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domingo, 30 de agosto de 2015

Lei dá a juiz meios punitivos para coibir a prática da alienação parental


1. Definição
O termo jurídico alienação parental significa a prática reiterada e sistemática de atos que objetivam o afastamento entre um genitor e seu filho. A conduta é perpetrada pela pessoa que detém a guarda da criança, em sua maioria, a mãe.

No Brasil, a Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010, conceituou alienação parental como sendo “[...] a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este”.
Originada, na maior parte das vezes, num contexto de disputa em razão do término conflituoso de uma relação conjugal, a alienação parental é um trabalho constante de manipulação da prole com o único propósito de obstaculizar e impedir o contato entre o genitor e seus filhos menores de idade. São ações articuladas e injustificadas, às vezes, muito sutis, de desqualificação da figura paterna, da sua importância e de suas funções.
A criança, um ser vulnerável por excelência, depois de algum tempo, absorve o discurso da mãe como verdadeiro, repete as frases por ela produzidas e, diante do enorme poder da figura materna, começa a rejeitar o pai e, numa evolução quase que natural, assume o papel de atacá-lo. Nos casos graves, o contato entre genitor alienado e seu filho torna-se quase impossível, tamanha a hostilidade da criança. Diz-se pai, pois dados do IBGE apontam que em 87,64% dos casos de divórcio, no Brasil, a guarda dos filhos foi fixada a favor da mãe[1].
A criação da tese da Síndrome da Alienação Parental (SAP) é atribuída a Richard Gardner, psiquiatra e professor norte-americano, especialista do Departamento de Psiquiatria Infantil da Faculdade de Medicina da Universidade de Columbia, (EUA, 1985):
“A Síndrome da Alienação Parental é uma desordem que se origina essencialmente do contexto da disputa pela guarda dos filhos. Sua primeira manifestação é a campanha de denegrir um genitor, uma campanha que não possui qualquer justificativa. Ela resulta da combinação de inculcações feitas por um genitor que realiza programação (lavagem cerebral) e as contribuições da própria criança para transformar o genitor-alvo em vilão. Quando um real abuso parental e/ou uma negligência estão presentes, a animosidade da criança pode ser justificada, e então a explicação da Síndrome da Alienação Parental para a hostilidade da criança não é aplicável.”[2]
A SAP deriva de um sentimento neurótico de dificuldade de individuação, de ver o filho como um indivíduo diferente de si, e ocorrem mecanismos para manter a “simbiose sufocante” entre pai ou mãe e filho, como superproteção, dominação, dependência e opressão da criança. O pai ou mãe acometido pela SAP não consegue viver sem a criança nem admite a possibilidade de que a criança deseje manter contatos com outras pessoas que não com ele ou ela. Para isso, utiliza-se de manipulações emocionais, sintomas físicos, isolamento da criança de outras pessoas, com intuito de incutir-lhe insegurança, ansiedade, angústia e culpa. Por fim, e o que é mais grave, pode influenciar e induzir a criança a reproduzir relatos e eventos de supostas agressões físicas ou sexuais atribuídas ao outro genitor, com o único objetivo de afastá-lo do contato com a criança[3].
É importante registrar que alienação parental não é considerada uma doença e, apesar de cruel e de gerar consequências nefastas, também não é tipificada na nossa legislação como crime. O sujeito ativo, denominado alienador, geralmente tem consciência dos seus atos e, mesmo assim, age dolosamente.
2. Legislação
Não obstante a complexidade do tema, a Lei 12.318, de 2010, trouxe um significativo avanço na proteção dos direitos das crianças e dos adolescentes. A lei define claramente o que é alienação parental, dispõe de instrumentos aptos a inibir a prática e, sobretudo, prevê punições para o genitor que atua como alienador. 

3. Condutas do Alienador
Como supramencionado, a alienação parental não é considerada uma patologia (não está registrada como enfermidade mental da Organização Mundial da Saúde). O alienador, de forma tirânica e perversa, utiliza a criança como um instrumento de vingança, perde completamente a noção de limite e manipula a todos. Chega ao ponto de deixar de cumprir suas tarefas e atividades diárias por causa da obsessão de atingir seu objetivo: afastar a criança de seu genitor e, por fim, excluí-lo da relação parental. Coloca-se como vítima e injustiçada pela separação.

