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terça-feira, 28 de abril de 2020

Violência doméstica é a 'outra pandemia' que só cresce em meio ao isolamento na América Latina

Na região, o temor é o de que a violência contra as mulheres, que já era prevalente, esteja em uma curva ainda mais crescente.

HuffPost Brasil

By Reuters

27/04/2020



Isolamentos em toda a América Latina estão ajudando a frear a disseminação do novo coronavírus, mas têm uma consequência terrível e inesperada para as mulheres: um pico de ligações em canais de denúncias oficiais indica um aumento de casos de violência doméstica em uma região na qual quase 20 milhões de mulheres e meninas sofrem abusos sexuais e físicos a cada ano.

Em cidades como Buenos Aires, Cidade do México, Santiago, São Paulo e La Paz, famílias e indivíduos estão confinados em casa de maneira inédita, muitas vezes só tendo permissão para sair para comprar itens essenciais ou para emergências.
Procuradores, equipes de apoio a vítimas, movimentos feministas e a ONU (Organização das Nações Unidas) dizem que a medida mais eficaz contra a pandemia causou uma disparada de casos de violência doméstica, e citam um número crescente de chamadas para os canais oficiais de denúncia em vários países - equivalentes ao Disque 180, disponível no Brasil.


REUTERS

Tania Robledo Banda, advogada e chefe da APIS, entidade que acolhe mulheres sob risco de violência doméstica, na sede da organização na Cidade do México.

Em alguns países, como México e Brasil, tem havido um aumento nos relatos formais de abuso, enquanto em outros, como Chile e Bolívia, se vê uma queda nas queixas formais.
Procuradores e a ONU Mulheres disseram que este último fenômeno provavelmente não se deve a uma diminuição da violência, mas ao fato de as mulheres estarem menos capacitadas a pedir ajuda ou denunciar abusos pelos canais normais.
“O salto da violência não nos surpreendeu, é o desencadeamento de uma violência que já estava nas pessoas”, disse Eva Giberti, fundadora do programa Vítimas Contra a Violência da Argentina, que tem um disque-denúncia para as mulheres relatarem abusos. “Em circunstâncias sociais normais, isso estava limitado até certo ponto.”
O serviço de emergência 137 para vítimas de abuso da Argentina, apoiado pelo Departamento de Justiça, viu um aumento de 67% nos pedidos de ajuda em abril na comparação com o ano anterior desde que um isolamento de âmbito nacional foi imposto em 20 de março.
Em um relatório divulgado na quarta-feira passada, a ONU Mulheres disse haver indícios de um aumento da violência contra mulheres no México, no Brasil e na Colômbia e uma duplicação do número de feminicídios na Argentina durante a quarentena, citando um observatório de mulheres de Mar del Plata.
Antes da pandemia, o governo argentino estima que uma mulher era assassinada a cada 23 horas. A violência doméstica “parece ser outra pandemia”, disse Lucía Vassallo, cineasta cujo documentário “Disque 137″ examina a questão.

“Elas não ousam sair”



JOSÉ AMORIM VIA GETTY IMAGES

Na América Latina, o temor é o de que a violência contra as mulheres, que já era prevalente, esteja sendo exacerbado ainda mais.

A preocupação crescente com os abusos domésticos é global, e existe o temor de que as vítimas estejam sendo silenciadas na Itália, que os pedidos de ajuda das mulheres estejam aumentando na Espanha e que os sistemas para evitar o abuso infantil nos Estados Unidos estejam sendo prejudicados pelo isolamento.
Na América Latina, o temor é o de que a violência contra as mulheres, que já era prevalente, esteja sendo exacerbado ainda mais. Ao longo do último ano, a região viu grandes marchas e greves de mulheres contra as agressões e abusos de homens.
“Em uma situação de confinamento, o que está acontecendo é que as mulheres estão trancadas com seus próprios abusadores em situações nas quais têm válvulas de escape limitadas”, explicou Maria-Noel Vaeza, diretora regional da ONU Mulheres, à Reuters. “No ano passado, tivemos 3.800 feminicídios na região, quantos mais teremos neste ano?”
No Chile, a ministra de Assuntos das Mulheres disse que as ligações de denúncia de abusos domésticos aumentaram 70% no primeiro final de semana da quarentena. O governo reforçou os canais de aconselhamento e procurou manter os abrigos para mulheres em risco abertos.

Em uma situação de confinamento, o que está acontecendo é que as mulheres estão trancadas com seus próprios abusadores.
Maria-Noel Vaeza, diretora regional da ONU Mulheres para América Latina e Caribe
Evelyn Matthei, prefeita de Providencia, um bairro de classe alta de Santiago, disse à Reuters que as chamadas para um escritório local que oferece ajuda legal, psicológica e social aumentara ao menos 500% durante o isolamento.
Os relatos formais de violência doméstica, porém, recuaram 40% na primeira metade de abril no Chile, de acordo com a Procuradoria-Geral, o que a ONU e procuradores disseram se dever à restrição de movimentos das mulheres.
“Isto provavelmente tem a ver com o fato de que existe violência dentro de casa, mas que as mulheres não podem sair, elas não ousam sair”, disse Matthei.
No Estado de São Paulo, que é o mais atingido pela pandemia e que impôs medidas de isolamento abrangentes, houve um aumento de 45% nos casos de violência contra mulheres nos quais a polícia foi acionada no mês passado na comparação com o ano anterior, de acordo com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
No México, as queixas de violência doméstica à polícia aumentaram cerca de um quarto em março em relação ao ano anterior, mostraram dados oficiais.
Na Colômbia, as ligações diárias para denunciar a violência doméstica a um disque-denúncia nacional das mulheres aumentaram quase 130% durante os 18 primeiros dias da quarentena, segundo cifras do governo. O isolamento do país foi prorrogado até 11 de maio.

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