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terça-feira, 23 de agosto de 2016

Chris Mosier, triatleta trans: “Falta consciência pública sobre identidade de gênero”

Por Maria Lutterbach*

O triatleta americano Chris Mosier foi o primeiro homem transgênero a entrar para a Delegação Masculina dos Estados Unidos e sua luta pela causa trans influenciou na decisão do Comitê Olímpico Internacional de extinguir a regra que condicionava a participação desta minoria nas olimpíadas à cirurgia de mudança de sexo. Moiser também é fundador do TransAthlete.com, plataforma que trata de políticas voltadas para atletas trans. Em entrevista por e-mail ao Gênero e Número, ele comenta sobre avanços recentes na luta contra a discriminação dos transgêneros nos esportes e aponta as políticas públicas como caminho para a inclusão.

Gênero e Número: Embora você não esteja participando dos Jogos Olímpicos 2016, sua luta contra a discriminação contribuiu para a decisão do Comitê Olímpico Internacional (COI) de permitir que atletas transgênero competissem sem ter que passar pela cirurgia de mudança de sexo. Você vê a mudança como um movimento político?

Chris Mosier: Entendo que é um momento importante para a inclusão dos transgêneros nos esportes. Eliminar o requisito da cirurgia nas olimpíadas abre as portas para os atletas. Penso que isso marca uma mudança na acessibilidade dos esportes de elite e acredito que também terá um efeito-cascata para os outros níveis esportivos.

GN: O Brasil não tem nenhum atleta transgênero de alta performance, e mesmo se tivesse, o Comitê Olímpico Brasileiro ainda não se manifestou oficialmente sobre a decisão do COI. Ainda levará muito tempo até que todos os países aceitem a mudança?

CM: Mesmo que o Brasil não tenha ainda reconhecido as diretrizes do COI, eu acredito que a maioria dos países vai rapidamente adotar as novas regulações quando forem confrontados com uma situação na qual um atleta transgênero desafie a restrição. Acho que muitos países estão apenas evitando o tema até que eles tenham que encará-lo internamente. Falhar nisso teria impactos negativos para o país.

GN: Há alguma questão relativa a doping ou forma física que ainda poderia ser classificada como uma discriminação remanescente contra os trans?

CM: A principal questão que os atletas trans estão enfrentando é uma falta generalizada de entendimento ou consciência pública sobre a identidade transgênero. Embora isso esteja melhorando na maior parte dos Estados Unidos, não há nenhum progresso em alguns outros países. Uma vez que o atleta trans está limpo para competir, não existem questões relativas a doping. Os atletas transgêneros têm regulações rigorosas que os impedem de ter vantagens competitivas; isso inclui um ano de terapias hormonais para mulheres trans e diretrizes controladas para o uso de testosterona pelos atletas homens transgêneros. Mesmo entre homens e mulheres cisgênero as formas físicas e tamanhos variam, assim como nossas habilidades físicas. Todo atleta – transgênero ou não – tem diferentes compleições e habilidades para trazer para o time, então as vantagens competitivas por si só já variam bastante.

Os jovens deveriam ter possibilidade de praticar no gênero com o qual ele se identifica
– Chris Mosier, triatleta

GN: Como você avalia a cobertura da mídia sobre os transgêneros nos esportes?

CM: As pessoas certamente pensam que podem fazer perguntas aos trans – especialmente sobre seus genitais e com quem eles fizeram sexo – que eles não perguntariam a ninguém mais. A história costuma focar menos nos atletas e mais nos corpos deles. Como homem transgênero, eu costumo receber feedbacks positivos sobre minha participação na Delegação Masculina dos Estados Unidos e em competições. Na verdade, minha história não causou alarde. Mas mulheres trans são retratadas de forma injusta, tachadas e discriminadas pela mídia e essa é a razão pela qual não temos muitas delas competindo em esportes de elite no momento. Elas acabam sendo afastadas dos esportes.

GN: Você apontaria alguma outra mudança positiva nas políticas americanas para transgêneros que poderiam ser replicadas em outros lugares?

CM: No contexto do esporte para a juventude, penso que os jovens deveriam ter possibilidade de praticar no gênero com o qual ele se identifica sem ter que fazer tanto malabarismo. Há estados com políticas muito inclusivas nos Estados Unidos e outros que estão tentando replicá-las. Acho que modelos políticos tão simples como “vamos deixar as crianças brincar” poderiam ser adotados por outros países. A gente aprende tantas coisas boas se envolvendo com o esporte que todas as pessoas jovens deveriam ter essa oportunidade.

GN: Quais impactos contra o preconceito vocês alcançaram com o Transathlete.com?

CM: Ao rastrear políticas no TransAthlete.com eu pude usá-las como meio para envolver outras ligas de esporte e organizações na criação ou atualização de suas políticas para atletas trans. Há um pouco da natureza competitiva do esporte nesse processo – as ligas esportivas que valorizam a inclusão não querem ficar ultrapassadas e aqueles que inicialmente não são tão inclusivos geralmente se dão conta da tendência em direção a políticas mais inclusivas. Eu tenho sido procurado para ajudar organizações a criar melhores políticas e acredito que essa seja a maneira mais impactante de promover mudança. Ajuda muito ter uma pessoa trans para revisar uma política e dizer se ela vai funcionar mesmo ou não quando for aplicada.

Maria Lutterbach é jornalista e codiretora da Gênero e Número

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