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domingo, 4 de junho de 2017

Na maioria das “melhores empresas para trabalhar” do Brasil, licenças maternidade e paternidade ainda são as mínimas exigidas por lei

30 DE MAIO DE 2017

Licenças estendidas de 180 dias para as mães e 20 dias para os pais já têm amparo na legislação brasileira e são recomendadas pelas organizações de saúde, mas no Brasil ainda não são a política mais comum

Por Giulliana Bianconi*

Nem metade das empresas (48%) que figuram na lista das “150 melhores para trabalhar” no país se propõe a ir além dos quatro meses de licença-maternidade, o mínimo exigido pela Constituição Brasileira para mulheres com carteira assinada. Quando o assunto é licença para os homens que se tornam pais, a disposição dessas organizações para rever o curto benefício garantido por lei – de cinco dias – é ainda menor, e somente 25% delas ampliam os dias de licença, como mostra o Estudo Licença Parental nas Melhores Empresas para Trabalhar, da consultoria Great Place to Work, ao qual a Gênero e Número teve acesso.

Até mesmo naquelas empresas onde a licença para a mulher é prolongada para mais de 120 dias, não é raro que a licença-paternidade não seja estendida. É o caso da Elektro, empresa de capital aberto responsável pela distribuição da energia elétrica da Cesp (Companhia Energética de São Paulo). Desde 2013 tem sido eleita anualmente a melhor para se trabalhar entre as grandes empresas brasileiras no ranking da Great Place to Work (leia mais sobre o ranking e a pesquisa no box). Na lista da América Latina, também já foi a vencedora duas vezes. Não faltam placas e troféus reconhecendo boas práticas de gestão, mesmo que a licença-paternidade esteja estacionada nos cinco dias enquanto para as mães o período de afastamento já seja de 180 dias – 60 a mais do que a obrigação legal.

Na Dell, a sétima melhor para trabalhar entre as grandes no Brasil segundo a mesma consultoria, a licença-maternidade também é de 180 dias. A gestão se orgulha de ter implementado a primeira sala de amamentação certificada pelo Ministério da Saúde dentro de uma empresa privada e de contar com o programa Mães Amigas, liderado por um grupo interno e voltado ao apoio das mulheres desde a gestação até a volta da licença-maternidade à empresa. A licença-paternidade, porém, não avançou. Por meio de sua assessoria de imprensa, a empresa afirmou à reportagem que “possíveis mudanças já estão sendo analisadas”.

Maternidade vista como percalço
Num cenário em que os cuidados com os filhos ainda recaem principalmente sobre mulheres – a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2015 mostra que 83,6% (8,6 milhões) das crianças brasileiras com menos de 4 anos têm como primeira responsável uma mulher (mãe, mãe de criação ou madrasta) -, parte do mercado tende a validar essa balança desigual quando prolonga a licença-maternidade e não dedica atenção à licença-paternidade. Uma das consequências disso é a maternidade vista como um “percalço natural” na carreira das mulheres, com reflexos, muitas vezes, na ascensão profissional e na remuneração. De acordo com a pesquisa “Brasileiras – como elas estão mudando o país”, promovida pelo Instituto Locomotiva em parceria com o jornal El País e divulgada em dezembro de 2016, 3 em cada 10 homens acham que “é justo mulheres assumirem menos cargos de chefia, já que podem engravidar e sair de licença maternidade”.

Quem já avançou
Há sinais de mudança na forma como o mercado encara a questão da licença e até mesmo da maternidade. Esse movimento de abertura ao tema vem na esteira da ampliação do debate pautado há anos por organizações de saúde – como a Sociedade Brasileira de Pediatria -, por organizações do terceiro setor que se dedicam a pesquisar a Primeira Infância e por grupos de mulheres – feministas, principalmente – que têm levado para dentro das empresas a necessidade de se discutir e implementar políticas pró-equidade de gênero. Um dos marcos recentes para o debate foi a aprovação da Lei 13.257/2016, sancionada pela ex-presidenta Dilma Rousseff, em março do ano passado, que trata de políticas públicas para a primeira infância. Por trazer a possibilidade de dedução fiscal para empresas que estendem a licença-paternidade em 15 dias – chegando a um total de 20 dias de afastamento -, a Lei empurrou novamente para o centro da gestão dos Recursos Humanos a pauta das licenças maternidade e paternidade.

Não é coincidência, portanto, que algumas empresas integrantes da atual lista das melhores para se trabalhar tenham adotado licenças maiores recentemente, como é o caso do Google, figurinha tarimbada no ranking da Great Place to Work (GPTW) Brasil, onde é líder atualmente na categoria “multinacionais”. Desde abril deste ano, a organização passou a oferecer 84 dias de licença para os pais em vez dos 28 que valiam até então, o que sugere um reflexo do avanço que houve na legislação. O benefício é estendido, inclusive, a pais não-biológicos. Na Microsoft, quarta colocada no mesmo ranking, os homens gozam de 42 dias após o nascimento do bebê.

A licença estendida não é particularidade das grandes multinacionais. A carioca Radix, empresa de tecnologia e engenharia, é avaliada pelo ranking da GPTW como a terceira melhor para se trabalhar no Brasil na categoria das médias empresas. Lá, desde a fundação, em 2010, os funcionários que se tornam pais têm 15 dias de licença garantidos. As mulheres, seis meses. “Já iniciamos a empresa tendo isso como política, e também facilitamos as férias na sequência à licença, se o funcionário ou a funcionária quiser emendar”, diz Luiz Eduardo Rubião, diretor de RH e CEO da Radix.

