Norma de 1951 que levou o nome do deputado Afonso Arinos enquadrou atos racistas como contravenção. Objetivo velado, porém, não era proteger as vítimas, mas desmontar o crescente movimento negro e impedir a explosão de conflitos raciais no Brasil
A dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham. |
Involuntariamente, há 70 anos, a turnê que a célebre dançarina e coreógrafa americana Katherine Dunham fazia pelo Brasil acabou por interferir nos rumos da história do país. Na noite de 11 de julho de 1950, uma terça-feira, em sua estreia no Theatro Municipal de São Paulo, ela aproveitou o intervalo entre o primeiro e o segundo ato para fazer uma denúncia aos repórteres que cobriam o espetáculo. Revoltada, a artista relatou que, dias antes, o gerente do Esplanada, o luxuoso hotel vizinho do teatro, se recusara a hospedá-la ao descobrir que era uma “mulher de cor”.
O cinco-estrelas paulistano mexeu com a pessoa errada. Além de especializada em danças de origem africana, Dunham era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos —orgulhosa, portanto, de sua pele negra.
O cinco-estrelas paulistano mexeu com a pessoa errada. Além de especializada em danças de origem africana, Dunham era antropóloga e ativista social nos Estados Unidos —orgulhosa, portanto, de sua pele negra.
A denúncia de racismo caiu no país como uma bomba. Primeiro, por ter partido de uma estrela de renome internacional. Depois, porque o Brasil se julgava o mais perfeito exemplar de democracia racial. O Correio Paulistano classificou o episódio de “revoltante incidente”. O Jornal de Notícias, de “odioso procedimento de discriminação”. Para o sociólogo Gilberto Freyre, autor do clássico livro Casa-grande & senzala, aquele “ultraje à artista admirável” fazia o Brasil “amesquinhar-se em sub-nação”.
De todas as reações, de longe a mais contundente partiu do deputado federal Afonso Arinos (UDN-MG). Na segunda-feira seguinte, dia 17 de julho, ele apresentou à Câmara dos Deputados um projeto de lei para transformar determinadas atitudes racistas em contravenção penal.
Pela proposta, quem recusasse hospedagem em hotel, entrada em estabelecimento comercial, matrícula em escola ou contratação em empresa pública ou privada, desde que “por preconceito de raça ou de cor”, poderia ser condenado a pagar multa e cumprir até um ano de prisão.
O projeto de lei avançou ao longo dos meses seguintes sem polêmicas ou grandes debates. A aprovação na Câmara e no Senado foi por unanimidade. Em 3 de julho de 1951, um ano depois do “revoltante incidente” no Hotel Esplanada, o texto aprovado ganhou a assinatura do presidente Getúlio Vargas e entrou em vigor com o apelido de Lei Afonso Arinos.
Foi uma lei histórica. A escravidão havia sido abolida seis décadas antes, em 1888, mas os negros continuavam sendo vítimas de preconceito e ocupando as posições mais baixas da sociedade sem que o poder público se preocupasse com isso. A Lei Afonso Arinos surgiu como a primeira norma destinada a punir e inibir atos racistas.
Os Arquivos do Senado e da Câmara, em Brasília, guardam documentos da época que mostram como os senadores e deputados —e, por tabela, parte da sociedade brasileira— encaravam o racismo. Arinos, na justificativa do projeto de lei, escreveu:
“A tese da superioridade física e intelectual de uma raça sobre outras, cara a certos escritores do século passado, como Gobineau, encontra-se hoje definitivamente afastada graças às novas investigações e conclusões da antropologia, da sociologia e da história. Atualmente ninguém sustenta a sério que a pretendida inferioridade dos negros seja devida a outras razões que não ao seu status social. Urge que o Poder Legislativo adote as medidas convenientes para que as conclusões científicas tenham adequada aplicação”.
