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sábado, 19 de dezembro de 2015

Microcefalia é problema de saúde pública de longo prazo

Ana Carolina Coan
Especial para o UOL
18/12/2015
Nas últimas semanas, muito já se falou sobre o diagnóstico da microcefalia –alteração da formação cerebral caracterizada por redução do tamanho do cérebro. Após aumento expressivo da notificação de casos em Pernambuco e outros estados do nordeste, no último dia 28 de novembro, o Ministério da Saúde reconheceu a relação entre o aumento dos casos de microcefalia com a infecção pelo vírus Zika durante a gestação. Vale ressaltar que, apesar de evidências de infecção em humanos desde a década de 50, com casos inicialmente restritos a África e Ásia, epidemias da doença só foram reconhecidas a partir de 2007, após surto ocorrido na Oceania.
Frente à nossa epidemia, sem precedentes e com incalculável potencial de dano a muitas pessoas, a discussão sobre os passos a serem seguidos pelo governo e pela sociedade para o controle da transmissão do vírus, a orientação de mulheres grávidas e o diagnóstico dessas crianças são os pontos imprescindíveis nesse momento.
Mas também já é hora de começarmos a discutir o futuro.
A microcefalia pode ser acompanhada, em maior ou menor grau, por dificuldades intelectuais, motoras, visuais e de audição, além de comorbidades, como a ocorrência de crises epilépticas e distúrbios do comportamento.
Com um aumento tão expressivo no número de casos, nós viveremos nos próximos anos uma ampliação significativa da demanda de cuidados de reabilitação e de profissionais especializados. Para isso, há a necessidade de se valorizar equipes multiprofissionais capacitadas, que possam auxiliar essas crianças a chegarem ao máximo do seu desenvolvimento. Infelizmente, já hoje, o número de profissionais médicos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais e fonoaudiólogos especializados em lidar com pessoas com necessidades especiais é insuficiente, e o aumento da demanda apenas agravará o problema.
Nós vemos no nosso dia a dia a batalha dos pais de crianças com necessidades especiais. Nunca é simples. Temos, no Brasil, locais de excelência em reabilitação, mas apenas uma pequena parcela dos que necessitam conseguem ser contemplados.
Não há e não haverá em tempo hábil ampla disponibilidade de especialistas. Não adianta encaminharmos essas crianças para serviços altamente especializados se a demora para atendimento se estende por meses. Dessa forma, duas vertentes de otimização dos serviços de saúde serão necessárias: o preparo de novos especialistas, que possam lidar com os casos de maior complexidade, aliado à capacitação de médicos generalistas, pediatras e médicos de família, que possam suprir a maior parte das necessidades ainda no nível primário de atendimento.
Essa capacitação precisa começar o quanto antes, pois o contato com essas crianças já vem acontecendo. E, por se tratar a microcefalia de quadro raro, muitas vezes o profissional de saúde não está preparado para lidar com a complexidade biológica, mas também emocional, que abrangem esses casos. Desde já, equipes de saúde precisam aprender a tratar as necessidades especiais dos pacientes e a conviver com as dúvidas, anseios e angústias dos pais. É preciso aprimorar a formação técnica e humana.
É preciso ainda salientar que as necessidades especiais desses hoje recém-nascidos com microcefalia estarão presentes por toda a vida, estendendo esse problema por décadas. A expectativa de vida nesses casos é extremante variável, de acordo com o grau de acometimento, sendo que muitos chegarão à vida adulta. E se não estamos preparados para reabilitação crônica de crianças com necessidades especiais, quando se trata de adultos essa situação é ainda mais difícil.
Temos que pensar em microcefalia como um problema de saúde pública de longo prazo, para o qual é necessário que todos nós estejamos envolvidos. Ao governo, cabe o combate ao vetor –o mosquito Aedes aegypti– e à propagação da contaminação pelo vírus, além do desenvolvimento de políticas de saúde a longo prazo para o adequado tratamento das necessidades dos indivíduos com microcefalia.
Aos profissionais de saúde cabe a propagação de informações apropriadas, além de melhora na capacitação individual para lidar com pacientes com necessidades especiais. Por fim, à sociedade cabe todo o esforço para o combate ao vetor, além da organização de grupos de suporte, o que pode ter um papel fundamental no auxílio às famílias que se deparem com um caso de microcefalia.

ANA CAROLINA COAN
35 anos, é médica, professora doutora em neurologia infantil do Departamento de Neurologia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Departamento Científico de Neurologia Infantil da Academia Brasileira de Neurologia (ABN)

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