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domingo, 30 de agosto de 2015

No seio das varas de família - desalienando a parentalidade


O Direito de Família conta, já há 5 anos, com a Lei  12.318/2010 que trata da alienação parental. Muitas vezes festejada como meio de proteção à criança, e a alguns pais vítimas da “possessividade” das mães.

Não que não o seja mas, fundamentalmente, é uma Lei de proteção às relações familiares e que nos brinda, também, com a compreensão de aspectos fundamentais destas relações, como o conceito de parentalidade e com a identificação e nomeação do poder afetivo que os adultos têm para com as crianças que deles dependem. É uma lei que demarca mudanças nos costumes e reivindicação de pais, e indiretamente de mães, em um sistema que ainda não contemplava as bem-vindas mudanças.
A compreensão das relações familiares em muito tem evoluído, inclusive com a consideração da pluralidade de formas de constituição das famílias que devem receber igual proteção. E o mesmo vale para seus membros que, independentemente de seu lugar e função, devem encontrar na família, definida atualmente como eudemonista, espaço de realização de direitos da personalidade —personalíssimos — fruto de fatores de ordem genética, ambiental, familiar e cultural. Atualmente as necessidades da família e de seus integrantes, além daquelas materiais, ganharam tradução existencial com a importância dada ao afeto.
Claro que cuidam-se de direitos da personalidade em sintonia com a finalidade da família — o cuidado dos seus membros —, proporcional ao grau de vulnerabilidade de cada um. Disto decorre o Princípio do Superior Interesse da Criança e do Adolescente que, é claro, não exclui ou se opõe ao direito dos outros familiares no exercício de suas funções, materna, paterna e parental. Relações e direitos são, por definição, complementares na família. Complementares entre pais e filhos e daqueles entre si.
E a pluralidade das famílias verifica-se, inclusive, quanto às formas de exercício da parentalidade. Se antes tínhamos um modelo de mãe e de pai, hoje temos uma diversidade, e que devem encontrar igual proteção.
Homens e mulheres, pais e mães, caracterizavam-se por aspectos mais objetivos e mais subjetivos, acompanhando a dicotomia sentimento pensamento, razão versus emoção. Dicotomia que não mais se mantém e que não se categoriza mais em termos do sexo biológico ou identidade de gênero. O que não significa sua homogenização.
Em consequência das mudanças nas possibilidades quanto ao exercício dos papéis e funções é que decorre, também, a lei de proteção à alienação parental. Antes dela, muitas queixas nem eram consideradas, e muitos pais desistiam dos próprios filhos.
Mas anterior aos extremos de que trata a lei, vejamos algumas diferenças quanto à origem do exercício das funções que, muitas vezes, acabam por se ver desbalanceadas e mesmo impedidas, desembocando em uma dinâmica de alienação.
A família é uma estrutura em que cada um ocupa um lugar e, sobretudo, exerce uma função, marcada pela diferença entre gerações, o que define o grau de cuidado necessário para como os mais vulneráveis.
A expressão função demarca a necessária complementaridade, e também pontua que tanto aquele que ocupa o lugar próprio da função — o pai ou a mãe, podem exercer em certa medida a função do outro, contando em suas personalidades com os recursos do capital que acumularam com exemplos havidos como os próprios pais, ou com outras experiências que ajudaram a construir suas personalidades.
Seja qual for a forma e composição da família, a diferença entre as gerações marca formas possíveis de realização dos direitos e seus impedimentos. A isso diz respeito a lei psicológica conhecida como da interdição do incesto, que encontra variações de cultura para cultura, e que, obviamente, transcende a mera expressão da sexualidade.
Retomo que o conceito de impulsos, basicamente da ordem da libido e da agressividade que traduzem formas de relacionamento. Portanto, essa lei fundamental de constituição da família define o que é permitido e o que é proibido. E, quando tratam-se de relações familiares, proibido também é excluir; e é desta proteção que trata a Lei da Alienação Parental, o Poder Familiar e mesmo os crescentes pleitos em relação ao que se conhece como abandono afetivo.
Retomando a dinâmica das relações familiares funcionais, esclareço que o movimento de oscilação de exclusão/inclusão integra de modo normal a vida familiar, e as necessidades em termos do desenvolvimento psicológico dos filhos.
Assim, a diferença das funções, materna e paterna, marca formas de relacionamento necessárias ao desenvolvimento e formação da personalidade da criança e secundariamente também, dos pais. Funções que se baseiam e guardam relação, mas não exclusiva, com o sexo biológico.
Com o nascimento, ocupam a cena inicialmente, a dupla mãe-bebê (entenda-se aqui quando se falar de mãe e de pai refiro-me a quem exerce a função). Dupla que, vulnerável, necessita de um outro, o pai, que lhes dê proteção.
A função de cada um é diferente, tendo importância relativa às necessidades, de ordem física e psíquica, da criança. Assim, mãe nutre e traduz as sensações em sentimentos, balizando a demanda por satisfação imediata que caracteriza os bebês. O pai tem, por definição, o lugar do terceiro da relação, aquele excluído daquele tipo de relacionamento. O pai exerce a função de interdição, dando um limite àquela forma de satisfação mais imediata dos impulsos por parte da mãe e do bebê, e aquele que, assim, reivindica um lugar próprio. O pai oferece outras possibilidades de relacionamento.
Friso a importância da função paterna que tem o significado da lei que marca a interdição do incesto — compreendido psiquicamente — lei que representa as formas aceitáveis socialmente de satisfação dos impulsos. O pai, ou quem exerça essa função, representa a lei, a cultura, os valores sociais.