A lei traz um rol exemplificativo de atitudes e comportamentos, pois não é apenas um ato isolado que caracteriza a alienação, mas sim um conjunto de condutas e ações com um propósito definido.  
Mentiras, falsas acusações, omissão de informações escolares e de compromissos da criança, controle rígido de horários, imposição de limites esdrúxulos, punições veladas, desqualificação das atividades e momentos proporcionados pelo outro genitor, sabotagem. O alienador ridiculariza os presentes dados pelo pai (às vezes, proíbe sua utilização ou destrói as roupas e objetos que o outro genitor comprou), intercepta a comunicação (correspondências, mensagens e ligações), impede visitas e utiliza-se de uma estratégia comum: mantém insistente contato telefônico quando a criança está com o outro genitor. O alienador, por vezes, apresenta o novo namorado como “novo pai”/“nova mãe” da criança. A preocupação excessiva com o bem-estar e a proteção do filho também é um artifício bastante comum para tentar justificar os atos de alienação parental.
Com efeito, altera-se tragicamente a percepção de realidade da criança. O filho é convencido da existência de acontecimentos inverídicos e sentimentos irreais. Assim, passa a ter um comportamento absurdamente agressivo com o genitor alienado.
O artigo 2º da lei exemplifica algumas condutas caracterizadoras da alienação parental, vejamos:
I. realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade;
II. dificultar o exercício da autoridade parental;
III. dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;
IV. dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;
V. omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;
VI. apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente;
VII. mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós.

Trata-se apenas de alguns exemplos, não há limitação de condutas para a caracterização da alienação. As atitudes do genitor alienador podem ser as mais diversas possíveis.
4. Sequelas
A Síndrome de Alienação Parental gera graves consequências para todos os envolvidos. No cônjuge alienado, no próprio alienador, mas a principal vítima — sem dúvida — é a criança. Por vezes, a extensão da animosidade atinge os demais familiares, bem como os amigos mais próximos, refletindo assim em todos os relacionamentos sociais.

A criança, praticamente impedida de expressar qualquer sentimento em relação ao genitor alienado, mantém-se em permanente estado de submissão e vive um sério conflito de lealdade, pois é obrigada a “escolher” entre o pai e a mãe. O vínculo com um dos genitores significa deslealdade com o outro. O sentimento de traição também é constante (por exemplo: gosta do pai, mas não pode demonstrar seu amor para não desagradar a mãe).
A criança não consegue discernir que está sendo manipulada, ocorre um forte conflito entre sua memória física e a sua memória sensorial. Seu sentido de realidade fica completamente distorcido. Assim, a criança pode apresentar diversos distúrbios emocionais e problemas comportamentais. Os mais comuns são: agressividade, ansiedade, depressão, pânico, baixa autoestima, medo exagerado, isolamento, irritabilidade, prejuízo na manutenção dos vínculos afetivos, transtorno de identidade ou de imagem, dupla personalidade, enurese, distúrbios alimentares e do sono e, nos casos mais graves, inclinação ao álcool e às drogas e comportamentos suicidas.
O sofrimento e a angústia são intensos. A criança aprende a mentir compulsivamente, manipular pessoas e situações, exprimir emoções falsas e acusar levianamente os outros. A extensão dos efeitos deletérios varia de acordo com a idade da criança, com as características da sua personalidade e também com a sua capacidade de resiliência.
Na idade adulta, quando atinge certo grau de maturidade para discernir o que vivenciou e ter consciência e clareza sobre o abuso emocional ao qual foi submetida, pode sentir culpa e remorso devastadores. Por vezes, passa a odiar o genitor alienador e rompe o relacionamento com ele, ou seja, a criança passa a infância odiando o pai, por exemplo, e depois, na adolescência ou na fase adulta, odiando a mãe.
5. Sanções legais
O artigo 6º da lei enumera os meios punitivos que o magistrado detém para coibir e punir a prática da alienação parental. Constatada a prática dos atos de alienação parental, o juiz, dependendo do caso concreto, pode conjugar várias medidas ao mesmo tempo. Não está adstrito à ordem dos incisos, eles são cumulativos e não excludentes. Há também a possibilidade de utilizar outros instrumentos processuais aptos a inibir a prática.

