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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

A Lei de Alimentos e o que sobrou dela com o novo CPC (Parte 1)


Além de acanhado o espaço concedido pelo Código de Processo Civil ao Direito das Famílias, poucos foram os avanços. E, em alguns aspectos, ocorreram retrocessos.

Perdido entre os últimos processos especiais se encontra o capítulo das Ações de Família (CPC 693 a 699), o Direito das Famílias, pela sua importância na vida de todas as pessoas, merecia um lugar melhor! Depois, de forma para lá de enxuta e equivocada, a lei processual cuida das demandas consensuais de família (CPC 731 a 734).
Quanto ao tema mais nevrálgico – que diz com os alimentos – é concedido um capítulo ao cumprimento de manifestação judicial (CPC 528 a 533) e outro aos títulos executivos extrajudiciais que estabelecem obrigação alimentar (CPC 911 a 913). Com isso pacificou algumas polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais, mas não emprestou a estes créditos a celeridade necessária para o imediato adimplemento. 
Nem cabe fazer um rosário dos erros e omissões, que só frustraram as expectativas de quem almejava que a codificação fosse permitir a obtenção de resultados mais céleres a quem precisa socorrer-se da justiça.
No entanto, causa surpresa a permanência em vigor da Lei de Alimentos (CPC 693, parágrafo único), restringindo-se o estatuto processual à cobrança do encargo alimentar. Só se pode rotular de desatenção – para não utilizar adjetivação mais incisiva – ter o capítulo que cuida das ações de família remetido o procedimento da ação de alimentos a uma lei quase cinquentenária, que data do ano de 1968.[1]
Necessário lembrar que a Lei de Alimentos foi editada sob a égide do Código Civil de 1916[2] e do Código de Processo Civil de 1939.[3] De lá para cá foram aprovados dois Código de Processo Civil: o anterior, do ano de 1973[4] e o atual, em vigor desde 18 de março de 2016.[5] Veio a Lei do Divórcio[6] e foi promulgada uma nova Constituição.[7] Também outro é o Código Civil.[8]Isso para citar apenas a legislação mais significativa.
Durante o período de vigência do Código de Processo Civil anterior, em face da sobreposição de regras legais, eram inúmeras as polêmicas sobre a execução da obrigação alimentar (LA 16 a 18 e CPC/1973 732 e 733). Questionava-se, por exemplo, se a lei processual tinha ou não efetividade de derrogar dispositivos da lei especial que lhe era anterior. Sequer o prazo de aprisionamento do devedor inadimplente tinha previsão uniforme. Claro que ditas controvérsias e incertezas vinham em benefício do devedor, pelo reiterado uso das vias recursais.
Agora, o cumprimento da sentença ou decisão que fixa alimentos definitivos ou provisórios (CPC 528 a 533) e a execução de alimentos estabelecidos em título executivo extrajudicial (CPC 911 a 913), se encontram regulados de maneira mais ou menos satisfatória, ainda que de forma um tanto quanto confusa e esparsa. Também foram expressamente revogados os artigos 16, 17 e 18 da Lei de Alimentos (CPC 1.072 V), que tratam do procedimento executório.
Mas paira a dúvida: por que não foi revogada toda a Lei de Alimentos?
Uma rápida leitura dos artigos remanescentes evidencia que nada – ou muito pouco – justifica que se mantenha em vigor uma lei extravagante para regular o procedimento da ação de alimentos, uma das demandas que deveria gozar de um maior cuidado, pela natureza do direito que protege: o direito à vida.
A Lei de Alimentos
Artigo 1º: O rito que a Lei de Alimentos tentou introduzir para assegurar rapidez à demanda judicial, que dispensou a prévia distribuição
Pelo jeito, somente depois de fixar os alimentos provisórios, é que o juiz, por ofício, deveria determinar o registro e a distribuição da ação (LA 1º, parágrafo 1º).
Para alguém comparecer a juízo, precisa estar representada por advogado (CPC 103), figura indispensável à administração da justiça (CF 133). A parte somente pode advogar em causa própria se for inscrita na OAB (CPC 103, parágrafo único e 106).
O princípio do juízo natural – ninguém pode escolher o juiz para apreciar a sua demanda – é consagrado constitucionalmente (CF 5º XXXVII e LIII). Onde há mais de um juiz com a mesma competência, todos os processos estão sujeitos à prévia distribuição (CPC 284).
