Pesquisa realizada com ciclistas entregadores em maio e junho deste ano e publicada em agosto pela Aliança Bike mostra que é rara a presença de mulheres que trabalham no ramo de entregas geradas por aplicativos de celular. De 257 pessoas entrevistadas, apenas 3 eram mulheres ou 1% da amostra.
A ausência feminina nesse tipo de serviço é retrato do que ocorre no meio ambiente da bicicleta, que ainda é dominado por homens. Na última contagem de ciclistas realizadas pela Ciclocidade em dezembro do ano passado no cruzamento das avenidas Faria e Lima Rebouças, região onde há maior circulação de bicicletas devido à infraestrutura adequada e oferta de bikes compartilhadas, a proporção de mulheres em relação ao total era de apenas 20%.
A ausência feminina nesse tipo de serviço é retrato do que ocorre no meio ambiente da bicicleta, que ainda é dominado por homens. Na última contagem de ciclistas realizadas pela Ciclocidade em dezembro do ano passado no cruzamento das avenidas Faria e Lima Rebouças, região onde há maior circulação de bicicletas devido à infraestrutura adequada e oferta de bikes compartilhadas, a proporção de mulheres em relação ao total era de apenas 20%.
Glaucia Pereira, cicloativista que coordenou a pesquisa de ciclistas entregadores para a Aliança Bike, estima que as mulheres não pedalam no Brasil por conta de um problema estrutural que começa na infância. “Desde pequenas, meninas são ensinadas a brincar de forma estática, ou seja, com bonecas e casinha, enquanto os meninos brincam com coisas dinâmicas, como as bicicletas”, explica
Por conta dessas disparidades na paridade de gênero é que o Aromeiazero desde 2016 tem destinado 50% das vagas nos cursos gratuitos de mecânica e empreendedorismo voltados à bike para mulheres, que informam no formulário de inscrição, geralmente, que procuram o curso para obterem mais autonomia com a bicicleta ao aprender a fazer manutenções básicas como trocar um pneu e regular freios, a conhecer as principais oportunidades que existem para gerar renda com bikes e ainda serem capacitadas a iniciar um negócio ou a trabalhar de forma autônoma.
O projeto Viver de Bike tem atraído a atenção de patrocinadores de peso, como a Fundação Alstom, que está financiando em 2019 a formação de 90 alunos e alunas e da Trek, empresa dos Estados Unidos pioneira na fabricação de bicicletas de montanha (MTB). O curso já formou mais de 100 pessoas, sendo a maioria mulheres. Além de gratuito, cada pessoa formada recebe uma bicicleta que ela mesma restaurou durante as aulas técnicas e ainda pode concorrer a bolsas de estudo em duas das melhores escolas de formação profissional em mecânica de bicicletas, a Escola Park Tool e a Blue Cycle.
De ciclista entregadora a assessora comercial
Ellian Apolônio, 35, é uma das recém formadas pelo curso, que possui 60 horas de aulas divididas entre mecânica e empreendedorismo da bicicleta. Ela buscou a formação para manter vivo o sonho de trabalhar em algo que envolvesse bicicleta e a venda de produtos artesanais. Desempregada, não conseguia nem atender aos pedidos de entrega dos aplicativos de celular, e que rendiam desde novembro de 2018, dinheiro para as despesas básicas da casa onde morava com a esposa no bairro da Penha. O motivo: a bicicleta usada para o trabalho de ciclista entregadora, estava quebrada e ela não sabia consertar.
“Percebi que para usar a bicicleta a trabalho eu devia fazer um curso de mecânica para ter mais segurança e autonomia, mas todos os que encontrei eram pagos”, diz. O Viver de Bike, além de ser gratuito, doa uma bicicleta para quem se forma. Com ela, Ellian voltou a atender pedidos dos aplicativos de celular para gerar renda rapidamente.
