Quando alguém nos apaixona, é conduzido de mãos dadas ao centro da nossa existência, onde desfruta de exclusividade e de carinho.
IVAN MARTINS
19/08/2015
Minha situação neste inverno calorento pode ser resumida em poucos números: duas gatas, uma ex, meia dúzia de amigos e algumas relações difíceis de serem nomeadas. É o que se chama por aí de vida de solteiro, e, francamente, acho uma droga. Sei de gente que adora essa liberdade, mas não é meu caso. Prefiro os grilhões suaves de uma relação feliz às possibilidades enganosas de uma sexta-feira sem compromisso.
Não é o caso de chorar de pena ou gemer de inveja. Apenas é assim.
Ontem, jantando com uma moça, tive a sensação de que há algo de errado comigo. Ela está separada há quatro meses, divide casa com uma amiga, não tem nenhum relacionamento em vista e... jura que está feliz. Parece realmente contente com a sua solteirice sem planos, enquanto eu resmungo diariamente contra a falta de uma relação amorosa que ancore a minha existência.
Por que somos tão diferentes? Minha impressão é que se trata em parte de questão de gênero.
Mulheres tendem a lidar melhor com a separação. Classicamente, no fim de um relacionamento os homens mergulham na farra, enquanto as moças se recolhem ao casulo da sua nova liberdade. Depois de uns meses, voltam à vida como borboletas, com garbo e maravilha, enquanto os caras que queimaram a largada descobrem que ainda estão na lama – e lá ficarão por um bom tempo.
Mas não é apenas dos ritos da separação que estamos falando.
O que me causa inveja na moça – e em outras pessoas como ela, homens ou mulheres – é que mesmo em tempos normais elas parecem construir a vida em torno de si mesmas, sem as escoras e andaimes de uma relação romântica.
Você liga na segunda-feira à noite e a criatura está de boa, fazendo o próprio jantar. Na tarde de sábado, se enfia na banheira ou anda de bicicleta como se o mundo jamais fosse acabar. É a mesma pessoa que vai do trabalho para casa por três noites seguidas, depois faz uma farra com os amigos para compensar. Suponho que tristezas cheguem e passem como as horas no relógio. Ela respira e aguenta, tão somente.
A diferença entre quem vive assim e quem padece de ansiedade amorosa é a capacidade de estar em paz consigo mesmo.
Quem fica bem sozinho não corre atrás da primeira pessoa que passa. Espera que alguém legal apareça, sem pressa e sem fantasias infundadas. Muita gente bacana queima o próprio filme por carência: se envolve com babacas, faz papel de boba, acaba humilhada e ressentida pela incapacidade de esperar ou dizer não a quem precisa ouvir.
Há uma lei cruel da natureza que diz que o afeto flui generosamente na direção de quem prescinde dele. Quem tem menos necessidade de atenção vai recebê-la com mais frequência – e o inverso é tristemente verdadeiro.
Chovo no molhado, evidentemente.
Todos sabemos, por experiência própria, que o jeito mais eficaz de atrair pessoas é estar feliz. Nesse estado de espírito peculiar a gente transpira simpatia e sensualidade. Estar tranquilo sozinho não é como estar feliz, mas às vezes se parece tanto àquilo que as pessoas se confundem – e desejam ardentemente as almas independentes, porque elas parecem levar dentro de si a semente de uma alegria secreta.
Outro dia, numa conversa com o guru Sri Prem Baba, durante o lançamento do livro dele, ouvi uma pergunta de luminosa simplicidade: como esperar que as pessoas nos amem se nós mesmos mal nos suportamos? Obviamente, não dá. É por isso que o guru do amor diz que deveríamos melhorar antes de depois de nos juntar aos outros, entendendo de onde vêm nossas carências, medos e raivas. Faz sentido.
Estar sozinho, mesmo que doa, é uma forma rápida e eficaz de aprender sobre si mesmo.
Na condição de carente, porém, eu me permito fazer a defesa da tribo. Não somos apenas chatos ou pegajosos. Esses são os amadores. Na verdade, tendemos a ser emocionalmente disponíveis. Estamos abertos a pessoas e experiências, e isso é bom. A necessidade do outro nos leva a olhar e procurar intensamente. Quando alguém nos apaixona, é conduzido de mãos dadas ao centro da nossa existência, onde desfruta, publicamente, de exclusividade e de carinho. Não existe entre os carentes o medo de amar ou de se expor.
Quem precisa avidamente dos outros está lá, na chuva, com o sorriso aberto e a mão estendida, dizendo, como no poema de Matilde Campilho: “Vem dançar comigo, vem”.
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