Pai, mãe e bebê: um triângulo que existe, pode-se dizer, desde a concepção, mas cujos contornos ganham relevância diferente ao longo do desenvolvimento da criança. Assim, embora a dupla mãe-bebê esteja em primeiro plano, deve contar com a proteção do pai, e, ademais, seu lugar e função são fundamentais na constituição da personalidade, e para a formação equilibrada do triângulo de relações. É com base nestes dois relacionamentos, e dos pais entre si, que se formam as bases da personalidade e se dá o exercício equilibrado das funções.
Durante um período os filhos naturalmente aproximam-se mais da mãe ou mais do pai, não só de acordo com as características e disponibilidade de cada um deles, mas de acordo com o desenvolvimento psíquico e as suas necessidades e desejos, que são altamente subjetivos. Ou seja, sobretudo no aspecto do desenvolvimento, os interesses da criança são superiores à realidade, ao desejo e às condições dos pais. O que estes devem estar é relativamente disponíveis, em um clima de cooperação.
Trago essa breve explicação para apontar que, de forma um tanto simplista, o lugar da mãe é como que dado e o do pai conquistado. O exercício da função paterna implica na mudança da posição de terceiro excluído para a de inclusão.
Houve uma época em que as diferenças eram privilegiadas em detrimento da igualdade, demarcando de modo mais rígido o exercício das funções, e mesmo excluindo e restringindo o acesso das mulheres à satisfação da realização e do reconhecimento pelo trabalho fora da família, e restringindo e mesmo excluindo o acesso dos homens à satisfação mais ampla da realização dos afetos dentro da família.
Hoje o privilégio é o de igualdade quanto às condições de acesso, o que não retira as diferenças entre as funções. E o desafio aí está — o do reconhecimento das diferenças, o que pontua a necessária dinâmica de cooperação.
Já a igualdade que desconsidera as diferenças pode acirrar a competição, a exclusão, e a tentativa de mera substituição de um pelo outro. E esta seria uma forma de alienação.
Quando ocorrem rupturas ou mesmo quando o casal parental não teve oportunidade de se constituir de forma sólida, as relações podem se tornar disfuncionais e inflexíveis. Relações que se expressam em sintomas, no impedimento da realização das funções, e que acabam judicializados.
E são, justamente, estas as distorções que a lei veio buscar  corrigir. Sob essa ótica a lei da alienação parental visa a inclusão, não mera equiparação e possibilidade de substituição de um pelo outro.
Nesse sentido, a lei a respeito da alienação parental foi precisa em sua denominação. Ela fala em parentalidade, um conceito importado a psicanálise, e que conceitua o exercício das funções materna e paterna como complementar.
Do ponto de vista da legislação que tem acompanhado as mudanças sociais e a consciência da importância de bases existenciais e psicológicas, de constituição da família, acredito que a questão da parentalidade deva ser examinada tendo por base um tripé — compartilhamento da guarda, alienação parental e o que tem sido conhecido como abandono afetivo, que toca aos artigos que tratam da responsabilidade. O referido tripé está sob o guarda-chuva do Poder Familiar.
A nova lei da guarda compartilhada tem dado margem à diversas confusões. Ademais da confusão com o instituto do Poder Familiar, como bem apontou José Fernando Simão em sua coluna do dia 23 de agosto, do meu ponto de vista, algumas dificuldades residem na desconsideração das diferenças para atingir o legítimo pleito da igualdade. E a lei da alienação parental, em minha interpretação, nos brinda com a necessária ponderação.
Ambas as leis foram fruto de movimento de pais, que felizmente destoam do comportamento de uma grande parte dos pais, ao ponto das estatísticas nos mostrarem uma triste realidade: grande parte dos lares é mantido e gerenciado exclusivamente por mulheres, e grande parte da população carcerária não conta com o nome do pai na certidão de nascimento.
Indiscutíveis as consequências da ausência paterna,  sobretudo quando alienado da convivência com os filhos, seja pelo que se denomina abandono afetivo, seja por ser impedido em exercer sua função.
Felizmente, ganhamos cada vez mais consciência da importância do exercício da função paterna de forma ampla e atual — não basta ser, tem que participar. Ou, dito de modo mais próprio: não basta ocupar o lugar, tem que exercer a função. Função que se exerce em relação a dois outros — o filho e à quem exerce a função materna.
Homens e mulheres, pais e mães, caracterizavam-se por aspectos mais objetivos e mais subjetivos, acompanhando a dicotomia sentimento pensamento, razão versus emoção. Dicotomia que não mais se mantém e que não se categoriza mais em termos do sexo biológico ou identidade de gênero. O que não significa sua homogenização.
Um dos grandes méritos do psiquiatra norte-americano, em época de mudanças nas relações entre mulheres e homens, foi o de apontar o mau uso feito dos processos judiciais com fins de alienação. Um ponto que toca diretamente à interpretação da dinâmica judicial e que não deve, inclusive atualmente, ser minimizado. Nesta linha, deve-se apontar, inclusive, o mau uso que muitas vezes é feito de uma importante lei como forma de pressão, em geral às mães.
E de outro lado, temos a considerar o extremo da alienação que são as falsas denúncias de abuso sexual, em que o Judiciário se vê, muitas vezes, presa de uma dinâmica que violenta as relações familiares. Delicado e candente tema de uma próxima coluna.
Giselle Câmara Groeninga é diretora da Comissão de Relações Interdisciplinares do IBDFAM.

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