A petição inicial deve ser acompanhada de procuração (CPC 287), até porque a intimação dos atos e termos do processo é feita na pessoa do advogado, mediante publicação no órgão oficial ou, preferentemente, por meio eletrônico (CPC 269, 270 e 272). A falta de representação do advogado enseja o indeferimento da petição inicial (CPC 330 IV). Os necessitados são representados pela Defensoria Pública (CPC 185).
Igualmente não persiste a singela alegação de falta de condições de pagar as custas do processo, para ser garantida a gratuidade da justiça (LA 1º e parágrafos 2º e 3º).  A simples declaração da parte de não ter condições de pagar as custas do processo, não é basta. Dita possibilidade foi derrogada pela Constituição Federal. A concessão do benefício da assistência jurídica depende da comprovação da insuficiência de recursos (CF 5º LXXIV).
Segundo a lei processual é indispensável que sejam trazidos aos autos elementos que evidenciem o atendimento dos pressupostos legais à sua concessão (CPC 99 parágrafo 2º).
Também não subsiste a determinação de que a impugnação à assistência judiciária seja feita em autos apartados (LA 1º parágrafo 4º). Deve ser veiculada como preliminar da contestação (CPC 337 III).
Artigo 2º: Era tal a ânsia de emprestar agilidade à busca de alimentos que a Lei 5.478/1968 concedeu rito tão, tão especial à ação de alimentos, que chegou a assegurar à parte o direito de comparecer perante o juiz desacompanhada de advogado (LA 2º § 3º). Ora, de todo descabido que possa alguém se apresentar pessoalmente perante um juiz o qual, depois de ouvi-lo, deveria determinar a formalização da inicial e apreciar o pedido liminar, determinando, após e por oficio, o registro e a distribuição do processo (LA 2º).
Artigo 3º: A solicitação poderia ser verbal, cabendo ao juiz, determinar que a pretensão fosse reduzido a termo, ou nomear um defensor para, em 24 horas, apresentar o pedido por escrito (LA 3º § 1º).
Artigo 6º: A exigência da presença das partes (LA 6º), sob pena de arquivamento ou decretação de revelia, se a omissão for do autor ou do réu (LA 7º), igualmente não se mantém em pé. Autor ou réu podem constituir representante, por meio de procuração específica, com poderes para negociar e transigir (CPC 334 § 10).
A ausência injustificada do autor não pode levar ao arquivamento da ação, principalmente quando os alimentos são buscados por crianças, adolescentes ou incapazes. Cabe ao Ministério Público dar prosseguimento à ação. Tem o juiz a faculdade de nomear curador aos autores, afastando a representatividade do guardião.
A audiência de conciliação ou mediação (CPC 334 parágrafo 7º) e o depoimento pessoal das partes podem ocorrer por vídeo conferência (CPC 385 parágrafo 3º). Os efeitos confessionais da revelia receberam modulações significativas (CPC 345).
A possibilidade de as partes declinarem da audiência de mediação, alegando desinteresse na autocomposição (CPC 334 parágrafo 5º), não existe no âmbito das ações de família (CPC 695) e, via de consequência, também em demandas alimentares.
De qualquer modo, caracterizar como ato atentatório à dignidade da justiça a ausência injustificada à audiência preliminar, com a imposição de multa (CPC 334 parágrafo 8º), não tem qualquer cabimento, seja no processo que for. Nem no âmbito das relações familiares, nem no que diz com o encargo alimentar. Se é que se justifica em algum tipo de demanda. Pacífica a jurisprudência no sentido de que a ausência significa tão só desinteresse na conciliação.
Artigos 7º, 8º, 9º e 10: É para lá de contraproducente para todo mundo a designação da audiência de conciliação e julgamento (LA 7º, 8º e 9º). Impõe ao juiz que designe menos audiências por dia, pois deve prever a ouvida de até seis testemunhas. O intervalo de 20 minutos entre uma audiência e outra, não é suficiente para a sua realização (CC 334 parágrafo 12). 
Ao depois, há o desconforto das testemunhas, que abrem mão de suas atividades, deslocam-se até o fórum, lá permanecem, vez por outra, por muitas horas e depois, simplesmente, são despachadas porque houve acordo. Claro que o sentimento que sobra não é dos mais favoráveis à própria imagem da Justiça.
