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segunda-feira, 20 de abril de 2020

Filha pode recusar prestar cuidados ao Pai idoso e incapaz?

Curatela e Incapacidade
Jusbrasil
Publicado por Priscilla Bueno
19/04/2020

Recentemente foi noticiada a decisão do Juiz de Direito da 2ª Vara de Família de São Carlos/SP, na qual o magistrado decidiu que uma filha pode recursar a ser curadora de seu pai, idoso, incapaz e que necessita de cuidados permanentes, fundamentando seu ato decisório no fato dessa recusar o encargo por afirmar que teria sido abandonada e sofrido agressões do pai, quando criança.

# Entenda o caso concreto:
O pai interditado e dependente de cuidados ininterruptos, tem como suas curadoras duas filhas, ocorre que uma delas ingressou com ação para se desencarregar da curadoria de seu pai, afirmando que em breve faria viagem ao exterior, indicando a permanência da sua irmã, cocuradora, e requerendo a inclusão de sua outra irmã (a que recusa cuidar do pai) para exercer a cocuradoria em seu lugar. No entanto, esta última irmã, a filha que recusa cuidar do pai e assumir a cocuradoria com a 1ª irmã, alega que foi abandonada e sofreu agressões por seu pai, no breve período que conviveu com ele, juntando laudo social que atestava seu sofrimento emocional e trauma pelas condutas de seu pai, para não ser obrigada ao encargo. O juiz considerou o laudo social, entendendo que essa filha não poderia ser obrigada a assumir a incumbência, decidindo que a outra irmã continuará sendo a curadora do interditado.
Após a veiculação dessa decisão em vários portais de notícias jurídicas, me deparei com várias postagens da matéria, em redes sociais, por alguns advogados, inclusive autoridades famosas no direito das famílias, do seguinte teor: “Quem abandonou ou maltratou filhos, depois não pode exigir deles que lhe dê amparo na enfermidade, e na velhice”, de outro: “corretíssimo, o mundo dá voltas! O genitor, que no presente nega afeto, clamará por auxílio no futuro”, além dos comentários nas postagens com teor vingativo e rancoroso, do tipo: “se você planta manga, você não vai colher abacaxi”, “ele esqueceu que ia envelhecer, é a lei da vida, né? Ninguém parte dessa sem pagar sua conta!”, “a lei da vida é implacável, aqui fazemos, aqui pagamos”, dentre outros comentários de mesmo viés.
Diante de tudo isso que li, me veio a seguinte reflexão: Será que é essa a visão do operador do direito de família que deve ser passada à sociedade, isto é, a instigação da vingança familiar? Quer dizer, que se um pai foi ausente ou agressivo com um filho, em sua velhice ele pode esperar pelo abandono e agressividade recíproco de seus filhos, já que quem planta colhe? É justo isso?
Em nossa Constituição Federal, em seu art. , inciso I, há como objetivo fundamental da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade justa e solidária.
Diante dessa norma constitucional, no que contribui para a construção de uma sociedade mais justa e solidária, a instigação da instrumentalização judicial da vingança familiar, pelos operadores do direito das famílias?
Por acaso não é dever da família, da sociedade e do Estado, amparar as pessoas idosas, na defesa do seu bem-estar e do seu direito à uma vida digna e saudável, insculpido na Constituição e no Estatuto do Idoso?
Por outro lado, não é crime abandonar pessoas idosas, com deficiência e incapaz, pelo estatuto da pessoa com deficiência e código penal?
De certo, o ilustre magistrado, sensível à recusa da filha amargurada, prudentemente, não a obrigou a cuidar de seu genitor por ela não nutrir nenhuma afetividade e nem afinidade com seu pai, evitando colocar o idoso incapaz em risco de ir a óbito pelos supostos cuidados de uma filha, que quem sabe poderia até vingar-se, já que quem planta colhe, não é mesmo?
A decisão do ilustre magistrado, no meu singelo e humano ponto de vista, foi correta e prudente, no sentido de ter em suas mãos prova robusta (laudo social) da absoluta ausência de afetividade e afinidade e até mesmo da conduta amargurada e rancorosa da filha, demonstrada nos autos, que se recusa a cuidar de seu pai em provável fase terminal. Portanto, não é nada digno a celebração da satisfação da vingança entre entes familiares pelos operadores do direito de família, pois vingança não é sinônimo de justiça.

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