Por Mauro Ferreira, G1
Desde que o samba é samba, o negro oprimido na casa grande do Brasil é simbolizado, no universo musical do país, por esse ritmo que dita a cadência nacional.
No mapa musical dos Estados Unidos, esse papel coube inicialmente e sobretudo ao blues, lamento primordial dos negros norte-americanos. É nesse sentido amplo, sem fronteiras geográficas, que Baco do Exu Blues se apropria do termo blues no segundo álbum, Bluesman (EAEO Records), para bradar contra tudo que representa o racismo em sociedade ainda escravocrata.
Só que, em vez do blues, Baco Exu toma partido da liberdade na batida do rap – o ritmo que mais tem dado voz ativa aos negros tanto no Brasil como nos Estados Unidos – com toques de soul, R&B e uma pitada de samba.
"Não me chame de preto bonito, preto inteligente, preto educado / Seus rótulos não tocam na minha poesia / Eu sou o Kanye West da Bahia", identifica-se Baco Exu do Blues na música mais impactante dentre as nove composições inéditas e autorais apresentadas pelo rapper baiano no disco.
Em Kanye West da Bahia, há dose de latinidade que identifica o álbum Bluesman na geografia musical do Brasil, assim como o batuque de samba embutido em Minotauro de Borges. Mas Bluesman é sobretudo disco de rap.
Por mais que brade que cansou do hip hop e que reencarnou como bluesman, Baco se expõe na batida do rap ao longo deste álbum que se situa no mesmo alto nível do antecessor Esú (2017), um dos grandes discos do ano passado.
Em Esú, Diogo Alvaro Ferreira Moncorvo – nome de batismo deste rapper soteropolitano que completará 23 anos em janeiro de 2019 – se fortaleceu ao expor a própria fragilidade humana diante do divino com sonoridade que embebeu o rap em referências musicais afro-brasileiras e em trap.
Em Bluesman, Baco jamais varre a própria fragilidade para baixo do tapete e, por isso mesmo, se mostra ainda mais forte, fazendo as máscaras sociais caírem ao converter a própria experiência em libelos a favor da liberdade e do gozo em músicas como Queima minha pele – gravada com o piano e a voz de Tim Bernardes – e Me desculpa, Jay-Z.
O álbum Bluesman flagra Baco Exu do Blues em carne e osso, sobretudo diante do corpo feminino esculpido nos versos de Girassóis de Van Gogh, tema cujo título alude à tela Doze girassóis numa jarra (1888), quadro do pintor holandês Vicent Van Gogh (1853 – 1890). Só que o artista se reapresenta com a alma mais fortalecida.
Flamingos – música erotizada, gravada com a participação do grupo curitibano de afro-folk Tuyo – plana na cadência do R&B. Mas é na batida de raps como Preto e prata que a artilharia fica mais pesada, com Baco disparando munição certeira contra o opressor.
Como bluesman e com (o álbum) Bluesman, Baco Exu do Blues se mantém no olimpo do universo do hip hop nacional, justamente porque, pelo segundo álbum consecutivo, não se enquadra no que se espera de um rapper brasileiro. (Cotação: * * * * *)
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