Melhor mesmo é a designação audiência de mediação ou conciliação, que pode se desdobrar em várias sessões (CPC 696). 
Em caso de insucesso é que tem início o prazo de contestação, com oportuna designação de audiência instrutória. Este desdobramento não vem em prejuízo do credor, pois já ocorreu a fixação de alimentos provisórios em sede liminar.
Artigo 11: Não há na Lei de Alimentos previsão de serem apresentadas alegações finais escritas, somente orais (LA 11), até porque é imposta renovação da proposta de conciliação (LA 11 § único). No entanto, havendo consenso entre as partes, com a vênia do juiz, possível sua concessão, pelo prazo sucessivo de 15 dias (CPC 364 parágrafo 2º) para autor e réu.  Existindo partes incapazes dispõe o Ministério Público de igual prazo (CPC 178 e 698).  Possível também a estipulação de calendário para a prática dos atos processuais (CPC 191). Em qualquer destas hipóteses, descabido designar nova audiência para a renovação da proposta de acordo.
Artigo 13: A expressa regulamentação das ações desconstitutiva dos vínculos familiares (CPC 693 a 699) e de cobrança dos alimentos (CPC 528 a 533 e 911 a 913), subtrai eficácia ao caput do artigo 13 da Lei de Alimentos. Primeiro, porque não mais existe desquite. Ao depois, a ação de anulação do casamento, apesar de não prevista na lei codificada, se sujeita ao mesmo regramento. Pacífico em sede doutrinária – já tendo o tema sido objeto de enunciado pelo Fórum Permanente de Processualistas Civis[9] – que a enumeração do artigo 693 do CPC não é taxativa.
A exigência de que o pedido de redefinição dos alimentos provisórios, fixados em sede liminar, seja processado em autos apartados (LA 13, parágrafo 1º), gera duplicidade procedimental desnecessária. A tutela provisória, concedida antecipadamente, pode, a qualquer tempo, ser reformada, modificada, invalidada ou revogada (CPC 296 e 304, parágrafo 3º).
Atende melhor ao princípio da efetividade que o pedido de revisão seja veiculado no bojo da própria ação de alimentos, uma vez que a instrução probatória há de evidenciar a modificação da situação das partes. Ao depois, deve o juiz, até de ofício, levar em consideração a superveniência de fato modificativo do direito objeto da ação (CPC 493). Do novo fato, é indispensável a prévia ouvida das partes (CPC 493, parágrafo único), em face da proibição de decisões surpresa (CPC 10).
 Não dispõem de melhor sorte os demais parágrafos do artigo 13.
A previsão de que os alimentos fixados na sentença retroagem à data da citação, até hoje é fonte de controvérsias e enseja decisões que desatendem ora ao interesse do credor, ora do devedor. Quer a tutela antecipada, quer a tutela cautelar são concedidas initio litis, e sua eficácia não está condicionada à citação do réu.
Cabe atentar à natureza da obrigação alimentar. Ela preexiste ao pedido. É devida desde a concepção do filho. O fato de não terem sido requeridos alimentos imediatamente, não desonera o devedor de prestá-los, inclusive com efeito retroativo, mesmo antes da propositura da ação. Sua exigibilidade tem efeito ex tunc. A partir do momento em que deixou o genitor de atender ao sustento do filho, há dívida alimentar. A possibilidade da concessão de alimentos gravídicos escancara esta realidade.[10]
Mais um argumento. Quando a sentença fixa os alimentos definitivos em valor superior ao que havia sido concedido a título de alimentos provisórios, a jurisprudência passou a entender que a decisão dispõe de efeito retroativo à data da citação, invocando o parágrafo 2º do artigo 13. Mas se o devedor, durante o período da tramitação da demanda pagou os alimentos que foram fixados, a diferença não é nem devolvida e nem abatida, em face do princípio da irrepetibilidade. Ou seja, quem cumpre a determinação judicial e paga os alimentos provisórios, não pode obter compensação das importâncias pagas a maior, se o valor dos alimentos for reduzido. No entanto, o devedor que desatende à obrigação de pagar os alimentos provisórios, sai beneficiado, se o montante for reduzido por ocasião da sentença. Às claras dois pesos e duas medidas, restando premiado o devedor inadimplente. A consolidar-se dito entendimento, ninguém mais vai pagar os alimentos provisórios, na esperança de serem reduzidos por ocasião da sentença ou do julgamento em sede recursal.
