N° Edição: 2386 | 21.Ago.15
Aproveitando-se de um vácuo na legislação e de olho no aumento da procura, empresas abrem escritórios no Brasil e chegam a cobrar US$ 120 mil para facilitar o processo no Exterior
Fabíola Perez (fabiola.perez@istoe.com.br)
De olho na ausência de legislação e em bons lucros com o aumento da procura pelo serviço de barriga de aluguel, empresas estão abrindo escritórios no Brasil com o objetivo de assessorar clientes que desejam fazer o processo no Exterior, por valores que chegam a US$ 120 mil. Travestida de consultoria familiar, uma vez que a comercialização de qualquer parte do corpo é ilegal no País, uma filial da gigante israelense Tammuz se instalou na capital paulista. Seu proprietário é o ex-cônsul brasileiro em São Paulo, Roy Rosenblatt-Nir, 39 anos, ele próprio um consumidor do serviço de locação de útero. Ele e seu marido, o médico Ronen Rosenblatt-Nir, de 36 anos, tiveram dois filhos que nasceram na Índia, onde o procedimento é reconhecido e legalizado. Diante da dificuldade que encontrou para realizar o processo do Brasil, nasceu a idéia de trazer o lucrativo negócio para cá. Em oito meses de operações, 26 casais já se tornaram clientes. “Tudo é realizado em países onde a legislação permite e regulariza a prática.” O banco de óvulos fica na África do Sul e as barrigas de aluguel são oferecidas por mulheres de estados americanos, do Nepal e da Índia. Nestes dois últimos, o procedimento custa entre US$ 50 mil e US$ 70 mil, com a doação de óvulos. Nos EUA, o processo é mais caro e pode valer US$ 120 mil. Enquanto as mulheres que oferecem as barrigas no Nepal e na Índia recebem US$ 10 mil por gestação, nos EUA fica entre US$ 25 e US$ 30 mil. Rosenblatt-Nir explica que a doadora de óvulos não pode ser a mesma mulher que comercializará a barriga. “A coleta do material é feita fora do país e na hora do nascimento é recomendável que os pais estejam presentes” E o que faz o escritório brasileiro, uma vez que tudo é realizado fora? Ele assessora e acompanha os clientes, no burocrático e complicado processo, providenciando documentos e enviando exames, por exemplo.
RETRATO
À esq. Roy, ex-cônsul de Israel em São Paulo, com o marido
Ronen e os filhos: dono da empresa também contratou
os serviços de barriga de aluguel
Por muito tempo, as barrigas de aluguel movimentaram no Brasil e no mundo um comércio ilegal de óvulos e sêmen. Para se ter ideia de como funciona esse polêmico e movimentado mercado, existem sites internacionais especializados em divulgar perfis de brasileiras que oferecem seus serviços. Embora a Constituição Federal proíba, não há atualmente uma lei específica que regule a barriga de aluguel no País. O que existe hoje é apenas uma norma do Conselho Federal de Medicina que permite o empréstimo temporário do útero sem fins lucrativos entre familiares com até o quarto grau de parentesco. “O Brasil vive em um limbo jurídico em relação às barrigas de aluguel, há um vazio na legislação”, diz Ana Cláudia Silva Scalquette, membro da Comissão de Biotecnologia e Biodireito da Ordem dos Advogados de São Paulo. “Países como Itália, Reino Unido e França perceberam a necessidade de regular a prática há uma década para que ela não se tornasse uma atividade meramente lucrativa.” Por conta dessas lacunas jurídicas, surgem consultorias como a do ex-consul Rosenblatt-Nir.
Apesar de não ser ilegal, muitos especialistas questionam esses escritórios de “consultoria familiar”, que não são monitorados por nenhum órgão de saúde. “Aceitar sem parâmetros a instalação de clínicas que oferecem serviços proibidos no País não me parece razoável”, afirma a advogada Ana Cláudia. O médico especialista em medicina reprodutiva Lister de Lima Salgueiro também vê com cautela a chegada dessas empresas. “Elas montam escritórios de captação de clientes e fazem o processo em países onde a prática é permitida. Isso favorece a prática do turismo reprodutivo que acontece em razão das brechas na legislação”, diz.
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