Arinos se referiu ao chamado racismo científico. Embora já tivesse mesmo sido derrubado pela própria ciência, ele permanecia arraigado e ainda fazia a cabeça de muita gente, como o deputado Plínio Barreto (UDN-SP), um dos relatores do projeto de Arinos na Câmara. Seu relatório, contudo, foi favorável à aprovação da proposta. Barreto anotou:
“O preto, o índio e o português concorreram para a formação do nosso povo. Queiramos ou não, temos que considerá-los todos nossos antepassados. Raros os que descendemos diretamente, sem mescla de outros sangues, da forte raça lusitana. Temos que aceitar a herança africana com os seus ônus e com as suas vantagens, integralmente, sem possibilidade de renunciar a qualquer das suas parcelas. Biológica e historicamente, o negro é parte essencial do nosso povo. Seja um bem, seja um mal, seja uma coisa que nos orgulhe, seja uma coisa que nos deprima, é essa a realidade”.
Nesse momento, a teoria que estava em voga, substituindo o racismo científico, era a que assegurava que as três raças conviviam no Brasil na mais perfeita harmonia, sem preconceitos, fazendo do país um caso admirável e único no mundo. A livre miscigenação desde os tempos da escravatura seria a melhor prova disso.
O ensaio Casa-grande & senzala, publicado em 1933, ajudou a dar força ao mito da democracia racial. Gilberto Freyre (UDN-PE), que era deputado federal em 1950, discursou na Câmara no mesmo dia em que Arinos apresentou o projeto antirracismo. No pronunciamento, o deputado sociólogo retomou o argumento de sua célebre obra:
—Se é certo que um hotel da capital de São Paulo recusou acolher como hóspede a artista norte-americana Katherine Dunham por ser pessoa de cor, o fato não deve ficar sem uma palavra de protesto nacional nesta Casa. Entre nossas responsabilidades, está a de vigilância democrática. Este é um momento em que o silêncio cômodo seria uma traição aos nossos deveres de representantes de uma nação que faz do ideal (se não sempre da prática) da democracia social, inclusive a étnica, um dos seus motivos de vida, uma das suas condições de desenvolvimento.
O deputado Afonso Arinos vinha de uma tradicional família de políticos. Seu pai, Afrânio de Mello Franco, foi deputado federal, embaixador do Brasil na Liga das Nações e ministro da Viação e Obras Públicas e das Relações Exteriores, entre outros cargos. Seu avô materno, Cesário Alvim, prefeito do Rio de Janeiro, governador de Minas Gerais e ministro da Justiça.
A Câmara dos Deputados marcou a entrada de Arinos na vida política. Depois de dois mandatos, ele foi senador nas décadas de 1960 e 1980 e ministro das Relações Exteriores nos Governos de Jânio Quadros e João Goulart. No Itamaraty, conduziu, em plena Guerra Fria, a chamada política externa independente, de recusa ao alinhamento automático com os Estados Unidos.
O deputado pertencia à União Democrática Nacional (UDN), partido manifestamente elitista e hostil às políticas sociais do getulismo. Na Câmara, em 1954, Afonso Arinos fez o discurso mais violento pela renúncia de Getúlio Vargas. As palavras foram tão duras que ele passaria anos com remorso, sentindo-se culpado pelo suicídio do presidente, ocorrido apenas duas semanas depois. Em 1964, Arinos apoiou o golpe que implantou a ditadura militar.
Como se explica que um político conservador tenha sido o mentor de uma medida de cunho social à primeira vista tão revolucionária? Adversários sugeriram que Arinos havia apresentado seu projeto antirracista com intenções eleitoreiras. O Brasil teria eleições gerais três meses mais tarde, em outubro de 1950, e o deputado buscava reeleger-se. Ele próprio, que no fim das contas conseguiria a reeleição, se defendeu:
—Não é verdade que a iniciativa vise ao apoio do eleitorado negro para renovação do meu mandato. Na qualidade de professor do Instituto Rio Branco, que o fui antes de ser deputado, eu, perante os jovens que se destinavam à carreira diplomática, muitas vezes comentei as dificuldades que se antepunham aos negros para terem aberta diante de si a carreira diplomática. A oportunidade de apresentação do meu projeto deveu-se exclusivamente ao fato escandaloso que os jornais veicularam [o caso Katherine Dunham]. As acusações de demagogia, eleitoralismo e exibicionismo não me intimidam. Estou certo de que venho ao encontro das vozes do sofrimento e das aspirações, muitas vezes conscientes e muitas outras imprecisas e inconscientes, de milhões de patrícios nossos.
