Por Pedro Marques e Willian Theodoro
Estreou recentemente, na Netflix, em parceria com o The Innocence Project, a série documental The Innocence Files”, traduzido como “DNA da Justiça”.
The Innocence Project é um projeto estadunidense criado por Barry Scheck e Peter Neufeld com intuito de reparar injustiças cometidas em investigações policiais que cominaram em condenações de inocentes nos EUA. O foco do projeto é combater confissões falsas e identificações incorretas de pessoas a partir do exame de DNA, sendo esse o responsável por 28% das pessoas libertadas até o momento.
Tendo um movimento captador de profissionais organizado na Faculdade de Direito Benjamin N. Cardozo na Universidade de Yeshiva, o projeto conta com diversos profissionais e associados, de próprios ex-detentos que foram beneficiados pelo projeto a estudantes de Direito e advogados criminalistas renomados que atuam de forma pro bono.
Tendo um movimento captador de profissionais organizado na Faculdade de Direito Benjamin N. Cardozo na Universidade de Yeshiva, o projeto conta com diversos profissionais e associados, de próprios ex-detentos que foram beneficiados pelo projeto a estudantes de Direito e advogados criminalistas renomados que atuam de forma pro bono.
O projeto recebe por ano milhares de cartas de homens e mulheres encarcerados que se dizem condenados injustamente. Alguns deles estão há décadas buscando comprovar sua inocência. Infelizmente, a capacidade do projeto é de atender apenas 1% das solicitações de ajuda.
Ao contrário do que se possa imaginar, o The Innocence Project não tem como único objetivo reparar injustiças.
Além da missão de devolver a liberdade a inocentes, atua na prevenção de erros, efetivando diversas pesquisas e análises que buscam compreender as espécies dos fatos averiguados e que resultam em condenações injustas. Estes estudos são as bases usadas pelo projeto para opinar a respeito da realização de reformas e projetos de leis que visem a melhorar as políticas de justiça criminal dos EUA.
Hoje, o projeto atua prioritariamente em políticas que contribuam a todas as peças do tabuleiro, buscando que a população tenha maior confiança no sistema penal. Com isso, a partir dos estudos científicos que realizam, são ofertadas ferramentas de trabalho procurando capacitar não só advogados e estudantes de Direito, mas também policiais, promotores e peritos criminais, para que o individuo que venha a ser condenado seja realmente o culpado pelo delito praticado.
Os episódios da serie são informativos, trazem vídeos e fotos reais da investigação policial, documentos periciais e posicionamentos opostos acerca das mesmas perícias. Além disso, trazem os relatos dos familiares das vítimas e a história contada pelos condenados injustamente, que hoje, graças ao trabalho realizado pelo The Innocence Project, estão em liberdade e devolvidos ao convívio familiar.
Os episódios contextualizam e elucidam momentos políticos e sociais vividos nos locais à época dos fatos. O racismo, fortemente presente nas condenações em razão do maléfico estereotipo social de “bandido” criado na sociedade, fica evidente nos primeiros episódios, sendo o percussor do erro judiciário das condenações de Levon Brooks e Kennedy Brewer. Ambos são vítimas da segregação racial enraizada no Condado de Noxubee, no Mississípi.
Nas acusações, ambos presos em Noxubee, em momentos distintos, acusados de crimes idênticos, homicídio contra crianças que continham uma particularidade: marcas de mordidas nos corpos das meninas.
A identificação errônea é feita pelo renomado perito odontológico Dr. Michael West, que cria uma técnica bastante controversa de identificação de arcadas dentárias, porém, em uma espécie de conluio com o Promotor da pequena cidade, suas perícias são fortalecidas e o contraditório é fortemente relaxado pelos magistrados, ou, quando permitido, não é levado a sério.
Graças a iniciativa do The Innocence Project, ambos os presos conseguiram provar suas inocências a partir de novas análises periciais, que resultaram em suas absolvições.
Mas sabemos que não acaba por aí. Mesmo que reconhecido o erro do Estado perante o individuo, ninguém será capaz de devolver o tempo ao injustiçado, a paz a sua família, o convívio aos seus filhos e o respeito por parte da sociedade.
As operações de agentes estatais são motivadas pelo sistema punitivista, que vê a prisão como única opção à redução da criminalidade, o que, convenhamos, é a forma mais simplista e paliativa possível. É o acusar sem ter a certeza, apenas por descargo de consciência da sociedade, aplicando o inexistente in dubio pro societate.
Decorre deste ponto a necessidade de consolidarmos em nosso ordenamento o respeito absoluto da presunção de inocência, da garantia ao contraditório e a ampla defesa. Que saibamos acusar sem destruirmos a vida de alguém que, em seguida, pode ser considerado inocente.
São por casos como os relatados ao longo dos nove episódios da primeira temporada de The Innocence Files que nenhuma das figuras do processo penal, em especial o advogado, pode deixar de assistir esta série.
Acreditar na palavra do seu cliente é pré-requisito de quem atua na esfera criminal, ter a consciência e saber que a sua missão profissional é que está representada na frase de Carnelutti:
A essência, a dificuldade, a nobreza da advocacia é esta: permanecer sobre o último degrau da escada ao lado do acusado.
Assistam, reflitam, repensem.
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