Enquanto a obrigação de cuidar da casa e de familiares é a principal razão para meninas e mulheres de 15 a 29 anos não estudarem ou procurarem trabalho fora, para meninos e homens na mesma faixa etária e na mesma situação os motivos dizem respeito à falta de postos de trabalho; para pesquisadora, acesso a creches públicas de qualidade continua sendo a demanda mais importante para sanar esta desigualdade
Por Carolina de Assis
Editora da Gênero e Número.
6 DE DEZEMBRO DE 2018
O peso das tarefas domésticas e do cuidado de filhos e outros familiares é o principal empecilho para que jovens brasileiras permaneçam na escola e trabalhem fora de casa. Segundo a Síntese de Indicadores Sociais divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) nesta quarta-feira (05/12), 35,4% de meninas e mulheres com 15 a 29 anos que não estudam ou trabalham fora de casa disseram que não buscam emprego por terem essa obrigação. Apenas 1,2% dos meninos e homens declararam a mesma razão para não buscarem ocupação – a principal razão deles é que não havia trabalho na região (45,4%).
Entre homens e mulheres que têm entre 18 a 29 anos e não concluíram o Ensino Médio, a diferença aumenta: 39,5% delas alegaram as tarefas domésticas e de cuidado como razão para não voltar a estudar, enquanto 0,9% deles disseram o mesmo. Para os homens, a principal razão para não voltar aos estudos é o trabalho ou a busca dele – caso de 52,5% eles e 23,2% delas.
Na média entre mulheres e homens acima de 14 anos que se encontram desempregados, independentemente do nível de instrução, a principal razão para não terem procurado ocupação na semana da pesquisa foi não haver trabalho na localidade em que se encontravam – caso de 42% dos homens e 34,9% das mulheres. Mas, para elas, a segunda principal razão era a obrigação de cuidar da casa e de familiares (20,7%, contra 1,1% deles), enquanto para os homens tratou-se de motivo não especificado (20,5%).
Ainda que a obrigação do cuidado da casa e de familiares não seja a razão para não voltar a estudar ou buscar trabalho fora, são as mulheres as que majoritariamente se encarregam destas tarefas. Dos jovens entre 15 e 29 anos que não estudam ou trabalham fora, 93,4% delas se ocupam do cuidado da casa ou de familiares, diante de 65,9% deles que fazem o mesmo. Há divisão inclusive entre os afazeres: 70,4% dos meninos e homens disseram ter cuidado apenas da casa, enquanto 40,7% delas se dedicaram só a essa tarefa.
Divisão sexual da crise econômica
A divisão sexual do trabalho – a ideia de que há afazeres que são de homens e outros que são de mulheres, e a valorização dos primeiros em detrimento dos últimos – é uma das razões para as mulheres terem rendimento menor do que homens, algo também constatado pelos Indicadores Sociais do IBGE. Em 2017, eles receberam em média R$ 2.261 ao mês, enquanto a renda mensal delas foi R$ 1.743 – 29,7% menor. Os dados mais recentes do instituto referentes a carga de trabalho doméstico e de cuidado dão conta de que as mulheres dedicam 18 horas semanais a estas tarefas, contra 10,5 dedicadas pelos homens e que elas trabalham menos horas remuneradas por semana (36,4) do que eles (40,9).
Mas essa não é a única razão para mulheres jovens não estudarem nem trabalharem fora de casa, acredita a pesquisadora Maria Rosa Lombardi, que lidera o grupo de pesquisa “Gênero, Raça/Etnia: Educação, Trabalho e Direitos Humanos”, da Fundação Carlos Chagas.
“Estruturalmente, alguns segmentos da sociedade são mais atingidos pela crise econômica: as mulheres, os negros, as pessoas que não têm Ensino Médio”, disse Lombardi à Gênero e Número. “Em uma conjuntura econômica adversa, há a escassez de postos de trabalho e as empresas acabam fazendo uma seleção mais profunda. Preferem homens a mulheres, brancos a negros, mais escolarizados a menos escolarizados. Em momentos de crise, o leque de requisitos para ter acesso aos poucos postos de trabalho disponíveis vão esbarrar nesses aspectos.”
Ela também chama a atenção para o fato de que meninos evadem mais do que meninas no Ensino Médio. Segundo os Indicadores Sociais do IBGE, a taxa de frequência escolar para meninas de 15 a 17 anos no Ensino Médio é de 73,7%, enquanto para os meninos na mesma idade e no mesmo nível educacional essa taxa é de 63,6%. Em 2015, eles eram 74% dos jovens que não completaram o Ensino Médio e não voltaram a estudar, segundo a Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) do IBGE.
“O Ensino Médio parece ser bem mais desinteressante para os meninos do que para as meninas, até porque eles talvez tenham mais chances de encontrar trabalho do que elas, então elas ficam na escola mais do que eles”, avalia a pesquisadora.
Mas há uma razão de ser do principal motivo alegado pelas mulheres jovens para não voltar a estudar ou procurar trabalho: “o que está no fundo disso é que as meninas, as moças, as mulheres ainda são as principais responsáveis pelo cuidado dos filhos e da casa”, afirma Lombardi. “Essa parte do cuidado, da vida reprodutiva, ainda está muito ancorada no papel das mulheres, apesar de que temos algumas mudanças em alguns segmentos mais jovens e mais escolarizados. Mas ainda não são suficientes para alterar a medida do tempo despendido em afazeres domésticos por homens e mulheres.”
A pesquisadora, porém, faz algumas ressalvas. “Atribuir só a isso o fato de elas não estarem estudando ou trabalhando fora me parece um pouco limitado. Há as questões da escola também, que talvez não tem um horário adequado para essas moças que são mães e não têm com quem ou onde deixar seus filhos para ir estudar.”
Ela também nota a precariedade do emprego no país para segmentos menos escolarizados e mais vulneráveis.
Para sanar estas desigualdades e garantir acesso a educação e trabalho remunerado a mulheres e homens, Lombardi afirma que serve uma “famosa e antiga demanda feminista”: acesso universal e gratuito a creches de qualidade. “Tenho certeza de que a maior parte dessas meninas que estão cuidando dos filhos e da casa não estuda porque não tem onde deixar as crianças”, observa.
Outra medida é adequar a escola a estes jovens, que não são mais crianças, diz a pesquisadora. “Muitos deles trabalham. Na configuração do mercado de trabalho que temos hoje, em que a pessoa tem que estar disponível 24 horas por dia para ganhar nada, um turno escolar muito fixo, em que determinado número de ausências significa perder o ano, também não funciona”, avalia.
A última e máxima reivindicação, salienta Lombardi, é que homens e mulheres compartilhem de maneira igualitária as responsabilidades domésticas e o cuidado de familiares vulneráveis – crianças, idosos, pessoas com necessidades especiais. “Esse é o melhor dos mundos.”
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