Imagine que você tenha uma certa tendência à violência ou que goste de ver a violência ser praticada. Pense que você possa matar ou mandar matar qualquer pessoa, um amigo, o seu chefe, um familiar, a ex-mulher ou o ex-marido ou qualquer pessoa que você por qualquer motivo não goste.
Imagine agora que você terá que tomar o máximo de cuidado, pois, sendo descoberto, será punido. Mas, ao contrário de outras pessoas, você até pode ser punido, mas jamais enfrentará a sua consciência. Se decidir por matar ou mandar matar, a única consequência que sentirá serão dificuldades externas como a punição, mas nada dentro de você vai protestar.
Imagine agora que você terá que tomar o máximo de cuidado, pois, sendo descoberto, será punido. Mas, ao contrário de outras pessoas, você até pode ser punido, mas jamais enfrentará a sua consciência. Se decidir por matar ou mandar matar, a única consequência que sentirá serão dificuldades externas como a punição, mas nada dentro de você vai protestar.
Falar sobre a psicopatia no âmbito do direito penal é tarefa complexa, pois temos uma interdisciplinaridade muito grande. No entanto, antes de adentrarmos ao tema proposto, devemos nos ater à Criminologia.
De forma muito resumida, podemos dizer que a Criminologia é uma ciência social empírica que tem o objetivo de estudar o crime, a pessoa do infrator, a vítima e o controle social do comportamento delitivo, usando meios e instituições que visam a modelar o indivíduo ao comportamento que se espera e se considera adequado pela sociedade.
É através da Criminologia que iremos nos direcionar ao assunto central deste texto: a psicopatia no Direito Penal.
Analisar o delinquente se mostra atualmente importante e necessário, mas há que adiantar que entender a mente humana é muito mais difícil do que se possa imaginar. Ousamos dizer que entender a mente humana é algo quase impossível. Por isso, muito provavelmente a conclusão desse texto não será uma ideia fechada acerca da psicopatia.
A proposta com a qual iniciamos esse texto ocorreu em uma fração de segundos dentro da sua mente. A decisão de matar ou não matar, a imaginação de ter ou não essa coragem, tudo isso ocorreu por conta da sua consciência. A consciência pode ser conceituada como um grau de cognição sumária como o senso de responsabilidade que se baseia em conexões emocionais de extrema nobreza.
Para os psicopatas, essa pequena guerra interna sequer chega a ter início. A simples possibilidade de ter empatia, de se colocar no lugar do outro não existe e nunca existirá: os psicopatas são indiferentes. São pessoas como eu e você, mas totalmente desprovidos de consciência.
Uma questão interessante de se expor é que a psicopatia se insere dentro da psicologia e psiquiatria criminal, sendo que a primeira tem o propósito de estudar a personalidade dos “normais” e possíveis fatores que possam influenciá-la. Já a segunda tenta abarcar a compreensão da patologia que causa os transtornos de personalidade englobando, nesse intuito de compreensão, todas as doenças mentais.
Dito isso, já podemos esboçar um conceito para a psicopatia, o que de antemão já deixamos claro que, por óbvio, não se trata de um conceito fechado, pois a compreensão da mente humana e de suas patologias são abrangentes demais para que um conceito possa ser tachado como o mais correto.
Seria, então, a psicopatia um transtorno de personalidade, não tecnicamente uma doença, apresentando certos desvios de desenvolvimento psíquico. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS), a nomenclatura correta é Transtorno de Personalidade Dissocial, registrada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e problemas relacionas à Saúde (CID) sob o código F60.2.
Vale destacar que a psicopatia não é considerada uma doença mental pela comunidade científica, pois o psicopata não sofre alucinações e delírios, não apresentando qualquer desorientação da realidade, principalmente por não apresentar qualquer tipo de sofrimento mental, como depressão, ansiedade, que, via de regra, são características de pessoas portadoras de doenças mentais.
Hervey Milton Cleckley, (1976, p. 90) descreve o psicopata como uma pessoa absolutamente indiferente aos valores sociais incapaz de compreender qualquer situação relacionados a eles. Completamente desinteressando pela evolução da humanidade, canhestro a questões relacionadas a literatura e arte. Totalmente incapaz de apreciar questões da vida e do cotidiano, como a beleza, a feiura, o amor, a maldade, humor e terror.
É como se fosse cego às cores, apesar da sua aguda inteligência para os aspectos da existência humana.
No que tange à matéria penal, a doutrina ainda não se mostra homogênea a respeito da culpabilidade de uma pessoa com Transtorno de Personalidade Dissocial. Essa incoerência torna-se razoável, pois, como dissemos acima, a psicopatia não pode ser caracterizada como doença mental gerando.
Por outro lado, há dificuldade em classificar os psicopatas como pessoas imputáveis, sendo certo que são pessoas dotadas de suas faculdades mentais, tendo plena capacidade de entender que determinadas condutas são contrárias a ordem jurídica.
A resolução dessa celeuma reside na semi-imputabilidade, pois o psicopata tem condições de entender o caráter ilícito dos seus atos e até de se comportar de acordo com esse entendimento, mas não vê nenhum problema neles. Assim, serão condenados como pessoas “normais”, tendo a redução do parágrafo único do artigo 26 do Código penal aplicado em sua pena.
Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.Parágrafo único – A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.
Essa conclusão, qual seja, a semi-imputabilidade do psicopata, se dá pelo fato de que, segundo estudos da psiquiatria e conforme já demonstramos ao longo desse escrito, não são necessariamente dotados de baixa capacidade intelectual, tendo completo conhecimento quando praticam algum ilícito penal, sabendo distinguir o que é certo do que é errado.
Contudo, são completamente vazios de sentimentos de sensibilidade com a vida, de empatia, possuindo uma forte capacidade de absolvê-los de qualquer sentimento de culpa.
Outra razão para isso é que não existe cura para a psicopatia. Se uma pessoa diagnosticada com essa patologia fosse, no campo do Direito Penal, considerado inimputável, correria o risco de permanecer o resto da vida em um Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, pois muito dificilmente demonstraria capacidade de conviver em sociedade.
Vale lembrar que a medida de segurança, a nosso ver, pode ser equiparada indiretamente a uma prisão perpétua. E, como sabemos, a Constituição Federal de 1988 veda esse tipo de pena.
REFERÊNCIAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal, volume 1: parte geral. 13. Ed. Atual. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
CLECKLEY, Hervey Milton. The Mask of Sanity, 1976. P. 90.
OLIVEIRA e STRUCHINER. Análise da figura do psicopata sob o ponto de vista psicológico-moral e jurídico-penal. Departamento de Direito. PUC-RIO, 2011. Disponível aqui .Acesso em: 04 abr 2020.
SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.
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