Pesquisas acadêmicas recentes desfazem a aparente contradição entre o perfil de Afonso Arinos e o conteúdo de sua lei. De acordo com os estudos, o objetivo central da norma não era exatamente proteger as pessoas de atos racistas, mas sim desmontar o crescente movimento negro e impedir a explosão de conflitos raciais no Brasil. A lei, portanto, beneficiaria os brancos, não os negros, mantendo intocado o status quo.
O doutor em história Walter de Oliveira Campos, autor de uma tese na Universidade Estadual Paulista (Unesp) sobre a Lei Afonso Arinos, explica:
—Esse é um momento em que o Brasil se urbaniza e se industrializa. O processo de desenvolvimento e prosperidade melhora a qualidade de vida de boa parte da população. Muita gente enriquece. Os negros percebem que não estão sendo beneficiados e começam a se organizar para cobrar mudanças. Ao aprovar a Lei Afonso Arinos, o poder público dá a entender que já tomou todas as medidas necessárias contra o racismo e não precisa mudar mais nada. O movimento negro, por esse raciocínio, perderia a razão de existir.
Consciente do racismo velado que regia as relações sociais no Brasil, o ativismo negro começou a se estruturar mais solidamente na década de 1930. Após o silêncio imposto por Getúlio Vargas na ditadura do Estado Novo (1937-1945), a militância voltou com força total na segunda metade da década de 1940. O movimento negro conseguiu levar à Assembleia Nacional Constituinte de 1946 um artigo que proibiria o preconceito por raça, mas, após acalorados debates, ele acabou sendo rejeitado pelos parlamentares e não entrou na Constituição.
Os militantes ganharam um impulso importante em 1948, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, com o voto do Brasil, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz que todos são iguais perante a lei, sem nenhum tipo de discriminação, inclusive por cor ou raça. O mundo acabava de sair da Segunda Guerra Mundial, e a ONU agia para impedir que se repetissem pelo mundo os crimes de cunho racista perpetrados pela Alemanha nazista.
Nessa mesma época, os Estados Unidos e a África do Sul eram regidos por leis racistas e segregacionistas. Os conflitos raciais eram frequentes. Os políticos brasileiros estavam apavorados diante da possibilidade de o mesmo tipo de violência se repetir no país, fomentado pelo movimento negro. Afonso Arinos afirmou que sua proposta, sendo aprovada, poderia evitar “uma verdadeira luta de raças” e garantir “a paz social futura”.
Em 25 de agosto de 1950, durante as discussões na Câmara, o deputado federal Hermes Lima (UDN-DF) propôs que se incluísse no projeto de Arinos a proibição “da formação de ‘frentes negras’ ou de quaisquer modalidades de associação com fins políticos baseadas na cor”. Coincidência ou não, em 26 de agosto começava no Rio de Janeiro o 1º Congresso do Negro Brasileiro, organizado pelo intelectual Abdias Nascimento e seu Teatro Experimental do Negro.
Arinos se manifestou a favor da proibição. Para ele, as organizações negras deveriam ser eliminadas porque alimentariam o racismo dos negros contra os brancos. A emenda de Lima, contudo, não foi aprovada. De acordo com Plínio Barreto, o deputado relator, a ideia era até “louvável”, mas ficaria deslocada dentro de um projeto que tratava da punição de atitudes racistas. Barreto sugeriu que Lima apresentasse um projeto em separado classificando a formação de frentes negras como crime contra a paz pública.
O movimento negro não foi chamado em nenhum momento a participar das discussões da proposta no Senado e na Câmara.
No Senado, um dos relatores do projeto de Arinos foi Alberto Pasqualini (PTB-RS). Em seu relatório, o senador advertiu que a proposta, sendo convertida em lei, corria o risco de virar letra morta:
“O que caracteriza a contravenção é a causa de recusa, isto é, a sua fundamentação em motivos de raça ou de cor. Na prática, entretanto, essa causa poderá assumir formas disfarçadas. O projeto, por exemplo, considera contravenção obstar a alguém o acesso a qualquer ramo das Forças Armadas por motivo de raça ou de cor. O candidato, porém, poderá ser recusado em inspeção de saúde não por esse motivo, mas por possuir dentes em más condições. Num hotel, poderá a gerência alegar que não dispõe de acomodações”.
