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domingo, 19 de fevereiro de 2017

A Marcha de Mulheres em Washington era inevitável

31 jan 2017


Por Magaly Marques

Com o apoio do Partido Republicano, a campanha de Trump desrespeitou e insultou abertamente mais da metade da população dos EUA, levando a um efeito “panela de pressão”. Após meses de uma campanha eleitoral sem precedentes, durante a qual Hillary e todas as mulheres foram maltratadas pelo candidato, que sentiu-se no direito de abusar de sua posição de poder (e algumas vezes também pela a imprensa também); após declarações repulsivas e ameaças aos imigrantes, muçulmanos, mexicanos e toda a população americana afrodescendente, a escalada de indignação foi ganhando o país.

Não demorou muito para que uma mulher havaiana, tão indignada quanto eu, propusesse a amigas do Facebook realizar um protesto em Washington. Esse chamado inflamou as amigas mais próximos num efeito dominó e logo se converteu na rota que que milhares de pessoas estavam buscando. As redes sociais digitais explodiram em apoio à Marcha das Mulheres pois não é razoável imaginar que numa democracia fôssemos ficar caladas.

Muito rapidamente, lideranças do movimento de mulheres, instituições emblemáticas que representam os direitos das mulheres, e várias celebridades se engajaram no planejamento da marcha. Tensões e debates não estiveram ausentes do processo pois as organizadoras estavam dispostas a tratar de questões árduas como o racismo sistemático e as desigualdades que vão além dos questões de gênero e dos direitos das mulheres, mas que, muito claramente se entrelaçam em nossas identidades.

Foi um processo perfeito? Não. Foi o mais inclusivo do que poderia ter sido? Não. Articulou adequadamente as interseções de direitos humanos e civis que o governo eleito está violando? Não. Assim como em outros momentos históricos, as organizadoras tiveram um espaço de tempo muito curto para processar tantas questões e desafios, e seria demasiado exigir delas que conseguissem lidar, plenamente, com os privilégios e disparidades históricas que tem marcado o movimento feminista norte-americano.

Embora imperfeita, a marcha marcou posição frente à administração Trump com energia suficiente para configurar uma força de resistência. Foi uma marcha humana, uma constelação de vidas unidas pela afirmação de que qualquer marcha é relevante. Foi uma expressão feminista e democrática do “basta!” Houve quem pode ir a manifestação mas tricotou “pussy hats” para serem distribuídos no evento. Houve quem viajou longas distâncias para estar em Washington ou em eventos satélites. Mas no conjunto, milhares de manifestantes tomaram as ruas para expressar resistência ao regime de Trump que rejeita abertamente nossos direitos e nossa dignidade humana.

Meio milhão de pessoas reuniram-se em Washington, 750 mil em Los Angeles, uma multidão semelhante em Nova Iorque além de mais gente muitos outros protestos pelo país levantaram cartazes questionando a legitimidade do governo Trump que , de fato, perdeu no voto popular e se opondo a um presidente que nunca tornou público seus rendimentos financeiros. Essas vozes e corpos debocharam de seus vínculos com a Rússia, resistiram suas ameaças de anular os direitos das pessoas LGBTQ, de construir um muro contra os mexicanos e proibir muçulmanos de entrar nos EUA.

A Marcha das Mulheres em Washington foi decididamente uma manifestação feminista por direitos iguais. Com palavras de ordem como “meu corpo, minhas regras” e pelo direito ao aborto erguidos acima da multidão rosa, as pessoas que marcharam estavam plenamente conscientes dos princípios basilares do feminismo e dos direitos das mulheres à autodeterminação que continuam estão sob ataque em pleno século 21. Contudo, também tive muito gosto de ouvir vozes masculinas entoando “o corpo dela, as regras dela”, de observar os cartazes oficiais da Marcha que mostravam imagens de mulheres muçulmanas, latinas e negras, um lindo e poderoso apelo quanto a quem somos. Todas nós. Foi uma declaração de solidariedade – um marco para o movimento feminista.

Eu estava exultante. Não tive dúvidas de que esse foi um momento histórico que vai causar impacto e alterar o curso das coisas. Por quê? Porque estava marchando com minha filha de 19 anos. Na idade dela, na minha cidade natal no Brasil, meu primeiro protesto foi contra os chamados “crimes de honra”. Nós protestamos em frente ao tribunal por três dias enquanto um macho célebre estava sendo julgado pelo assassinato de sua ex-esposa. A panela de pressão foi então ligada. Outros homens célebres tinham se livrado em julgamentos do mesmo tipo, e as feministas vinham protestando por mais de uma década. Mas naquele momento, pela primeira vez, o acusado foi condenado. Subsequentemente, os “crimes de honra” deixariam de ser um delito defensável, protegido. Não por causa de duas dúzias de feministas que então estávamos ali resistimos aos insultos de homens que passavam, que aguentamos os ovos e tomates que foram disparados contra nós. O assassinato de mulheres deixou de ser defensável porque fomos incansáveis e determinadas. Não íamos deixar aquela calçada. Também não haveria retorno para mim, como feminista sempre preparada para marchar.

Eu gostaria muito que minha filha não tivesse que lugar por seus direitos, eu gostaria que os direitos das mulheres fossem de uma vez por todas garantidos. Eu gostaria que pudéssemos viver em solidariedade, respeitando nossa humanidade comum e desfrutando de proteção igual da lei. Mas não é assim. Temos que continuar lembrando ao mundo que as mulheres são seres humanos, que todos os direitos humanos aplicam-se a todas as mulheres e que nenhum governo pode nos ignorar. No sábado, 21 de janeiro de 2017 nós marchamos, mãe e filha. Cantamos, rimos, tiramos fotos, levantamos cartazes, e nos comprometemos como o que precisa ser feito – não importando o custo e o for necessário – pois essa é a razão de ser do feminismo.

Magaly Marques é uma feminista brasileira e americana que divide-se entre Washington D.C, Los Angeles e São Paulo. Atua como conselheira senior de saúde reprodutiva da ONG Promundo.

SPW

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