Desde 1997, o 'Inside-Out' coloca internos e universitários lado a lado em cursos realizados dentro de instituições prisionais; embora tema das aulas varie, acabar com o preconceito contra presidiários é ponto central da iniciativa
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No programa Inside-Out, universidades unem alunos e detentos em cursos realizados dentro das prisões
O Instituto Correcional Juvenil MacLaren encerra adolescentes infratores a cerca de 30 quilômetros ao sul da cidade de Portland, no estado de Oregon, nos Estados Unidos. Uma professora da Universidade Estadual de Portland deu a alguns dos jovens encarcerados na instituição a oportunidade de assistir aulas ao lado de alunos que não estão envolvidos em problemas com a lei.
No último semestre, a professora Deb Arthur lecionou o primeiro curso “Inside-Out” [“De dentro para fora”, em tradução livre] da universidade, realizado nas instalações do Instituto Correcional, que reuniu estudantes universitários e detentos, os jovens "do lado de dentro".
Programas como o de Arthur têm como objetivo reorientar o debate sobre justiça criminal nos Estados Unidos, construindo vínculos entre pessoas de dentro e de fora das prisões. A taxa de encarceramento nos Estados Unidos é a mais alta do mundo, com um em cada 108 adultos no país cumprindo pena em 2012.
O curso de Arthur colocou 15 estudantes universitários da Universidade Estadual de Portland (PSU, na sigla em inglês) ao lado de 15 detentos da instituição na antiga unidade de alojamento do complexo que é usada hoje como sala de conferências. Os 30 estudantes se encontraram para discutir movimentos que reivindicam justiça social, como os Zapatistas no México e o movimento dos apoiadores da Lei DREAM, em prol de crianças e adolescentes estrangeiros que vivem nos EUA em situação irregular, a fim de entender como os estudantes poderiam produzir transformações nos contextos em que vivem.
Gustavo Portillo-Soto, detento do Instituto Correcional que participou da aula, teve algumas dúvidas a respeito da ideia no início, mas disse que aprendeu muita coisa com a experiência. "Eu não esperava discutir problemas ou ideias como membro de uma classe de alunos", disse ele. "Eu realmente achei que fosse haver muita discordância entre as pessoas 'do lado de fora' e as que estão aqui dentro, na prisão".
Portillo-Soto não era o único que tinha reservas quanto à experiência; estudantes de ambos os grupos chegaram à sala de aula com preconceitos mútuos. Mas à medida que o curso avançou, suas ideias começaram a mudar.
"Os estudantes universitários me disseram que os rapazes do Instituto são brilhantes, inteligentes, e que eles não imaginavam isto", disse a professora Arthur. "Os internos me disseram que os universitários eram bastante acessíveis e gentis".
A Universidade Estadual de Portland não é a única a oferecer aulas do tipo nos EUA. Várias universidades do país contam com programas similares; até o momento, mais de 300 cursos como este uniram presidiários e não-presidiários para discutir e trabalhar em diferentes questões.
A primeira aula do tipo ocorreu na Universidade Temple da Filadélfia, em 1997, quando estudantes universitários se encontraram com detentos em uma prisão próxima para discutir a reforma da justiça criminal nos EUA.
Embora a temática varie, acabar com o preconceito contra os presidiários é um ponto central de todos estes programas. De acordo com Alex Friedmann, diretor-associado da organização Human Rights Defense Center (Centro para a Defesa dos Direitos Humanos), conhecer os prisioneiros é um dos elementos cruciais. O próprio Friedmann esteve preso há muitos anos, e participou de um curso “Inside-Out”.
"Trazendo pessoas de fora para dentro da prisão, nós ajudamos a humanizar os detentos", disse. "A maioria das pessoas não têm a menor ideia de como é a prisão, já que nunca esteve lá".
Friedmann diz que conhecer pessoas detidas é importante, especialmente para estudantes de direito criminal, já que o reconhecimento do quanto eles têm em comum com os prisioneiros os ajudaria na realização de seu trabalho.
Mas Friedmann observa que a iniciativa também é importante por outro motivo. Ele diz que é um erro que os legisladores produzam leis sobre o sistema de justiça criminal sem receber o feedback dos detentos. "Os que conhecem os problemas podem ajudar a encontrar soluções".
Friedmann também salienta que a maior parte dos prisioneiros voltará à vida em sociedade assim que sua pena tiver sido cumprida, tornando-se novamente parte de nossa comunidade. Portanto, é do interesse de todos garantir que os detentos recebam o apoio necessário para seguir em frente, deixando para trás o que os colocou atrás das grades e se tornando cidadãos bem-sucedidos quando saírem da cadeia.