Pasqualini tinha razão. Até ser revogada, em 1989, a Lei Afonso Arinos nunca saiu do papel. Apesar de os jornais continuarem noticiando episódios de racismo com frequência, praticamente ninguém foi para a cadeia. Por um lado, delegados de polícia e juízes não fizeram a lei valer. Por outro, muitas pessoas negras não denunciaram a discriminação, temendo que a polícia e os tribunais acabassem se voltando contra elas próprias.
Em 1980, por exemplo, a repórter Gloria Maria, da TV Globo, denunciou o gerente que lhe barrara a entrada num hotel de luxo em Copacabana, no Rio de Janeiro. "Negro não entra no hotel", disse ele, segundo reportagens da época. O gerente chegou a ser levado para a delegacia, mas foi liberado após declarar-se inocente e pagar fiança.
Segundo um levantamento do historiador Jerry Dávila, meras 23 pessoas acusadas de transgredir a Lei Afonso Arinos se sentaram no banco dos réus entre 1951 e 1989. Dessas, só seis foram condenadas, por atos como recusar a matrícula em colégio e barrar a entrada em baile por causa da pele negra. Houve ainda um sétimo indivíduo sentenciado, mas por preconceito racial contra um descendente de japonês.
Além da brecha elencada pelo senador Pasqualini, a lei apresentava outras falhas. Os atos racistas foram enquadrados como contravenções, isto é, infrações menos graves que crimes e com punições mais brandas. A prisão, nesse caso, jamais poderia ser em regime fechado. Pela Lei Afonso Arinos, os atos racistas tiveram a mesma gravidade da exploração do jogo do bicho.
Arinos redigiu o projeto às pressas, num fim de semana, para aproveitar a comoção pública provocada pelo escândalo envolvendo a dançarina Katherine Dunham. A afobação se nota nos termos da proposta. A expressão “por preconceito de cor e raça” é repetida à exaustão, aparecendo oito vezes num projeto com nove artigos. Os estabelecimentos comerciais onde não se tolerariam atos racistas são listados de forma quase aleatória: “restaurantes, bares, confeitarias e locais semelhantes, onde se sirvam alimentos, bebidas, refrigerantes e guloseimas”. A lei não faz menção ao uso de elevadores nem a xingamentos com referência à cor da pele.
Em seus quase 40 anos de vigência, a Lei Afonso Arinos também foi enfraquecida pela negação generalizada do racismo. A imprensa brasileira vivia noticiando episódios de racismo explícito ocorridos nos Estados Unidos e na África do Sul. Ao fazer isso, segundo estudiosos do tema, os jornais buscavam mostrar que aqueles, sim, eram países verdadeiramente racistas. Ao mesmo tempo, tratavam os atos racistas praticados no Brasil, a exemplo do caso Katherine Dunham, como meras exceções. Dizia-se inclusive que a discriminação partia mais de imigrantes estrangeiros, que não estariam habituados à harmonia racial do país. A Lei Afonso Arinos, por esse raciocínio negacionista, serviria apenas para disciplinar os casos excepcionais.
—Os filhos da nossa pátria são criados no aconchego da mãe preta. Felizmente, o nosso sentimento de igualdade e de justiça nos coloca numa exemplar posição perante o mundo enquanto assistimos à sobrevivência do racismo entre nações que têm as mais graves responsabilidades na história da nossa época— discursou o senador Attílio Vivacqua (PR-ES) em 1953, por ocasião do segundo aniversário da Lei Afonso Arinos.
Em 1959, recém-empossado senador, o próprio Afonso Arinos subiu à tribuna do Senado para denunciar que casos de racismo estavam se multiplicando por São Paulo impunemente. Ele citou o caso do vitorioso pugilista Luiz Ignácio, mais conhecido como Martelo Negro, que fora proibido de dançar no baile de um clube de Ourinhos (SP) por ser “homem de cor”. O senador Auro de Moura Andrade (PSD-SP) ficou furioso diante da acusação feita ao seu Estado.
