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quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Crimes Sexuais - aspectos atuais

06/11/2018 por Francisco Sannini Neto
Em 25 de dezembro de 2018 foi publicada a Lei 13.718/18, que alterou o Código Penal na parte que trata dos crimes contra a liberdade sexual. Entre as inovações promovidas pela lei, destaca-se a criação do crime rotulado de “importunação sexual”, tipificado no artigo 215-A, do referido diploma repressor.[1]

Não se pode olvidar que tal inovação legislativa nos remete a mais um exemplo do chamado “Direito Penal Simbólico”, onde o legislador identifica um problema na sociedade e reage por meio de uma lei penal, ora elevando um crime à condição de hediondo, ora aumentando as penas e os rigores penitenciários ou, como no caso, criando novos tipos penais.

A figura prevista no artigo 215-A, do Código Penal, foi, inegavelmente, influenciada por um triste episódio ocorrido no interior de um ônibus na cidade de São Paulo, onde um homem ejaculou no pescoço de uma mulher. Na ocasião, o sujeito teve sua prisão em flagrante decretada pelo delegado de polícia com base no artigo 213, do CP, que prevê o crime de estupro, mas foi posto em liberdade na Audiência de Custódia, uma vez que, no entendimento no magistrado competente, a conduta não se adequaria ao referido tipo penal, caracterizando apenas a contravenção penal de “importunação ofensiva ao pudor”, prevista no artigo 61, da Lei de Contravenções Penais, revogada expressamente pela Lei 13.718/18.

Feitas essas observações, consignamos que no novo tipo penal é punida a conduta de “praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro”. Note-se que, conforme bem apreendido por GILABERTE[2], a redação do dispositivo se distingue dos crimes de estupro e estupro de vulnerável porque a ação é praticada “contra” e não “com” alguma pessoa.

Ao que nos parece, essa opção legislativa representa um avanço, uma vez que dispensa a participação da vítima no ato libidinoso. Por outro lado, quando a norma exige que a conduta seja praticada “com” alguém, pressupõe-se o envolvimento da pessoa vitimada. Desse modo, ejacular “contra” uma mulher caracteriza o crime do artigo 215-A, ainda que não haja qualquer toque em seu corpo ou outra forma de participação no ato libidinoso.

Percebe-se, portanto, que com o novo diploma legal o nosso ordenamento jurídico avançou na tutela da dignidade sexual das pessoas, viabilizando uma resposta proporcional a condutas que, até então, não encontravam uma perfeita adequação típica. Justamente por conta desse vácuo legislativo, ora verificava-se um excesso dos operadores do Direito (com a imputação do crime de estupro para a conduta de apalpar as nádegas de uma pessoa, por exemplo), ora havia uma insuficiência protetiva (com a imputação de uma mera contravenção penal).

De maneira ilustrativa, o Superior Tribunal de Justiça já entendeu que a conduta de beijar uma pessoa sem sua anuência caracterizaria o crime de estupro. Na situação em foco, um sujeito beijou uma adolescente se valendo, para tanto, de violência. O Tribunal de Justiça de origem absolveu o acusado do crime de estupro utilizando o argumento de que o beijo teria tido “a duração de um relâmpago”, sem aptidão para saciar a lascívia de qualquer pessoa, o que afastaria seu caráter libidinoso.

A 6ª Turma do STJ, por seu turno, entendeu que a conduta em questão se desenvolveu em um contexto de indiscutível violência sexual contra a vítima. Nas palavras do Min. Relator Rogério Schietti Cruz “(...) deve-se ter em mente que estupro é um ato de violência (e não de sexo). Busca-se, sim, a satisfação da lascívia por meio de conjunção carnal ou atos diversos, como na espécie, mas com o intuito de subjugar, humilhar, submeter a vítima à força do agente, consciente de sua superioridade física”.[3] Ademais, a doutrina é praticamente pacífica ao estabelecer que “não há necessidade de que o agente atue com a finalidade especial de saciar sua lascívia, de satisfazer sua libido”. Não importa a motivação do agente para a prática do ato (serve, por exemplo, o fim puramente de humilhar a vítima).[4]

Diante do exposto e após uma leitura atenta do voto vencedor, pode-se concluir, com base no cenário jurídico atual, que o “beijo roubado”, que envolve violência ou grave ameaça, caracteriza, sim, o crime de estupro, contudo, em se tratando de “beijo furtado”, vale dizer, sem violência ou grave ameaça a vítima, a conduta se adequaria ao novo tipo penal do artigo 215-A (importunação sexual).

Percebe-se, pois, que agora é possível tratar condutas que atentam contra a dignidade sexual de maneira proporcional às suas respectivas gravidades. Com efeito, só haverá o crime de estupro quando o ato libidinoso praticado pelo agente for perpetrado em seu nível máximo, valendo-se, para tanto, de violência ou grave ameaça (ex: coito anal ou vaginal). Por outro lado, se a dignidade sexual da vítima for atingida de forma menos grave ou menos ofensiva, restará configurado o crime de “importunação sexual”, punido com reclusão de 01 a 05 anos e sem o rótulo de infração hedionda, respeitando-se, assim, o princípio da proporcionalidade, seja na sua vertente que proíbe o excesso ou naquela que veda a proteção insuficiente.


[1] Vale consignar que de acordo com o projeto do novo Código Penal (PLS n.236/2012), em trâmite no Congresso Nacional, a figura prevista no artigo 215-A, receberia o nomen iuris de “molestamento sexual”.
[2] GILABERTE, Bruno. Lei 13.718/2018: importunação sexual e pornografia de vingança. Disponível: https://canalcienciascriminais.com.br/importunacao-sexual-vinganca/ . Acesso em 26.10.2018.
[3] STJ, 6ª turma, REsp 1611910/MT, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, j. 27.10.2016.
[4] Cf. GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 11ª. ed. Niterói: Impetus, p. 775. No mesmo sentido se manifestam Mirabete e Fabbrini, com base no escólio antecedente de Magalhães Noronha e indicando a dissidência incomum de Nelson Hungria e Heleno Fragoso: MIRABETE, Julio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal. 30ª. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 409 – 410. Mais modernamente, encontra-se pensamento destoante de Nucci, que também considera necessário o dolo específico de satisfação da lascívia. Cf. NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 9ª. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 875.

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