relação, bens herdados durante a relação...) e cada um terá direito também à meação, ou seja, metade de tudo o que foi construído (por ambos) durante a relação (os chamados bens comuns). Até aqui, nada de novo!
Na morte é que haverá um “desempate” e a união estável – em regra – levará vantagem. Além da meação sobre os bens comuns, a mulher que foi casada terá direito de herdar nos bens particulares do falecido marido. Isso foi pacificado pelo STJ agora, em maio de 2015 (no RESP n.° 1.368.123/SP), e também pelo Enunciado 270 do CJF.
Por sua vez, a convivente da união estável terá direito – pela lei – de herdar no patrimônio comum, que foi construído durante a relação (naquele mesmo que ela já meou). Isso está no art. 1.790 do Código Civil.
O problema é que, normalmente, o patrimônio maior está justamente nos bens comuns e não nos bens particulares. Em tese e como regra, as pessoas ficam juntas durante décadas e vão acumulando conquistas e ganhos financeiros com o seu trabalho cotidiano. Em palavras simples: as pessoas normalmente constroem mais do que herdam.
Como a companheira herda nos bens comuns, ela acaba – em regra – levando vantagem. Digamos que a “base de cálculo” sobre a qual ela herda é maior do que a “base de cálculo” que a esposa herda.
O mesmo vale para a união homoafetiva?
Sim, sem dúvida. Como já mencionado, desde 2011 as regras são as mesmas. Logo, é possível concluir então que – como regra – há mais vantagens numa união homoafetiva do que num casamento. Defendo muito a regulamentação e a concessão de direitos aos pares homoafetivos. Mas daí a tratá-los de forma mais vantajosa do que no casamento vai uma longa distância.
Então, se o falecido deixou muitos bens particulares, a esposa (casada) herdará mais?
Sem dúvida. Valerá a pena casar nos casos em que o falecido deixou mais bens particulares. Ou seja, se o sujeito herdou muito ou se ganhou (doação) muitos bens antes ou durante o casamento, haverá mais bens particulares do que bens comuns.
Já se o sujeito não herdou e não recebeu muitas doações, a grande massa patrimonial será construída durante a vida em comum e valerá a pena unir-se estavelmente com ele. E essa é a situação mais comum, mais freqüente. E a lei tem que pensar no caso comum, na regra, não na exceção.
E isso tudo é constitucional?
Em minha opinião, não. A lei está tratando de forma diferente pessoas que tem uma relação social absolutamente igual. A diferença entre o casal que juntou e o que casou é apenas e tão somente um papel na gaveta, chamado certidão de casamento. De resto, esses casais vivem exatamente a mesma vida e a lei não pode tratá-los de forma diferente. O princípio da igualdade só permite tratamento desigual para pessoas em situações desiguais. O caso é tão sério, que o STJ remeteu sua solução para o STF, tendo em vista a suposta inconstitucionalidade.
Qual seria a solução então?
Em minha opinião, deve-se estabelecer uma igualdade de direitos patrimoniais entre aqueles que casam e aqueles que se unem estavelmente. Não há o menor sentido em tratar de forma diferenciada as pessoas que vivem exatamente da mesma forma. Dar mais direitos para um casal estavelmente unido do que para um casal casado (ou vice-versa) fere o princípio constitucional da igualdade. As pessoas em igual situação social devem ser tratadas igualmente no plano jurídico. Um artigo de uma linha no Código Civil solucionaria uma briga de 13 anos. Bastaria dizer: “Quanto aos efeitos patrimoniais, aplicam-se à união estável as regras do casamento”. Seria simples, prático, eficiente, mas acima de tudo justo! Mas o Brasil tem uma inexplicável atração pelo confuso, pelo oblíquo, pelo improviso e pela polêmica. Em outras palavras: para que solucionar? Para que deixar tão prático?
E isso é constitucional?
Não. A lei está tratando de forma diferente pessoas que tem uma relação social absolutamente igual. A diferença entre o casal que juntou e o que casou é apenas e tão somente um papel na gaveta, chamado certidão de casamento. De resto, esses casais vivem exatamente a mesma vida e a lei não pode trata-los de forma diferente. O princípio da igualdade só permite tratamento desigual para pessoas em situações desiguais.
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