Ela não considera o trabalho ruim ou difícil as mulheres. “Nunca irei demonizar as empresas de aplicativos, pois com elas eu paguei muitas contas e sempre que precisar volto a fazer esse serviço”. afirma.
Depois de ficar algumas semanas trabalhando de forma fixa para uma única empresa, a floricultura itinerante, Bela do Dia, ela recebeu uma proposta melhor: trabalhar como assessora comercial em uma das franquias da rede Spa das Sobrancelhas, com a responsabilidade de agilizar e facilitar o atendimento das especialistas no domicílio das clientes. E já está aplicando a bicicleta na rotina da loja. “Quando preciso buscar ou levar produtos para outras lojas da franquia, só vou de bicicleta. É mais rápido”.
O próximo passo é mostrar para as especialistas como aumentar o número de visitas usando bikes.
Iniciativa faz entrega só com mulheres e pessoas trans
Aline Os também passou pelo curso Viver de Bike e hoje é uma empreendedora do ramo de entregas com bicicleta. Ela busca investimentos para desenvolver o aplicativo Señoritas Courrier, um serviço de entregas de bicicleta feito apenas por mulheres e pessoas trans, que hoje opera informalmente por meio de um grupo de whatsapp.
A ideia surgiu durante um período em que ela fazia entregas para uma empresa de courrier e percebeu que o ambiente das empresas de delivery de bicicleta não é muito confortável para mulheres e a comunidade LGBTQIA+ e a iniciativa começou informalmente em 2018 após Aline passar pelo curso Viver de Bike e pela formação de microempreededores, o Bike Negócio, outro projeto do Aromeiazero realizado em parceria com a Agência Besouro e patrocínio do Banco Itaú, que apoiaram ela a tirar o negócio do papel.
A partir da ideia, criou o grupo de whatsapp e foi adicionando aquelas que se interessaram em ser freelancer de entrega com bikes. Hoje o coletivo de entregadoras é formado por 21 pessoas.
Aline nunca trabalhou com aplicativos e tem restrições quanto às condições do serviço que oferecem para jovens. A principal delas é a remuneração. “Como atrair mais pessoas para o trabalho se não estão sendo bem remuneradas?”
Sobre a presença feminina nesse setor, Aline ressalta que a mulher entregadora está mais exposta a situações de violência pelo simples fato de ser mulher. Soma-se a isso a violência do trânsito e os constantes assédios de ciclistas homens. “Mas isso não significa que elas não sejam capazes de fazer o trabalho. A solução para fortalecê-las é a união, pois com mais mulheres pedalando os homens se intimidam o machismo diminui”, explica.
Bicicleta para vender mais pastéis
Um mês após cursar uma formação específica para entregas com bicicletas, de 12 horas, que o Aromeiazero realizou no Sesc Campo Limpo em julho deste ano, a microempreendedora Mikayli Bernardo já sentiu no bolso os resultados. Todas as pessoas que terminaram o curso ganharam uma bicicleta e ela passou a usá-la para aumentar a venda de pastéis no bairro onde mora em São Bernardo do Campo. “A bike me ajudou muito. Aumentaram os pedidos de entrega e tenho conseguido ainda uma renda extra, pois eu e meu esposo passamos a fazer entregas por aplicativos”.
Mikayli destaca que o aprendizado que ela teve na formação também a ajudou a planejar melhor o trabalho e a lidar com a intermitência dos pagamentos. “O curso tem acrescentado bastante à nossa experiência do dia a dia. Financeiramente, ele mostrou como fazer a conciliação usando planilhas.. Agora, eu sei quanto está entrando e saindo e qual é o lucro”.
Além de colocar as finanças em dia, o curso deu autonomia para as locomoções com bicicleta. “Eu posso pegar minha bike e sair tranquilamente pois se acontecer de furar um pneu ou soltar a corrente, eu vou conseguir consertar”.
A experiência de Mikayli e outras pessoas que passaram pelo Viver de Bike Entrega pode ser vista neste vídeo, realizado pelo Ar.
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