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domingo, 28 de agosto de 2016

Bronx recebe primeira exposição dedicada ao impacto da Aids na arte

Art AIDS America, que conta com obras de Haring, Maplethorpe e Leivobitz, estará em Nova York até o dia 23 de outubro


MATEO SANCHO CARDIEL
Nova York 
Quando Keith Haring terminou sua última obra, não podia sequer se levantar de sua cama em um hospital de Nova York, em 1990. Ele tinha 31 anos de idade, e seu assistente criou um mecanismo para que, apesar de tudo, ele pudesse expressar sua arte: preparou um molde de cera e nele o artista americano pôde desenhar com o dedo seu último festival de silhuetas infantis, bailarinas e otimistas. Apesar de a obra se chamar Altar Piece, é um tríptico tomado pelo medo de uma morte iminente no qual não faltavam Nossa Senhora com o menino Jesus nem um povo esperando a salvação. Essa peça é uma das principais e uma excelente síntese das emoções divididas agitadas na coqueteleira do Art AIDS America. Incerteza, infecção, dor, estigma, sentimento religioso in extremis, folclore, ativismo, sentimento de culpa, sangue e sêmen convivem na primeira exposição que analisa o impacto da Aids na arte não só em outras décadas, mas também atualmente.

Still Here (continua aqui) diz um quadro de Deborah Kass, pintado em 2007, e que traz um lembrete duplo: as feridas da época mais destrutiva da doença ainda doem e, embora o vírus já não cause a mesma carnificina que nos anos oitenta, continua por aí, sendo transmitindo, ainda não tem cura e é considerável a falta de informações sobre ele. Art AIDS America se instalou, não por acaso, no MoMA Bronx de Nova York, onde fica até o dia 23 de outubro, para lançar um grito mais político do que artístico através de 125 obras de grandes nomes como Haring, Robert Maplethorpe, Annie Leibovitz, Derek Jackson, Félix Torre, Tino Rodríguez e Luis Cruz Azaceta. "Por que demorou tanto?", questionou no The New York Times o crítico de arte e ganhador do prêmio Pulitzer Holland Cotter. Ele também garantiu que a Aids tinha sido, para os Estados Unidos, o segundo Vietnam.

"Acima de tudo, queríamos abrir um debate", explicou ao EL PAÍS o diretor do museu, Sergio Bassa, que complementou a exposição com um ciclo de palestras e projeções. "A exibição criou certa polêmica em Tacoma (estado de Washington onde começou a mostra itinerante, que terminará em Chicago) por não ter suficiente representação latina e afro-americana (…) Além disso, o Bronx foi uma comunidade especialmente afetada pela Aids, e de uma maneira diferente: mais pelas drogas e transfusões de sangue do que pela homossexualidade. Por isso, os arquivos oficiais e a imprensa não registraram esses números nem seus efeitos", acrescentou Bassa.

A exposição reúne, assim, várias obras importantes, entre elas, o documentário Tongues Untied (línguas desatadas) de Marlon Riggs (1957 – 1994), que serve de prólogo para a mostra, dividida em quatro capítulos temáticos: corpo, espírito, ativismo e camuflagem, como se fossem estágios evolutivos da própria doença.

"A primeira resposta à crise da Aids levou os artistas a fazerem obras sobre o impacto físico da doença, seja com fotografias ou com trabalhos com sangue, pele… Mas também havia outras pessoas, particularmente os infectados, que tentavam encontrar uma salvação espiritual", argumentou Bassa. Há obras em que as erupções cutâneas se traduzem em tecidos intumescidos e sanguinolentos, afetados pelo sarcoma de Kaposi, como o impactante trabalho do artista israelense Izhar Patkin, ainda vivo, feito, ironicamente, com látex e intitulado Revelando uma maneira moderna de castidade (1981). Mas o lençol santo que surge de um aparelho de academia, e que forma parte da série Icaria, de Daniel Goldstein, também provoca dor.

O ativismo, como a própria arte, chega como resposta a uma sociedade que não reage institucionalmente: o silêncio vinha tanto do Governo de Ronald Reagan como das grandes organizações artísticas. "Demorou muito tempo para que os políticos decidissem tratar o tema como uma crise sanitária, pensavam que era uma questão de subcultura", explicou Bassa, que também ressaltou fotos desse bloco da exposição que transmitem mensagens de castigo moral aos infectados.

A maior obra da mostra se chama Silêncio = Morte, e foi criada com luzes de neon pelo coletivo Gran Fury, em 1987.

Com a camuflagem, chega o falar sem dizer e, com ele, alguns dos trabalhos mais poéticos: A Cortina Azul, de Torre, que, ao se abrir, mostra a obra de David Wognarowicz Buffalo, uma impactante fotografia desses animais caindo de um penhasco, símbolo da brutal correria do sonho americano com a chegada do neoliberalismo radical nos anos oitenta.

No entanto, apesar de mostrar a força dos artistas mais afetados pela doença e mais imersos no cenário homossexual, o verdadeiro objetivo da Art AIDS America é lutar para dar voz aos doentes que não estereotipados, e é por isso que Bassa destaca dois artistas: o heterossexual Willie Penetre, que faz um jogo léxico em um quadro em Como se soletra América, e o trabalho da jovem Kia Labeija, que nasceu em 1990, com Aids, e é membro de uma das casas de voguing que ainda sobrevivem, a Casa Labeija. Kia retrata com exuberância e cor uma existência marcada por um vírus que alguns se atrevem a pensar que era uma moda.

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