Outra situação, no mínimo inusitada. Autoriza a lei processual a execução dos alimentos provisórios, fixados em decisão interlocutória, pelo rito da coação pessoal (CPC 528). A prosseguir este equivocado posicionamento jurisprudencial, vai acabar sendo aceita, como justificativa, a alegação do devedor de que não paga na expectativa de que o encargo pode ser reduzido ou excluído (CPC 528).
O último parágrafo deste mesmo dispositivo (LA 13, parágrafo 3º) restou superado com o advento da Constituição Federal. À época da edição da Lei, somente existia o Supremo Tribunal Federal e o recurso extraordinário não dispunha de efeito suspensivo (CPC/39 808, parágrafo 1º).  A Constituição de 1988 criou o Superior Tribunal de Justiça, que, via recurso especial, aprecia afrontas à legislação infraconstitucional.  Ao Supremo Tribunal Federal é reservada a competência recursal extraordinária que diz com questões constitucionais.
Ambos os recursos não dispõem de efeito suspensivo (CPC 995).
Por óbvio, não há como se perpetuar o valor dos alimentos fixados liminarmente, sem o crivo do contraditório e antes da manifestação do réu. Tendo havido dilação probatória exauriente, assegurada a ampla manifestação das partes, de todo descabido que o quantum fixado na sentença não tenham eficácia imediata. Prevalecer inalterado o valor dos alimentos provisórios daria ensejo ao uso procrastinatório das vias recursais, com o exclusivo intuito de retardar a eficácia do comando sentencial, por parte de quem se pode beneficiar com a discrepância entre o valor provisório e o definitivo. 
Artigo 15: Absolutamente equivocada a assertiva de que a decisão judicial sobre alimentos não transita em julgado (LA 15). A sentença faz sim coisa julgada. Os alimentos devem atentar ao princípio da proporcionalidade: as necessidades do credor e as possibilidades do devedor (CC 1.649 § 1º). Como se trata de obrigação que se alonga no tempo, sempre que ocorrer desequilíbrio deste binômio, é possível buscar a devida readequação. Trata-se, nada mais nada menos do que a consagração da cláusula rebus sic stantibus: a imposição de que o valor dos alimentos observe as condições concretas em que se verifica o binômio/trinômio alimentar. É o que assegura de modo expresso o Código Civil em seu artigo 1.699. Não comprovada a alteração das possibilidades de um ou das necessidades do outro, a demanda vai esbarrar na coisa julgada. A sentença que extingue o processo sem resolução do mérito, pelo reconhecimento da coisa julgada (CPC 485 V), não impede que a parte, oportunamente, promova novamente a ação (CPC 486).
Desde modo, é chegada a hora de desaparecer do panorama jurídico essa assertiva de todo equivocada.
Artigo 25: A restrição a que os alimento in natura sejam deferidos somente ao credor capaz, corresponde ao dispositivo da lei atual que expressamente admite que parte dos alimentos seja feita adimplido pelo fornecimento de hospedagem e sustenta(CC 1.701). A regra foi aperfeiçoada ao ressalvar a necessidade de não prejudicar o necessário à educação quando o credor for criança ou adolescente. 
Todos estes dispositivos – se é que um dia foram aplicados –, não mais vigoram. O simples fato de a vigência da Lei de Alimentos ser assegurada pela lei processual, não tem o condão de ressuscitá-los.
Na próxima coluna, veremos o que sobrou da Lei de Alimentos.

[1] Lei 5.478/1968.
[2] Lei 3.071/1916.
[3] Dec. Lei 1.608/1939.
[4] Leis 5.869/1973.
[5] Lei 13.105/2015.
[6] Lei 6.515/ 1977.
[7] Constituição Federal de 1988.
[8] Lei 10.406/2002.
[9] Enunciado nº 72 do FPPC: O rol do artigo 693 não é exaustivo, sendo aplicáveis os dispositivos previstos no Capítulo X a outras ações de caráter contencioso envolvendo o Direito de Família.
[10] Lei 11.804/2008.
Maria Berenice Dias é advogada especializada em Direito de Família, das Sucessões e Homoafetivo, além de vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFam).

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