22/08/2015
Isabel Montaño é aluna do mestrado em antropologia social em Campinas.
Estrangeira compara, na pesquisa, as cantadas no país natal e no Brasil.
Patrícia Teixeira
Colombiana usa desenhos para retratar pesquisa sobre cantadas (Foto:Isabel Montaño / Arquivo Pessoal) |
O nível é igual na Colômbia e no Brasil, o mesmo sentido sexual de falar das partes íntimas"
Isabel começou a pesquisar o assunto ainda na graduação, na Colômbia, onde cursou a Universidade de Caldas.
"Vim para o Brasil pesquisar qual era a relação da mesma problemática. Quando eu cheguei aqui encontrei a mesma situação nas ruas. Uma vez, um cara começou a falar comigo no ônibus quando eu estava de costas. Falou palavras bem grosseiras. O nível é igual na Colômbia e no Brasil, o mesmo sentido sexual de falar das partes íntimas", lembra.
Cada sentimento que veio à tona ao longo da pesquisa "virou" um desabafo em desenhos. Com cores vibrantes e a inspiração na revolta, ela conseguiu retratar o desconforto e o medo das mulheres constrangidas pelas cantadas. A ideia surgiu do contato com estudantes do curso de artes da Unicamp e passou a integrar a pesquisa.
"Eu desenho as emoções, o que sinto diante de situações de violência. Eu sentindo medo de ser atacada na rua. Eu chateada por ter que andar na rua e passar dificuldades, com raiva de não ter carro pra me sentir segura. E a história de uma ex-prostituta que tinha começado trabalhar numa loja, mas os homens ainda viam nela cara de prostituta. Nunca conheci uma pesquisa assim", conta. (Veja os desenhos ao longo da reportagem)
Cada sentimento que veio à tona ao longo da pesquisa "virou" um desabafo em desenhos. Com cores vibrantes e a inspiração na revolta, ela conseguiu retratar o desconforto e o medo das mulheres constrangidas pelas cantadas. A ideia surgiu do contato com estudantes do curso de artes da Unicamp e passou a integrar a pesquisa.
"Eu desenho as emoções, o que sinto diante de situações de violência. Eu sentindo medo de ser atacada na rua. Eu chateada por ter que andar na rua e passar dificuldades, com raiva de não ter carro pra me sentir segura. E a história de uma ex-prostituta que tinha começado trabalhar numa loja, mas os homens ainda viam nela cara de prostituta. Nunca conheci uma pesquisa assim", conta. (Veja os desenhos ao longo da reportagem)
Estudar o assédio urbano também agregou conhecimento à orientadora de Isabel. A professora do Departamento de Antropologia da Unicamp Susana Durão, especialista na área de violência e direitos humanos, é portuguesa e disse que as cantadas não são uma realidade em Portugal.
"O objetivo não é fazer uma denúncia, há processos muito complexos. Poder mostrar uma variedade é o fundamental da pesquisa, que possa abrir, ver o problema de outros ângulos. Ela [Isabel] é muito sensível a essa agressão. Falei pra ela ouvir muitas pessoas envolvidas nessa questão, para entender o contexto, o processo pelo qual elas passam. É importante porque percebo que é uma realidade muito presente na vida das jovens latinas", diz.
Isabel disse que pretende estudar o efeito das cantadas em outros países para a tese de doutorado, no futuro.
O tema foi discutido nacionalmente em dezembro de 2014 por conta da Campanha "Chega de Fiu Fiu", da organização Think Olga, que luta pelo fim do assédio contra mulheres. O levantamento incentivou as denúncias de situações de constrangimento, causado pelas cantadas. A pesquisa revelou que 99% das entrevistadas já foram cantadas. E 83% não gostaram.
"O objetivo não é fazer uma denúncia, há processos muito complexos. Poder mostrar uma variedade é o fundamental da pesquisa, que possa abrir, ver o problema de outros ângulos. Ela [Isabel] é muito sensível a essa agressão. Falei pra ela ouvir muitas pessoas envolvidas nessa questão, para entender o contexto, o processo pelo qual elas passam. É importante porque percebo que é uma realidade muito presente na vida das jovens latinas", diz.
Isabel disse que pretende estudar o efeito das cantadas em outros países para a tese de doutorado, no futuro.
O tema foi discutido nacionalmente em dezembro de 2014 por conta da Campanha "Chega de Fiu Fiu", da organização Think Olga, que luta pelo fim do assédio contra mulheres. O levantamento incentivou as denúncias de situações de constrangimento, causado pelas cantadas. A pesquisa revelou que 99% das entrevistadas já foram cantadas. E 83% não gostaram.