O diretor conta que já houve pedido de afastamento de oito meses atendido pela empresa. Uma funcionária tinha duas férias a tirar e emendou com os seis meses de licença. “A percepção que a gente tem, na gestão, é que quando é feito dessa forma a mãe não vê a volta ao trabalho como um grande problema, e isso é bom para ela, para a criança e para a empresa, que vai contar com uma funcionária com bom rendimento”, opina.

Rubião é veterano em gestão. Antes da Radix, ele já havia empreendido, em 1989, quando fundou a Chemtech, empresa que deu certo, cresceu, consolidou-se como uma das grandes no setor de engenharia e tecnologia e também já passeou pelos rankings das melhores empresas para trabalhar. “Lá na Chemtech essa discussão sobre licença veio assim que a senadora do Ceará [Patrícia Saboya] começou a levantar o assunto e que o Congresso aprovou, em 2008, a lei que possibilitava dedução fiscal para empresas que aderissem aos seis meses de licença para as mães.”

À época da aprovação, houve campanha de sensibilização do Senado direcionada ao empresariado, com direito a cartas, folders e vídeos. Tudo para explicar as regras de adesão ao programa Empresa Cidadã, o mesmo que, em 2016, incorporou também o texto que trata da licença-paternidade estendida com dedução fiscal.

O combo do equilíbrio
Se o tempo de licença-maternidade e paternidade é essencial no debate sobre um ambiente mais equilibrado para o desenvolvimento profissional de homens e mulheres, não é o único ponto a ser contemplado. Mesmo aquelas empresas que oferecem 180 dias para as mães e 20 para os pais, validando um maior protagonismo de ambos nos cuidados com os filhos, precisam estar atentas ao ambiente que oferecem na volta das licenças.

Funcionária sênior da área de Recursos Humanos da multinacional SAP Labs, Thais Catarino, mãe desde 2015, voltou a trabalhar quando sua filha completou sete meses. Ainda amamentava. “Eu não me preocupei em desmamá-la porque sabia que teria apoio da empresa, que conta com políticas flexíveis”, diz. A empresa, que naquele momento ainda não tinha uma sala de amamentação e de retirada de leite materno, providenciou o ambiente, com geladeira, poltrona e ambiente tranquilo para as mães. Thais levava uma bolsa térmica e chegava a usar a sala até três vezes por dia. “Dessa forma, consegui prolongar a amamentação da minha filha até 1 ano e 5 meses, porque todo o leite que eu tirava ela tomava na minha ausência e quando eu chegava do trabalho ela mamava no peito”. A SAPs Lab, que atua desenvolvendo softwares para soluções corporativas, é atualmente a quinta colocada no ranking das melhores multinacionais para trabalhar no país.

Diretora de Recursos Humanos da SAP Labs, Adriana Kersting acumula 26 anos de experiência na área em que atua. Conta que a empresa busca o “Work-life balance” com afinco. O termo, que já virou jargão no RH, significa equilíbrio entre ambições profissionais e vida pessoal. “As novas gerações enxergam que o trabalho que vale a pena é aquele que oferece uma relação de troca, que vai além do aspecto financeiro”, diz ela. “Não se trata de ser melhor ou pior do que as gerações anteriores, que buscavam antes de tudo estabilidade financeira, mas esses profissionais mais novos trazem valores diferentes, querem qualidade de vida, e para uma empresa motivar talentos precisa estar atenta a isso”, destaca Adriana. A SAP Labs tem ido bem. A taxa de rotatividade de funcionários da empresa de origem alemã, que mantém escritório em mais de 130 países, tem girado em torno de 5% na América Latina, considerada baixa para o setor de tecnologia da informação.

Na Caterpillar, segunda no ranking das grandes empresas, a escuta dos funcionários é constante, de acordo gestores ouvidos pela Gênero e Número. Cadastrada no programa Empresa-Cidadã, a companhia que produz máquinas pesadas, motores e veículos oferece as licenças estendidas para mães e pais, conta com programa para gestantes e se orgulha de oferecer, por meio desse programa, a opção de upgrade hospitalar na internação das gestantes – elas acessam quarto particular em vez de quarto coletivo. Mas não há sala exclusiva de amamentação na empresa. “Com a volta das mulheres depois de seis meses, a gente entende que elas suprem o período mais importante de amamentação, como definem as organizações de saúde”, afirma a consultora de RH da Caterpillar Thais Pereira.

Nesse ponto, a Caterpillar se distancia das empresas que já avançaram rumo à validação de uma rotina de cuidados mais ampla dos bebês pelas mães e pais após o período de licença, como fica claro quando se observa o levantamento que a Gênero e Número fez. A reportagem contatou 30 empresas do ranking que reúne um total de 150 – as 10 primeiras nas categorias “média”, “grandes” e “multinacionais” – para enxergar com lupa como aquelas que são os grandes destaques na classificação se posicionam sobre esses assuntos. Dessas, 29 responderam. O panorama pode ser conferido abaixo.

A pesquisa
A pesquisa “Melhores empresas para Trabalhar”é realizada em mais de 50 países e conta com metodologia própria de avaliação. No Brasil, empresas se inscrevem anualmente para participarem do processo que resulta em um ranqueamento e em premiação em diferentes categorias. A edição mais recente, de 2016, contou, segundo a empresa organizadora (a Great Place to Work), com 1.563 empresas inscritas. Dessas, 150 foram ranqueadas. Para estruturar os resultados, a empresa avaliadora analisa questionários respondidos pelos funcionários das empresas (67% de peso na média final) e por gestores das empresas (33% de peso). Só é possível entrar no ranking aquelas que se inscrevem, o que significa que a lista das “Melhores para Trabalhar” não é um veredicto sobre todo o universo de empresas brasileiras, e sim uma avaliação crítica que as próprias empresas buscam.

Giulliana Bianconi é jornalista e codiretora da Gênero e Número.

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