Com a aproximação do Carnaval, percebo o meu ciúme saindo da casinha, fantasiado de Bin Laden
IVAN MARTINS
31/01/2018
Ciúme é assim: o do outro é sempre ridículo, enquanto o nosso é inevitável. A gente se permite sentir, mas censura o sentimento alheio. O que a gente sente é óbvio, justificado, inquestionável. O que o outro sente não faz sentido.
Com a aproximação do Carnaval, percebo o meu ciúme saindo da casinha, fantasiado de Bin Laden.
As fantasias dela me parecem muito sensuais. Ela fica bonita demais. Precisa? Antecipo olhares e atrevimentos dos homens e me angustio. O macho que existe em mim quer reclamar, brigar, chantagear. Outros caras dentro de mim – aqueles que acreditam na minha liberdade e na dela – têm de acalmar o fundamentalista assustado. O equilíbrio que resulta da conversa é sólido, mas instável. Daqui a pouco o incômodo voltará, e terei de lidar com ele novamente.
Não é bom sentir-se assim, mas algo se aprende. A não menosprezar os sentimentos do outro, por exemplo. Eu, que não costumo ser ciumento, fico impaciente com o ciúme dos outros. Sinto que vou sendo tolhido, acusado sem provas, condenado num tribunal onde não tenho a palavra. Quando isso acontece, quero dar um basta e sair andando.
Por isso é importante experimentar o outro lado do chicote: agora, enciumado, o ciúme já não me parece tão absurdo. Agora, eu gostaria de conversar, me queixar, ouvir explicações, ser aplacado, que reafirmassem o que sentem por mim, que digam que me amam, que me acalmem. Agora, toda insegurança faz sentido.
Não quero que ninguém – homem ou mulher – encontre nestas linhas uma justificativa para agir com os parceiros de maneira agressiva, abusiva, violenta, intrusiva. Falo de sentimentos, não de atos. O ciúme existe à nossa revelia; os atos são da nossa responsabilidade, controláveis. Não podemos agir contra o outro porque ele nos faz sofrer ou nos causa insegurança. Não somos donos de ninguém. Há que respeitar limites. Há que aprender a sofrer. Há que aguentar.
Outra coisa que percebi, observando o meu ciúme, é que a forma mais triste de evitá-lo é ficar só. Quem está sozinho no Carnaval não sofre de insegurança, porque não tem nada a perder ou proteger. Muita gente evita relacionamentos porque não consegue lidar com os temores decorrentes. Mesmo sem perceber, escolhe ficar sozinha para não se sentir ameaçada. É uma coisa masculina, mas algumas mulheres agem da mesma forma.
Estar com alguém provoca sentimentos incômodos. A exaltação do afeto traz com ela sensações inquietantes. De todo lado parecem nos espreitar ameaças. Basta um olhar, às vezes um sorriso da nossa pessoa para outra, e pronto: lá vem a angústia, que pode virar briga e acusações. “O que eu fiz?” “Nada, mas nossa felicidade me faz sofrer, me causa medo, me assombra com a possibilidade de perder!”
Por medo de perder e sofrer, pelo medo secreto de ser humilhada, muita gente abre mão de todos os laços, antecipadamente, e perde os melhores momentos da sua vida – e da vida dos outros.
Enfim, o Carnaval está quase aí, jogando glitter dourado sobre as nossas esperanças e receios.
Iremos para a rua com os nossos corpos, nossos sentimentos e nossas terríveis contradições. Os blocos vão ocupar o asfalto e as calçadas, ruidosamente, e reafirmar o direito ao prazer de viver, reafirmar a existência de cidades que não sejam nem condomínios fechados e nem dormitórios industriais, cidades onde homens e mulheres de todas as cores e idades, de todas as classes e opções sexuais, circulem livremente, sem assédio e sem violência, sem medo e sem segregação. Um Carnaval entre iguais, numa cidade de iguais.
Nesse carnaval-utopia o ciúme ficará de lado. Apenas a alegria e a confiança brilharão atrás das máscaras. Haverá gente cheia de vida, cheia de glitter, cheia de confiança no outro e em si mesma. Homens e mulheres cheios de amor, nós.
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