— São Paulo jamais praticou qualquer discriminação— rebateu, categórico, Moura Andrade. —São Paulo tem suas portas abertas aos homens de todas as raças. Os da raça negra entram em todos os salões, em todos os clubes, em nossas casas, em nossas salas. Fatos isolados não podem ser entendidos como discriminação, mas como incidentes, que sucedem a todo instante e em qualquer parte. Quando se verificam com homens de raça branca, tomam-se efetivamente como incidentes. Quando se registram entre pessoas de cor diferente, já se invoca a discriminação racial. Essas afirmativas são para deixar claro ao Senado e à nação que não existe discriminação racial em São Paulo. Há incidentes, sempre corrigidos. Tanto é verdade que a lei do nobre senador Afonso Arinos não tem tido oportunidade de aplicação na terra bandeirante e não tem por quê. Será excepcional sua violação em uma unidade habituada a conviver com tantas raças.
A historiadora Monica Grin, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e autora de uma pesquisa sobre a Lei Afonso Arinos, diz:
—A lei foi elaborada para não funcionar mesmo. Ela viria com o objetivo de “restaurar” o poder do mito da democracia racial. Daí ter sido uma lei branda, de eficácia relativa e pouco acionada, como se apenas a sua existência já fosse satisfatória. Com ela, remediavam-se os efeitos mais aparentes do preconceito de cor em situações urbanas, para não tocar nas dimensões estruturais do racismo.
Grin acrescenta:
— A Lei Afonso Arinos produziu um resultado perverso para a luta do movimento negro. Muitos se perguntavam: a ausência de denúncias não seria uma evidência de que não há racismo no Brasil? A crença de que o Brasil era uma democracia racial desencorajava os que tentavam destoar dessa atmosfera ideológica.
Quando o movimento negro ensaiava uma rearticulação, após uma década enfraquecido pela força simbólica da Lei Afonso Arinos, veio o golpe militar de 1964, silenciando o ativismo social. A ditadura encarou as organizações da sociedade civil como focos de subversão e terrorismo.
Foi só com a redemocratização e a atual Constituição, na década de 1980, que o ativismo negro mais uma vez renasceu e o racismo enfim passou a ser encarado com rigor. O foco mudou da punição dos atos racistas para a inclusão social da população negra. Entre as novas leis, estão a das cotas raciais nos vestibulares, de 2012, e a das cotas nos concursos públicos, de 2014.
—Apesar de todas as deficiências que enxergamos hoje, precisamos entender as condições sociais e políticas do Brasil da época que impediam a aprovação de uma norma mais abrangente e eficaz que a Lei Afonso Arinos— explica o doutor em história Walter de Oliveira Campos. —De qualquer forma, temos que reconhecer que a Lei Afonso Arinos foi um divisor de águas Em primeiro lugar, porque foi a primeira vez que o Estado brasileiro admitiu, ainda que implicitamente, que o Brasil é, sim, um país racista. Em segundo lugar, porque, quando surge uma lei que passa a proteger certos direitos humanos, não há como retroceder depois. A Lei Afonso Arinos foi o ponto de partida para todas as leis contra o racismo que vieram depois.
Na mesma época da criação da lei, a ONU patrocinou uma série de estudos sobre a questão negra no Brasil. O objetivo foi descobrir o segredo da tão propalada harmonia racial brasileira, para replicá-la pelo mundo, naquele esforço pós-guerra contra um novo Holocausto. Entre os pesquisadores envolvidos no chamado Projeto Unesco estiveram os sociólogos Florestan Fernandes e Roger Bastide. Uma das conclusões dos estudos, para a surpresa mundial, foi que a tal igualdade racial jamais existira e não passava de engodo.
Afonso Arinos morreu em 1990, aos 84 anos de idade, em pleno mandato como senador pelo PSDB do Rio de Janeiro. Katherine Dunham, em 2006, aos 96 anos.
A reportagem, publicada originalmente aqui, faz parte da seção Arquivo S, resultado de uma parceria entre o Jornal do Senado, a Agência Senado e o Arquivo do Senado brasileiro. Reportagem e edição: Ricardo Westin | Pesquisa histórica: Arquivo do Senado | Edição de multimídia: Bernardo Ururahy | Infográfico: Diego Jimenez | Edição de fotografia: Pillar Pedreira
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