Por Mariana Varella*
24/06/2016
Nas últimas semanas, duas questões atraíram a atenção e acirraram os ânimos das feministas brasileiras: a regulamentação da prostituição e a participação das mulheres transexuais e travestis no movimento feminista, já que boa parte dessas pessoas é profissional do sexo e reivindica participar das discussões.
Diante da possibilidade de votação do Projeto de Lei 4211/12 (autoria de Jean Wyllys, deputado federal pelo PSOL do Rio de Janeiro), também conhecido como PL Gabriela Leite em homenagem à prostituta que ficou famosa por sua luta por direitos das trabalhadoras do sexo, iniciou-se um caloroso debate acerca da prostituição.
Essa é uma questão que divide opiniões dentro do feminismo há décadas. Há mulheres contrárias à regulamentação por acreditarem que esta beneficiará os cafetões e o turismo sexual. Outras pensam justamente o contrário, que por meio da regulamentação as profissionais do sexo terão condições de trabalho mais dignas, serão mais bem remuneradas e menos estigmatizadas.
Faço parte do segundo grupo, pois acredito que a regulamentação é sempre o melhor caminho, seja em relação às drogas, ao aborto ou à prostituição. Creio ser por meio de leis e fiscalização que lancem luz a essas questões que poderemos discutir suas peculiaridades, criar campanhas preventivas, observar o que funciona e o que não dá certo. A ilegalidade quase nunca me parece um bom caminho.
Todavia, a verdade é que minha opinião a respeito do assunto pouco importa, pois não sou prostituta. Por mais que me interesse pela vida das pessoas que cobram para fazer sexo, nunca conseguirei entender a complexidade de fatores que levam algumas mulheres a se prostituir, muito menos compreender direito as condições em que esse trabalho se dá.
O feminismo insiste na importância do lugar de fala exatamente por este motivo: apenas quem vive determinada realidade tem condições de falar com propriedade sobre ela.
Hoje, muitas prostitutas estão organizadas em associações que as representam. Lutam por seus direitos, embora haja, sim, divergências entre elas. O papel das mulheres que não exercem a prostituição deve ser, a meu ver, o de escutá-las e abarcar suas demandas, suas reivindicações. É possível opinar, desde que respeitemos nossas limitações e não falemos por elas nem as desrespeitemos como atores sociais que são.
O debate sobre a regulamentação da prostituição é urgente e de extrema importância. Sabemos que muitas mulheres e crianças são levadas a se prostituir por falta de opção e de condições, que nossa cultura machista e misógina trata as mulheres como objeto, que é preciso lutar contra a exploração sexual. Porém, nada disso será possível sem escutar e apoiar as prostitutas.
A arrogância e prepotência com que algumas pessoas tratam a questão apenas afastam as prostitutas do debate. Com a justificativa de que estão combatendo a cafetinagem e não as prostitutas, deixam de ouvi-las, de considerar suas demandas como legítimas. Não consigo pensar em um jeito mais eficiente de colaborar com o patriarcado.
Quanto à participação das transexuais no feminismo, não pretendo me estender muito no assunto. Negar a condição de mulher a quem assim se identifica é de uma crueldade e presunção atrozes. Significa negar-lhes a existência.
Por fim, quero deixar claro que não pretendo, com este texto, defender as prostitutas e as transexuais simplesmente porque elas não precisam de defesa. Contudo, vejo o feminismo como a luta por direitos, um movimento libertador que me trouxe, no nível pessoal e social, muitas conquistas. Defenderei, sim, um feminismo inclusivo, que acolha todas as mulheres e todas suas demandas. Caso contrário, ele perderá sentido.
(Dedico este texto a Monique Prada e Neon Cunha, por sua luta e coragem)
* Mariana Varella é bacharel em Ciências Sociais e atua como jornalista e editora. Feminista ativista, escreve para a página “Quebrando o Tabu” e faz o blog “Chorumelas”
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