Isabel retrata susto de vítima de cantadas em Campinas(Foto: Isabel Montaño / Arquivo Pessoal) |
Busca por vítimas
No mestrado em antropologia social na Unicamp, Isabel expandiu o conhecimento ao conhecer mulheres que convivem não só com as cantadas abusadas nas ruas, mas com agressões e outros tipos de violência.
"A inquietação para fazer a pesquisa é que eu sentia aquele assédio simbólico emocional. É só um processo para a violência física na rua, a questão dos estupros e homicídios, assassinatos de mulheres que acontecem pela condição de gênero, só por ela ser mulher. O objetivo é combater a relação violenta que pode ser sutil ou física, as relações de violência que vêm por trás disso", conta.
Foi por meio da ONG Ação Mulher e Família, em Campinas, que Isabel teve contato com as vítimas. Foram seis meses de depoimentos e acesso à rotina de mulheres de classes sociais variadas, e ela percebeu um contraste.
"A mulher universitária da classe média experimenta uma violência muito específica por causa dessa condição de classe. Quando cheguei na ONG conheci a realidade das mulheres de classes mais baixas. Na Colômbia só olhava a minha realidade. Na SOS conheci a realidade das mulheres que têm que levar pra frente a sua família, lidar com a pobreza e um monte de carência. Por isso, a violência que elas sofrem vai muito além, vai de geração a geração", completa.
A questão da pobreza tem um agravante: a violência pode ser rotineira, devido aos problemas sociais e até a má escolha do parceiro, que pode ser violento.
"Essas mulheres deixam passar muitas coisas porque têm que responder por uma família. Então, sinto que elas aguentam muito mais, que elas não vão se queixar por uma cantada".
As cantadas não deveriam ser ignoradas. Nas políticas municipais de atendimento ao cidadão é uma questão de urgência"
Na ONG, que há 35 anos promove ações voltadas para a prevenção da violência de gênero contra as mulheres, cerca de 15 mulheres procuram ajuda todo mês. Para a coordenadora técnica Sandra Forster Giovannini, a cantada pode ser ou não o princípio de violência, mas com certeza é o início da discriminação de gênero.
"As cantadas não deveriam ser ignoradas. Nas políticas municipais de atendimento ao cidadão é uma questão de urgência. Todas as mulheres têm direito a usar os espaços públicos com liberdade sem estarem sendo assediadas ou constrangidas", afirma.
Na organização, a chamada violência urbana é tratada com trabalho de esclarecimento educativo, que envolve a família. A recuperação psicológica das mulheres assediadas é difícil, segundo Sandra.
Cartaz da campanha 'Chega de Fiu Fiu', da
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Discussão nacional
Segundo a gerente de conteúdo e comunidade do Think Olga, Luíse Bello, a campanha Chega de Fiu Fiu ajudou a mudar o tom da conversa sobre assédio em locais públicos.
"O assédio em locais públicos era visto como uma coisa natural, que seria um elogio ou a pessoa deveria ignorar. Quando a gente começou a falar sobre isso, um grande número de mulheres se identificou com a causa. O que mudou foi que muitas mulheres viram que o normal é não gostar de cantadas", conta.
Luíse acredita que o problema é disfarçado e que a violência contra as mulheres faz parte de uma cultura. "É como se ela não fosse dona do próprio corpo. Quando você tem esse pensamento e leva isso para o relacionamento, é o mesmo pensamento que leva alguns homens a agredirem fisicamente e sexualmente", explica.
Ao saber que uma colombiana decidiu abordar o tema no Brasil por ter experimentado o assédio nos dois países, Luíse encarou como uma vitória.
"É uma forma da gente ver que não é um problema local, acontece com mulheres do mundo inteiro, e que esse comportamento está sendo combatido. Na Colômbia também tem organizações contra o assédio. A gente acaba se sentindo mais próximas delas, porque a gente partilha das mesmas angústias".
G1
"O assédio em locais públicos era visto como uma coisa natural, que seria um elogio ou a pessoa deveria ignorar. Quando a gente começou a falar sobre isso, um grande número de mulheres se identificou com a causa. O que mudou foi que muitas mulheres viram que o normal é não gostar de cantadas", conta.
Luíse acredita que o problema é disfarçado e que a violência contra as mulheres faz parte de uma cultura. "É como se ela não fosse dona do próprio corpo. Quando você tem esse pensamento e leva isso para o relacionamento, é o mesmo pensamento que leva alguns homens a agredirem fisicamente e sexualmente", explica.
Ao saber que uma colombiana decidiu abordar o tema no Brasil por ter experimentado o assédio nos dois países, Luíse encarou como uma vitória.
"É uma forma da gente ver que não é um problema local, acontece com mulheres do mundo inteiro, e que esse comportamento está sendo combatido. Na Colômbia também tem organizações contra o assédio. A gente acaba se sentindo mais próximas delas, porque a gente partilha das mesmas angústias".
G1
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