por: Veronica Raner
Pergunte para qualquer homem do seu círculo íntimo sobre a última vez que ele teve uma conversa profunda com outro homem. Se você é homem, reflita sobre o mesmo cenário. Tire de cena assuntos como futebol, filmes ou memes da internet e pense. É provável que as respostas surjam com dificuldade ou que, talvez, não venham à cabeça tão cedo. Expor sentimentos e ter conversas sobre questões existenciais não costumam figurar os assuntos masculinos. São estigmas presentes na construção do imaginário do “homem com H maiúsculo” criado pela sociedade, aquele que seria fraco demais se se permitisse tamanha vulnerabilidade.
Provocar uma reflexão sobre equidade de gênero e ampliar o debate entre homens sobre as suas próprias fragilidades são algumas das intenções que permeiam rodas de conversa destinadas ao público masculino pelo Brasil. Em tempos de pandemia, principalmente. Desde o começo do isolamento social, iniciativas como as do Memoh as da Brotherhood, em São Paulo, duas rodas de conversa entre homens no Rio de Janeiro e em São Paulo, tentam amenizar os questionamentos psicológicos surgidos antes e durante a quarentena na vida deles. Encontros para conversa que antes eram feitos de forma presencial, passaram a acontecer em espaços online como videochamadas no aplicativo Zoom ou em grupos no WhatsApp.
Provocar uma reflexão sobre equidade de gênero e ampliar o debate entre homens sobre as suas próprias fragilidades são algumas das intenções que permeiam rodas de conversa destinadas ao público masculino pelo Brasil. Em tempos de pandemia, principalmente. Desde o começo do isolamento social, iniciativas como as do Memoh as da Brotherhood, em São Paulo, duas rodas de conversa entre homens no Rio de Janeiro e em São Paulo, tentam amenizar os questionamentos psicológicos surgidos antes e durante a quarentena na vida deles. Encontros para conversa que antes eram feitos de forma presencial, passaram a acontecer em espaços online como videochamadas no aplicativo Zoom ou em grupos no WhatsApp.
“A quarentena tem sido desafiadora para todo mundo. Eu percebo que para muita gente, esse período potencializou todos os processos que estavam sendo vivenciados anteriormente mas que, muitas vezes, eram mascarados. Eu vi muita gente relatando as dificuldades e os desafios do relacionamento, de dividir a casa 100% do tempo com a companheira”, conta Gustavo Tanaka, de 35 anos, escritor e administrador de empresas que fundou a Brotherhood. Ele diz que, nos encontros pela internet, tem ouvido muitos relatos de pais que passaram a perceber a paternidade sobre um outro viés.
“Teve pai dizendo que pela primeira vez estava sendo ‘pai de verdade’ porque estava ficando mais tempo com os filhos porque, normalmente, eles (pais) se viam mais identificados com a função do provedor que saía para trabalhar e voltava no fim do dia. Também falou-se muito sobre os desafios da casa, mas sobretudo sobre os desafios emocionais de aprender a lidar com as emoções, de aprender a lidar com tudo que eles estavam sentindo sem recorrer à bebida alcóolica ou à pornografia como fuga”, comenta. Ele explica que a roda é aberta a qualquer homem de qualquer orientação sexual ou idade, mas que, no momento, a maioria entre dos participantes é formada por homens heterossexuais entre 30 e 50 anos.
Além das rodas de partilha para desconstruir estigmas, a Brotherhood também tem organizado encontros para práticas corporais, como aulas de capoeira. Os encontros regionais, separados por homens de cada cidade onde o projeto atua, costuma reunir de 15 a 30 homens. Os nacionais chegam a ter 120 participantes.
Antes da quarentena, o grupo da Roda de Reis costumava se encontrar no Parque Madureira, na Zona Norte do Rio. Com a pandemia do coronavírus, as conversas passaram a acontecer mais no grupo de WhatsApp que reúne cerca de 80 homens negros em sua maioria das Zonas Norte e Oeste da capital carioca.
“A gente fez um encontro online umas três semanas depois do começo da pandemia. Procuramos direcionar a conversa mais no sentido de cuidado, do que nós temos feito, do cuidado com a nossa família, com a nossa psique, com a saúde mental”, explica o psicólogo Cássio dos Santos, um dos organizadores da roda. Ele explica que, apesar da situação, o momento foi de mais descontração uma vez que no encontros presenciais logo antes do distanciamento social os temas estavam mais focados em tópicos como a violência. “Agora a gente se viu conversando mais sobre como sobreviver sem enlouquecer”, diz.
