03/12/2018
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi adotada em 10 de dezembro de 1948. Para marcar o aniversário de 70 anos, nas próximas semanas, o Escritório do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH) publicará textos informativos sobre cada um de seus artigos.
A série tentará mostrar aonde chegamos, até onde devemos ir e o que fazer para honrar aqueles que ajudaram a dar vida a tais aspirações.
Leia mais sobre o Artigo 14:
1. Toda pessoa, vítima de perseguição, tem o direito de procurar e gozar de asilo em outros países.
2. Este direito não pode ser invocado em caso de perseguição legitimamente motivada por crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.
Em 1950, dois anos após a Assembleia Geral das Nações Unidas adotar a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR). A agência teria três anos para ajudar milhões de europeus que haviam fugido ou perdido suas casas durante a Segunda Guerra Mundial, e então seria desmantelada.
Décadas depois, a agência de refugiados da ONU ainda está em funcionamento e o número de pessoas deslocadas no mundo ultrapassa 68 milhões. Deste total, 25 milhões são refugiados – pessoas fugindo de conflito ou perseguição – que cruzaram uma fronteira internacional, enquanto 40 milhões são deslocados dentro de seus próprios países. O restante é formado por solicitantes de refúgio – pessoas que podem, ou não, ser determinadas como refugiadas.
O Artigo 14 da DUDH garante o direito de buscar e de gozar asilo em caso de perseguição. Este direito, além do direito de deixar um país (Artigo 13) e do direito à nacionalidade (Artigo 15), pode ser traçado diretamente aos eventos do Holocausto. Muitos países cujos redatores trabalharam na DUDH estavam cientes de que haviam rejeitado muitos refugiados judeus, possivelmente condenando-os à morte. Além disso, muitos judeus, roma (ciganos) e outros perseguidos pelos nazistas não conseguiram fugir da Alemanha para salvar suas vidas.
Sob proteção do Artigo 14, articulado de forma mais completa na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, milhões de pessoas receberam durante décadas a proteção como refugiadas, podendo reconstruir suas vidas e frequentemente voltando para casa após o perigo passar. Muitas também foram reassentadas em países terceiros, onde usam suas habilidades para contribuir com suas novas pátrias. E algumas podem se assentar permanentemente em países onde encontraram refúgio, como mais de 170 mil burundianos que fugiram do país em 1972 e receberam cidadania tanzaniana, no que se acredita ser a maior naturalização de refugiados do mundo.
“Não podemos impedir que as pessoas fujam para salvar suas vidas. Elas virão. A escolha que temos é como iremos gerenciar suas chegadas, e o quão humanamente”, disse recentemente o secretário-geral da ONU, António Guterres.
O direito de buscar asilo não é irrestrito. O Artigo 14 deixa claro que pessoas não podem receber asilo simplesmente para evitar perseguição por “crimes de direito comum ou por atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas”. Então, autores de crimes de guerra e pessoas consideradas culpadas por crimes contra a paz e contra a humanidade, não têm direito a asilo.
O deslocamento entre fronteiras – incluindo migrantes, solicitantes de refúgio e refugiados – se tornou amplamente controverso no mundo todo nos anos recentes. Para exercer o direito articulado no Artigo 14, as pessoas devem efetivamente entrar em outro país. Hoje, países de todo o mundo estão fechando as portas, afastando refugiados e outros migrantes com cercas de arame farpado, muros e exércitos.
Advogados dizem que pessoas fogem – e continuarão fugindo – por conta dos perigos que deixam para trás, independentemente dos perigos e obstáculos que estão pela frente. Apesar de esforços para erguer uma “Europa fortificada”, refugiados e migrantes continuam arriscando suas vidas em barcos infláveis, tentando cruzar o Mediterrâneo para chegar ao continente europeu. Desde 2014, a cada ano, ao menos 3 mil pessoas perderam suas vidas desta maneira. Em 2016, quase 5 mil pessoas morreram no mar. Muitas outras morreram durante jornadas terrestres.
Pessoas em movimento também são vulneráveis a outras que se aproveitam de suas vulnerabilidades, incluindo autoridades estatais que tentam lucrar a partir delas, em vez de protegê-las, e traficantes de pessoas que tratam humanos como mercadorias.
“Nos comprometemos com um compartilhamento mais equitativo do peso e da responsabilidade de receber e apoiar refugiados do mundo”, disseram os países da Assembleia Geral da ONU, na Declaração para Refugiados e Migrantes, de 19 de setembro de 2016.
Os países têm o direito de controlar suas fronteiras. No entanto, como a ONU têm destacado há anos, um sistema ordenado de migração com base nos princípios dos direitos humanos enraizados na DUDH não responderia somente às preocupações legítimas dos países em relação à segurança, mas também honraria os direitos tanto de refugiados quanto de migrantes.
Em 2016, os 193 Estados-membros da ONU adotaram de forma unânime a Declaração de Nova York para Refugiados e Migrantes para proteger os que foram forçados a fugir e apoiar países que os abrigam. A declaração abriu caminho para a adoção de dois novos pactos globais em 2018: um pacto global sobre refugiados e um pacto global para migração segura, ordenada e regular.
Muitas pessoas que possuem claras necessidades de proteção, e deixam suas casas por razões fora de controle, não recebem refúgio porque não se encaixam na definição de “refugiado”. Os chamados “refugiados climáticos” são um bom exemplo das lacunas e desafios da proteção atualmente.
Não está claro quantas pessoas se deslocaram entre fronteiras por conta das mudanças climáticas, mas estatísticas de deslocamento interno são ilustrativas. O Centro de Monitoramento de Deslocamentos Internos estima que, de 2008 a 2016, desastres relacionados às condições meteorológicas deslocaram, em média, 21,7 milhões de pessoas dentro de seus próprios países a cada ano. Isto não inclui problemas mais lentos relacionados às mudanças climáticas, como aumento dos níveis dos mares, intrusão salina — fenômeno pelo qual uma massa de água salgada penetra em uma massa de água doce — ou desertificação de terras agrícolas.
Similarmente, pessoas deslocadas pela fome em muitos casos não são consideradas refugiadas pela definição da Convenção de 1951, ou pelas diversas formas expandidas de proteção aos refugiados. Ainda que claramente estejam precisando de proteção e assistência – e, se não podem ter isso em casa, não têm opção a não ser ir ao exterior.
O Pacto Global para as Migrações pede para países “cooperarem para identificar, desenvolver e fortalecer soluções para migrantes compelidos a deixar seus países de origem por conta de desastres naturais, dos efeitos adversos das mudanças climáticas e degradação ambiental”. Para tais pessoas que não são capazes de voltar para seus países, soluções concebidas no pacto incluem realocação planejada e novas opções de vistos.
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