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quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Não é perfeito, mas é ótimo

Gente que reclama da solteirice deveria aproveitar este momento da vida, do qual fatalmente terá saudade

IVAN MARTINS
14/09/2016

Às vezes é preciso repetir o óbvio: os solteiros têm oportunidade de conhecer gente nova todos os dias, e isso é bom. Ao contrário dos casados e daqueles que estão num relacionamento fixo, os desimpedidos podem sair amanhã cedo e cruzar uma pessoa encantadora. Acontece em toda parte – no trabalho, na balada, na passeata – desde que se deixe a porta aberta para os estranhos entrarem. Eles costumam trazer coisas novas para nossa vida.

Repito essa obviedade porque estou cansado de ouvir gente reclamando que não consegue um relacionamento estável. Mulheres, sobretudo. Eu também reclamo, mas talvez estejamos fazendo drama. Estes dias, depois de ouvir uma amiga resmungar pela enésima vez contra a sua condição de ex-casada, perdi a paciência: “Você é uma tonta. Nunca foi tão feliz. Está reclamando de barriga cheia”.

Estávamos na casa dela, no meio da tarde de sábado, tomando sol e bebendo vinho. Depois iríamos a uma festa. No dia anterior, ela tinha saído com um ator engraçado e no dia seguinte sairia com um cacho antigo, que foi reativado. Nunca se divertiu tanto e nunca teve tanto controle sobre a própria vida. Desde que se separou, há um ano e meio, está vivendo um turbilhão de pessoas e sensações. Reclama exatamente do quê?

Mesmo a relação de amizade que ela tem comigo não seria a mesma se estivesse casada. Parceiros e parceiras tendem a ser possessivos. Estar sozinha em casa com um amigo pode despertar sentimentos ruins. Lembro de uma moça dizendo que gostaria de ir comigo ao cinema, mas que o namorado dela teria ciúme. Tudo bem: eu já tive ciúme até de namorada que insistia em sair com as amigas. Gente é assim. Namorar é bacana, relacionamentos são essenciais, mas eles têm preço. Reduzem nossa liberdade. Encurtam o arco do que se pode fazer com outras pessoas.

Se você tem um relacionamento profundo que não está sujeito a limitações, parabéns: sua exceção apenas confirma a regra.

Quando a gente olha com cuidado, percebe que conhecer gente é uma das melhores coisas da vida. Conhecer assim, romanticamente. Olhar para alguém, achar atraente, puxar conversa, perceber que está rolando. Essas sensações são ótimas. Depois vêm as primeiras conversas, beijos, a expectativa do outro corpo nu. Se tudo funcionar, acontece o sexo cheio de cuidados e novidades, repleto de uma intensidade que está longe de ser perfeita, mas só existe nas primeiras vezes.

Isso tudo é tão bom que as pessoas viciam.

Tem gente que jura que a felicidade é essa ciranda de corpos, conversas e sensações. Eu tenho certeza que não é. Sei por experiência própria – e por observar homens e mulheres a minha volta – que a busca por novidades cansa e se torna vazia. Mas não há razão para não curtir a montanha russa de sensações que a liberdade e a procura pelo amor propiciam.

Evidentemente, ocorrem nesse processo desastres e desencontros dolorosos. Pequenas sacanagens imperdoáveis ou esquecíveis. Mas, depois de algum tempo, mesmo elas viram histórias engraçadas a serem contadas no bar: a moça bonita cancelou porque estava doente, mas, uma hora depois, eu a vi num show, no braço de outro cara, a 5 metros de mim. Deveria ao menos ter perguntado onde eu pretendia levá-la, né?

Minha amiga, essa que reclama, está fazendo coisas que gostaria de ter feito no passado, mas não pôde. Outro dia, foi a uma festa de garotas lésbicas com uma amiga, e se surpreendeu gostando de ser xavecada por uma menina. Jura que não deu em nada, mas ficaram amigas no Facebook. Pela primeira vez em muitos anos, ela também pode flertar sem culpa com dois ou três caras ao mesmo tempo. Cada um tem seus atrativos e ela não precisa escolher um deles. Como não está apaixonada, vai experimentando emoções e novidades – ao mesmo tempo que anseia por uma relação estável.

Eu entendo. Comigo se passa coisa parecida. As coisas estão boas, em certos dias muito boas, mas não são perfeitas. Perfeito é o amor e um relacionamento apaixonado. Mas isso a gente não fabrica, não compra, nem decide conscientemente que vai acontecer. Uma hora acontece. Uma hora a gente escolhe. Ou somos escolhidos e agraciados pelo amor do outro.

Mas é bom lembrar que, uma vez dentro da relação apaixonada, um pedaço importante de nós começará a sofrer pela ausência do que ficou lá fora. Até da solidão sentiremos saudade, da possibilidade de passar um dia inteiramente em paz, lendo ou dormindo, sem que ninguém nos incomode.

Essa é a contraditória condição humana. Somos insatisfeitos crônicos. Sabendo que vai acontecer, que sentiremos falta da liberdade e da variedade que temos agora, por que não viver as possibilidades sem tanta culpa? Fica a dica.

Época

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