A rodasurgiu em agosto de 2019 depois que uma parte dos organizadores se conheceu no Memoh, projeto carioca com intuitos semelhantes. Eles perceberam que precisavam debater estigmas mais profundos em questões de raça. “A nossa discussão está muito ligada à vida e à morte, à violência que o racismo da sociedade nos proporciona. A Roda de Reis veio como forma de abrir esse espaço de escuta e de fala entre pessoas negras”, explica.
A questão do cuidado com as relações, expostas tanto por Gustavo quando por Cássio, também foi percebida por Rodrigo Moura, de 33 anos, um dos líderes da Memoh. O fato de parte da população estar dentro de casa, confinado, tem potencializado questões problemáticas de relacionamento e acentuado estigmas ligados a gênero. “Existe uma demanda maior por diálogo mais profundo entre os pares, mais profundo”, diz. Ele pontua que o tempo em casa tem trazido para as conversas reflexões mais francas não só sobre o relacionamento com o outro, mas também consigo. “É uma questão também de olhar para dentro, para o outro e para a sociedade.”
Rodrigo explica que questões de violência e desigualdade de gênero também têm sido mais abordadas, principalmente diante de dados estatísticos que mostram um aumento da violência doméstica durante esse período.
No dia 27 de junho, o projetoHomens Em Conexão organizou seu primeiro encontro online com 108 participantes. A decisão pelo evento interativo veio depois que os organizadores perceberam uma necessidade maior de conversar durante esse período. Havia muitos homens falando de ansiedade, depressão, às vezes até de pensamentos suicidas. Fernando Aguiar, psicólogo de 35 anos e um dos sete homens que formam o conselho diretor do Homens em Conexão, explica que muitos depoimentos vinham no sentido de não saber mais lidar ou com a solidão, para os que moram sozinhos, ou com a divisão do espaço coletivo em tempo integral para os que vivem com suas famílias.
‘Não adianta falar para o homem sobre machismo e patriarcado se ele não foi ouvido na dor de ter que usar ‘armadura’ desde menino’
Em muitos homens você percebia um grau de angústia muito grande e uma falta de lugar para verbalizar isso, que é uma coisa tão simples de fazer, de você ter alguém com quem você tenha intimidade emocional para se sentir a vontade de dizer: ‘olha, está difícil.’ Porque, no geral, os homens não têm essa pessoa. Normalmente, a única pessoa é a parceira ou o parceiro. Só que, às vezes, é o parceiro ou a parceira que está dando problema e a dificuldade está na relação. A gente queria oferecer para os homens esse espaço de intimidade emocional.
Os 108 participantes foram separados em subgrupos menores organizados por facilitadores do projeto. A intenção é que eles fiquem em contato ativo até o próximo encontro presencial organizado por eles. Fernando acredita que rodas de conversa entre homens sejam importantes para a desconstrução de valores machistas e patriarcais, mas com atenção às necessidades emocionais e à desconstrução de estigmas sociais que impõem aos homens essa ideia de que eles não podem ser vulneráveis, emotivos ou ‘fracos’.
“Não adianta falar para os homens sobre machismo e patriarcado se ele não foi ouvido ainda na dor que ele tem de ter que usar essa ‘armadura’ desde menino e não poder tirar nem para estar com as pessoas que ele mais ama. Porque, para ser homem, (a sociedade diz que você) tem que carregar essa armadura e aguentar. E aí, quando alguém vira para o cara e fala dos privilégios dele, o cara não vai querer saber. ‘Como assim? Ninguém ouviu minha dor e ainda quer que eu olhe para dor do outro?’ Quando os homens se sentem seguros para tirar essa armadura, eles começam a se abrir para fazer contato com a dor dos outros, das outras, das pessoas que normalmente a gente vê como as mais afetadas pelo patriarcado e pelo machismo”, reflete Fernando sobre os estigmas.
Para o antropólogo e professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) Osmundo Pinho, as rodas são importantes para que homens reflitam sobre suas próprias existências e percebam a influência do conceito social de masculinidade tóxica taxado pelo senso comum. Porém, as rodas, apenas, não bastam, principalmente se considerarmos as diferentes camadas sociais e econômicas que colocam os homens brasileiros em diferentes realidades.
“É uma tarefa de longa duração. É preciso, eu acredito, encarar abordagens mais interseccionais que não considerem o homem apenas como esse sujeito abstrato mas um homem que tem uma classe social, uma raça, uma posição regional no espaço da nação. Políticas universalistas de acesso a educação combinadas a políticas afirmativas teriam efeitos mais amplos”, opina.
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