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terça-feira, 28 de julho de 2020

Por que é difícil sentir empatia por alguém que a gente odeia?

É pela compreensão dos sentimentos de outras pessoas que conseguimos nos emocionar com suas histórias. Mas nem sempre é assim.

TAMO JUNTO
Davi Rocha
07/26/2020
No dicionário Michaelis existem 5 definições para a palavra empatia.
  • “Habilidade de imaginar-se no lugar de outra pessoa”
  • “Compreensão dos sentimentos, desejos, ideias e ações de outrem”
  • “Qualquer ato de envolvimento emocional em relação a uma pessoa, a um grupo e a uma cultura”
  • “Capacidade de interpretar padrões não verbais de comunicação”
  • “Sentimento que objetos externos provocam em uma pessoa”
De acordo com a psiquiatra Bruna Campos, médica pela Universidade Federal Fluminense, especializada em psiquiatria da infância e adolescência, empatia não é sentir a mesma vivência do outro porque isso é impossível, mas é a capacidade de enxergar situações como se fosse outra pessoa.
“Por exemplo, você está vendo um filme ou uma notícia ou uma novela com um personagem triste e é capaz de se comover com aquela história. Você se imagina no lugar do outro personagem, pensa no que ele está sentindo. E na vida real você consegue se colocar em situações que acontecem com outras pessoas.”
Vamos nos concentrar nessas definições e relacionar com a pandemia do novo coronavírus. É pela habilidade de imaginar-se no lugar de outra pessoa que nós podemos nos sentir tristes quando vemos uma família chorando por ter perdido um ente querido. Ou por ler uma notícia que diz que o povo indígena está perdendo a batalha contra a doença.
É pela compreensão dos sentimentos de outras pessoas, que não conhecemos, nunca vimos, nem fazemos ideia de quem são, que sentimos uma dor quando lemos o relato desta médica que está na linha de frente contra a covid-19 em Manaus. Tudo isso é sentir empatia pelo outro.
Mas nem sempre é assim. Nem sempre conseguimos nos colocar no lugar do outro. De todos “os outros”, de todas as pessoas do mundo. Vamos a um polêmico exemplo recente. E tenha um pouco de empatia com este texto e não o abandone agora.
Quando o presidente Jair Bolsonaro foi diagnosticado com covid-19 no último dia 7 de julho, milhares de pessoas comemoraram e desejaram que ele perdesse a luta contra o vírus. No Twitter, muitas se manifestaram assim e logo apareceram pessoas dizendo que essas manifestações estavam erradas porque não podemos torcer pela morte de ninguém.
Logo em seguida começou um grande debate sobre a palavra empatia e o termo foi parar nos Trending Topics. Entre as mensagens mais sarcásticas estavam frases como: “o presidente do Brasil tá tentando matar a população brasileira e uma pessoa loira pedindo empatia”, “ama bacurau, mas pede empatia com fascista”, “parabéns pela empatia, você é extremamente superior a todos nós”.
E assim seguiram milhares de tuítes em um longo debate sobre empatia.
Vale lembrar que desde que se tornou figura pública Bolsonaro fez diversas demonstrações de falta de empatia. Desde o começo do enfrentamento da pandemia no Brasil, empatia é algo que ele não demonstra com frequência, muito pelo contrário.
A falta dela é marcante em frases ditas em diversas entrevistas. “Vamos todos morrer um dia” e “E daí? Lamento. Quer que eu faça o quê?” são alguns exemplos de momentos em que o presidente precisou se referir às milhares de vítimas da doença. Além disso, o presidente não se dirigiu à Nação com palavras de conforto em cadeia de rádio e TV, não foi a um enterro de uma vítima, não demonstrou compaixão ou carinho com os brasileiros que lutam com a doença, nem mesmo decretou luto oficial no País pelos mortos (quem o fez foi o Congresso Nacional).
Se você está lendo este post com raiva pois não é obrigado a ter empatia com o presidente, lembre-se que não é a primeira, nem será a última pessoa que passa por isso.
Também podemos citar diversos casos de falta de empatia com políticos em geral. Vale lembrar que os ex-presidentes Lula, Dilma Rousseff tiveram câncer. Michel Temer teve suspeita de câncer. Em todas as ocasiões muitas pessoas torceram por suas mortes. O próprio Bolsonaro expressou publicamente o desejo pela morte de Dilma em 2015. “Espero que o mandato dela acabe hoje, infartada ou com câncer, ou de qualquer maneira”, disse , em entrevista.
Outro caso que se tornou famoso foi o da ex-BBB Marcela. Em 2013, ela postou em seu perfil no Facebook que torcia para que a então presidente Dilma morresse passando mal em seu plantão ou tivesse um fã como John Lennon - o ex-Beatle morreu com um tiro dado por um fã. Neste ano, ela se desculpou sobre o ocorrido em uma live com Manuela D’Ávila, candidata a vice-presidência da República de Fernando Haddad, do PT, em 2018.

Afinal, por que é tão difícil ter empatia por alguém que a gente odeia?