Num primeiro momento, a lei prevê que o genitor alienador seja advertido. Vejamos:
I. declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador: o alienador, num primeiro momento, deve ser advertido sobre sua conduta. Esse inciso tem caráter educativo, pois permite que o alienador tome consciência do que os seus atos representam.
II. ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado:  a reaproximação do genitor alienado com seu filho é de extrema importância como uma tentativa de interromper os efeitos dos atos da alienação parental. O genitor alienado deve requerer judicialmente que tenha maior tempo de convívio com o seu filho, alterando-se o período de convivência (visitas), se necessário for.
III. estipular multa ao alienador: a multa processual é um eficaz mecanismo de conferir efetividade à decisão judicial. É um meio de coerção e intimidação, pois afeta o patrimônio do alienador. Na lei, não há parâmetro acerca do valor da multa, no entanto entende-se que deve ser severa, exatamente para alcançar o objetivo, que é o cumprimento da obrigação e desestímulo à reiteração dos atos alienantes.
IV. determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial: o tratamento psicoterapêutico é indispensável como meio de minorar os efeitos da alienação parental. Alguns doutrinadores defendem o tratamento psicológico compulsório para toda a família (alienador, alienado e criança).
V. determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão: é uma medida bastante rigorosa para casos extremos, a intenção é resguardar a sanidade física e psicológica da criança e do adolescente.
VI. determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente: não raramente, o alienador muda de município e até mesmo de estado com o fim de dificultar ao máximo o contato dos filhos com o outro genitor e impedir o desenvolvimento do processo. Tal dispositivo visa solucionar esse problema, proibindo que o genitor guardião mude de endereço sem autorização judicial.
VII. declarar a suspensão da autoridade parental: significa a suspensão do poder familiar do alienador. É a sanção mais severa.

6. Considerações finais
A Síndrome da Alienação Parental constitui, sobretudo, uma forma de abuso psicológico. A criança, completamente desprotegida, vive por anos esse paradoxo — amar e odiar — tendo de optar entre os próprios pais. A desestruturação familiar causada pela alienação parental prejudica a saúde mental da criança e, consequentemente, a formação de sua personalidade e caráter.

Como depende de um olhar atento, a identificação da SAP não é fácil e, muitas vezes, só é detectada quando já está num estágio agudo. O instrumento jurídico disponível para combatê-la é o ajuizamento de uma ação declaratória de alienação parental, própria ou incidental, que tem, segundo preconiza a lei, tramitação prioritária. Ademais, cabe ação de indenização por dano moral àquele que foi vítima da alienação parental.
Certamente, a demanda judicial não devolverá à criança as horas que não passou com o genitor alienado, o riso contido, a intimidade que se perdeu. Não será possível resgatar o tempo, tampouco a dor da ausência de uma pessoa tão importante numa fase extremamente essencial da vida, a infância.
No entanto, o conhecimento do problema e a busca por um tratamento psicoterapêutico são medidas possíveis para superar tão sofrida experiência, restabelecer sua identidade, não perpetuar o comportamento de seus pais e impedir que suas futuras relações afetivas fiquem prejudicadas. Conseguir construir vínculos afetivos sadios é o grande desafio de vítimas da alienação parental.

  1. 1 Disponível em: <http://seriesestatisticas.ibge.gov.br/series.aspx?vcodigo=RGC403>. Acesso em: 27 de julho de 2015.
  1. 2 GARDNER, R. The Parental Alienation Syndrome. 2. ed. NJ: Cresskill, Crea­tive Therapeutics, 1998. p. 19-22.
  1. 3 SILVA, D. M. P. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação Parental - O que é isso? Campinas, SP: Armazém do Ipê, 2009. p. 44-45.

 é advogada especialista em Direito de Família e Sucessões.

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