Sarah Allred, professora-associada de sociologia na Berry College, no estado da Geórgia, lecionou cursos “Inside-Out” por vários anos e faz parte do comitê nacional do Centro Inside-Out, que realiza iniciativas como esta em todo o país. Segundo ela, este tipo de aula é essencial na solução do problema nacional do encarceramento em massa, já que "torna visível o invisível".
"Nos cursos, você percebe que está sentado ao lado de alguém, do pai de alguém, da irmã de alguém", diz Allred, observando que estas relações não ficam aparentes na representação usual dos detentos.
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Alunos da Universidade Temple em um dos programas de integração entre universitários e detentos nos EUA
Allred diz que entender este contexto "aciona um botão" e prepara as pessoas para refletir profundamente a respeito das questões relacionadas ao encarceramento.
Para além da relação estabelecida entre os estudantes "de dentro" e os "de fora", Allred diz que uma das melhores coisas que surgem a partir deste tipo de aula é a confiança desenvolvida entre ambos os grupos de estudantes, bem como a cultura otimista promovida.
"Funcionários da penitenciária me disseram ter notado uma diferença positiva não apenas nos jovens que participaram das aulas, como também em seus amigos", disse Allred. "A experiência teve um efeito cascata".
Deb Arthur leciona há mais de 12 anos na Universidade Estadual de Portland. Antes de dar aulas, ela era advogada de defesa criminal em Portland, e a maior parte de seu trabalho consistia em defender adolescentes infratores. Ver a injustiça do sistema jurídico a inspirou a dar início à nova modalidade de aulas, e ela se concentrou nas leituras e discussões sobre movimentos sociais ao longo da história, incluindo obras como a "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire, e o artigo "Quem Tem Medo da Música", de Carol Estes, sobre o papel da música nas lutas sociais.
O objetivo de Arthur não era tanto o de educar os alunos sobre o complexo industrial prisional, diz ela, mas sim convencê-los de que poderiam fazer a diferença. "Queria que fossem capazes de dizer: 'Eu sou um agente de mudança, eu posso ter um impacto sobre o mundo'."
Muitos de seus alunos relataram um sentimento de autonomia e inspiração após as aulas.
Portillo-Soto disse que, antes de estudar com Arthur, ele pretendia viver uma "vida comum", assim como muitos dos demais detentos desejam.
"Depois da aula, meus olhos se abriram. Eu comecei a gostar de muitas outras coisas, como arte e falar em público", disse. "A aula me ajudou a ver a beleza das coisas... e [fez com que eu] quisesse sair da minha zona de conforto e lutar por algo, fazer parte de algo".
Para Portillo-Soto, as aulas sobre o movimento pelos direitos dos imigrantes ressoaram de maneira especial. "Se eu soubesse [da Lei DREAM] quando estava solto, eu teria participado das manifestações com eles, teria me tornado um deles", disse. "Eu sou hispânico e tenho muitos parentes que estão em situação irregular nos Estados Unidos. Isso é algo por que eu gostaria de lutar".
Vários estudantes mostraram interesse em seguir carreiras no campo da justiça social, particularmente nas áreas sobre as quais aprenderam no curso. Pavel Bahmatov, outro jovem no Instituto Correcional, disse que deseja aprender mais sobre a linha direta entre as escolas e a prisão e evitar que mais pessoas sejam presas. No momento, ele está fazendo um curso de radiojornalismo e tentando implantar um programa de justiça restaurativa na instituição.
Griffin Thomas, que também é um detento no Instituto, frequenta aulas na prisão e está a um ano de obter seu diploma em sociologia. Ele espera trabalhar na área quando terminar sua graduação. "É preciso que haja uma conscientização maior sobre a população encarcerada e sobre como o sistema funciona", disse, "de modo que possamos evitar que isso aconteça com mais gente".
As aulas culminaram em um projeto de aprendizado centrado na comunidade desenvolvido junto aos estudantes. A professora Arthur pediu que os estudantes escolhessem um tema sobre o qual trabalhar, e eles escolheram os problemas ambientais na região do Instituto Correcional. Plantaram árvores, tanto para substituir as que haviam sido derrubadas por tempestades ou removidas pela instituição, quanto para atrair a atenção pública para a necessidade de um plano de gestão ambiental.
Para Arthur, o resultado mais importante do curso foi os estudantes terem aprendido uns sobre os outros, bem como a forma como seus pontos de vista foram alterados. "A partir do momento em que os preconceitos foram superados e eles passaram a ver uns aos outros como humanos, tudo mudou", diz.
Tradução: Henrique Mendes
Matéria original publicada na revista norte-americana YES! Magazine.
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