Se você está entre as pessoas que sentem muita dificuldade em sentir empatia por uma pessoa que você despreza, saiba que não está sozinho.
“Existe uma capacidade do ser humano sentir mais empatia por pessoas próximas. Temos mais sensibilidade e facilidade em sermos empáticos com pessoas da nossa família ou que a gente se identifique, por exemplo. E existe uma tendência a sentir menos empatia por quem pensa diferente da gente”, explica Bruna.
Ela afirma que essa capacidade se intensifica quando temos algum julgamento sobre o outro. “Algumas pessoas tendem a ter menos empatia por pessoas que elas têm um julgamento moral. A gente não sente tudo igual”.
É isso que nos leva a ter menos empatia por pessoas criminosas ou corruptas (condenadas ou só acusadas), por exemplo. Também é mais difícil uma pessoa que é a favor de ideias progressistas ter empatia por uma pessoa (ou um grupo de pessoas) que se apropria de ideias mais conservadoras. E vice-versa.
“Como nós somos seres humanos em transformação, imperfeitos, nós temos um lado dual. A gente pode ser muito empático com muitas pessoas e em muitas situações e ter muita dificuldade em desenvolver empatia por essas pessoas diferentes.”
- BRUNA CAMPOS, MÉDICA PELA UFF
Apesar disso, é totalmente possível ter alguma empatia por quem a gente não tem proximidade. Por exemplo, um homem hétero pode ter empatia com um homem gay ou uma pessoa trans. Assim como uma pessoa magra pode ter empatia por uma outra que sofra de gordofobia. Um sujeito sadio pode ter compaixão com um alcoólatra. É possível que um branco tenha empatia pela luta negra contra o racismo. Também é possível uma pessoa de esquerda ter empatia por alguém de direita.
Bruna explica que a empatia tem um componente biológico e ao mesmo tempo há a possibilidade de “treiná-la”.
“Como é uma característica do comportamento humano, vão ter pessoas que naturalmente vão ser mais empáticas e tendem a ter mais empatia. E vão ter pessoas que não vão ter ou vão ter bem pouca empatia. Como quem tem transtorno de personalidade antissocial, pessoas que não apresentam ou apresentam empatia de uma forma muito prejudicada. Tem um componente genético”, detalha Bruna.
“Mas tem uma parte das características e habilidades humanas que podem ser treinadas. Por exemplo, uma criança que é exposta desde muito cedo a pessoas quem tem essa tendência, a olhar para o outro e se preocupar com o outro, tendem a ser pessoas que vão adquirir esse comportamento e ter isso mais desenvolvido”. Ou seja, empatia também pode ser algo de berço.
Nunca é tarde para se colocar no lugar do outro. E ler livros, ver filmes, novelas, vídeos, séries, ouvir podcasts com visões diferentes podem nos ajudar a sermos mais empáticos. Além disso, claro, conviver com pessoas diferentes é um exercício muito poderoso, seja no trabalho, na escola, na universidade ou em grupos de amigos.
“Por exemplo, o quanto os homossexuais sofrem preconceitos no dia a dia. Se esse é um tema que eu nunca tive contato, talvez isso não me afete e eu não tenha um olhar empático. Agora, a partir do momento em que eu vou entrando em contato com o assunto, vou conhecendo a vivência dessas pessoas e tudo que elas sofrem, o traço de empatia que eu já tenho dentro de mim desenvolve uma empatia por aquele grupo de pessoas.”

Empatia é um músculo que precisa ser exercitado

Em entrevista ao podcast do Tamo Junto, a drag queen Abba Cashier nos contou sobre como fazer drag é uma constante descoberta e exercício de empatia. “Uma das primeiras coisas que geram empatia é a dor, quando você faz drag, você sente a dor de usar course, sutiã apertado, salto alto no pé.”
Ela conta que se vestir de drag a fez sentir mais empatia pelas mulheres que usam salto alto, por exemplo. “Eu lembro que depois de começar a me montar mais e tentar me acostumar com a dor do salto e não conseguir que eu comecei a prestar mais atenção na minha colega de trabalho que sempre usava salto para trabalhar.”.
Abba também relata como foi usar minissaia pela primeira vez, o que a fez se colocar em um novo lugar. “Na hora as pessoas resolveram colocar a mão por cima da saia. Porque entenderam que a minissaia é um símbolo que é um convite. ‘Se eu estou usando minissaia, pode vir’. Obviamente, não é assim. A partir desse dia eu olhei para essa situação de maneira diferente”.
Abba é a criadora do projeto DragTherapy, um projeto destinado a pesquisar e promover o uso da arte drag para fins terapêuticos. Em uma palestra realizada no TEDxBlumenau, ela fala que empatia é um músculo que precisa ser exercitado, flexionado e fortalecido.
“A criação da empatia só funciona quando você se esforça. A gente se colocando no lugar do outro, tendo outras perspectivas, conhecendo outras pessoas e usando outras peças de roupa é que a gente consegue sentir um pouco na pele como é. São essas pequenas coisas que a gente pode construir empatia e construir mais consciência para transformar em apoio de uma maneira mais geral.”
- ABBA CASHIER, CRIADORA DO PROJETO DRAGTHERAPY

Um exemplo de empatia na política

Voltando a falar de empatia e política, vale lembrar que não podemos generalizar, nem todo político é um ser que não consegue exercitar a empatia. Em abril deste ano, a Netflix lançou o filme Sérgio sobre o diplomata brasileiro Sérgio Vieira de Mello, interpretado por Wagner Moura. Em entrevista ao HuffPost Brasil, o ator afirmou que apesar do filme ser biográfico, ele ao mesmo tempo trata de empatia.
“Sergio tinha uma forma de fazer política que era muito elevada. Este, para mim, é um filme sobre empatia. Sobre alguém que via as pessoas - não só as mais vulneráveis que a ONU precisava ajudar, mas seus próprios adversários políticos - com muita empatia, muito interesse. Ou seja, para ele, ninguém era estatística. Ninguém era um número ou o cargo que ocupava. As pessoas eram pessoas”, destacou Moura.

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