por Djamila Ribeiro — publicado 26/08/2015
A campeã do tênis transcende a visão de mundo míope dos machistas e sexistas
Serena Williams celebra vitória: seu sucesso incomoda? Philip Hall e Andrew Ong / Usopen.org |
Vários artigos e estudos de diversos países abordando a forma racista e sexista à qual Serena Williams é retratada pela mídia já foram publicados. A insatisfação com essas atitudes é mostrada por várias pessoas. Mas a mídia esportiva não aprende.
Serena Williams é uma das maiores campeãs de todos os tempos, possui vinte e um títulos individuais de Grand Slam, os mais importantes do tênis, e mais de dez em duplas, com sua irmã, Venus.
Serena é campeã olímpica, bateu vários recordes e é atualmente a número um do ranking mundial com quase 34 anos. Maria Sharapova, por exemplo, possui cinco títulos de Grand Slam, mas nem de longe essa última é insultada como Serena é. Ou seja, Sharapova não é nem de longe tão campeã quanto Serena, jamais alcançará os números surpreendentes dela, mas é sempre elogiada, vista como a bela, a “lady”.
A mídia racista e sexista não se conforma em ver uma mulher negra com personalidade. John McEnroe, um grande tenista da história, era excêntrico, discutia com os árbitros, possuía um comportamento até agressivo muitas vezes. Mas como ele é homem e branco era tido como alguém de personalidade forte, irreverente. Serena é tida como encrenqueira, mau exemplo para os fãs, bruta.
No Brasil, não é diferente. Como uma pessoa que ama tênis e acompanha os jogos, digo que é um martírio assistir às partidas. Muitas vezes prefiro assistir online pelo site dos torneios para não me aborrecer com o despreparo dos profissionais.
Tanto na ESPN como no Band Sports, os comentaristas se referem à Serena Williams como “Serenão”, por ela ser forte. Percebem a falta de respeito nisso? É como se uma mulher para ser forte precisasse ser colocada num padrão masculino; está se dizendo que mulher e força não combinam, reproduzindo o mito da fragilidade feminina. Além disso, tem garra, expressa raiva, tem jogo agressivo, atitudes quase criminosas para uma mulher.
Serena é musculosa, forte, quebra com os modelos impostos de feminilidade e por conta disso é alvo de comentários preconceituosos. Fazem comentários desrespeitosos em relação a um suposto namoro dela com seu técnico, o francês Patrick Mouratoglou, dando a entender que Patrick é um “corajoso” por estar com ela. Quando se referem ao namoro de Sharapova com o tenista Grigor Dimitrov, dizem que ele é sortudo, “tem Sharapova o esperando em casa”. Quando as duas tenistas se enfrentam, chamam Serena de fera e Sharapova de bela.
Além de racista, é uma mídia punheteira, que se sente no direito de “elogiar” as formas das jogadoras, se esquecendo que elas são atletas, profissionais e não objetos. Elegem as “musas” e fazem comentários desnecessários e machistas.
Seus olhares condicionados sobre o que é belo e feminino insultam a inteligência de quem assiste. Além de Sharapova, Ana Ivanovic é alvo de comentários desnecessários por ser considerada bonita por eles. Com os jogadores homens isso não acontece. São profissionais trabalhando. Um comentarista da ESPN se referiu à família de Serena uma vez como “um show de horror”.
No torneio de Roland Garros deste ano, no qual Serena foi campeã novamente, o ex-tenista Flavio Saretta, comentarista da Band Sports, foi fortemente criticado pelos telespectadores por dizer que Serena deveria desistir porque estava passando mal durante o jogo.
E a chamou de atriz, fingida, mau exemplo. Serena estava visivelmente passando mal, mas mesmo assim lutando (há muita coisa em jogo, além do jogo, como patrocínio, sinal de TV) e Saretta se sentindo no direito de insultá-la. Renato Messias, também comentarista desse canal, foi na mesma linha. Depois das críticas, quiseram voltar atrás, mas o estrago já havia sido feito.
Eles estão ali para fazer comentários técnicos sobre o jogo, avaliar as jogadas e não para tentar adivinhar se uma tenista está realmente passando mal ou para fazer jornalismo de fofoca sobre relacionamentos e, muito menos, para avaliar beleza.
Minha filha se interessou por jogar tênis por causa de Serena. Quando tinha três anos, a viu jogando e disse a frase: “olha, mãe, ela é negra como eu, também quero jogar tênis”. As irmãs Williams quebraram paradigmas, são grandes campeãs em um esporte ainda elitista. Parece que a sociedade racista ainda não se conformou com isso.
Chega a ser cômica a tentativa de muitos deles de tentar diminuir os feitos dela. Mas ela segue ganhando títulos e se tornando histórica. Sorte nós temos de sermos contemporâneos de uma tenista desse nível. Quando se aposentar, fará muita falta ao esporte.
Alguns comentaristas desses canais foram tenistas profissionais sem expressão, nem de longe obtiveram resultados como o de Serena e se acham no direito de tratar dessa forma a melhor de todos os tempos. Seria recalque? Acredito que possa haver sim, mas, mais do que isso, trata-se de uma mídia esportiva racista, machista, antiética e despreparada.
É perceptível o incômodo desses profissionais com Serena Williams. Ela transcende a visão de mundo limitada dessas pessoas.
-------------
Resposta de Flavio Saretta*:
Prezados, não é do meu feitio responder a assinantes, telespectadores ou ouvintes, mas quando sou exposto, crucificado e mal julgado em uma coluna com a grife da CartaCapital, não posso me abster. Gostaria de ressaltar que, como ex-tenista profissional, sou dos que mais respeitam os atuais, portanto é ridículo imaginar que eu iria vilipendiar quem quer que seja. Por acaso, apesar de não gostar de comparações, fui até um bom tenista – chegar aos 40 do mundo não é nada mal. Por isso, recalcado jamais! Agora, me acusar de racista é o fim. Não admito, não aceitarei. Ainda mais vindo de uma colunista fraca e de linguagem chula e de má fé!
-------------
*A colunista esclarece que não chamou o comentarista Flavio Saretta de racista, mas fez, sim, uma crítica à imprensa esportiva. A crítica específica da colunista ao comentarista se refere exclusivamente à fala dele citada no artigo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário