Diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, Jurema Werneck estreia como colunista de Marie Claire prestando homenagem a todas as mulheres que lutam por um país melhor: "A superação, ainda que precária, de tantas injustiças e desigualdades, não teria sido possível se muitas não tivessem arregaçado as mangas e se colocado na linha de frente. No entanto, seus nomes costumam desaparecer dos livros, das homenagens, e mesmo de nossa memória coletiva", diz ela
JUREMA WERNECK
ESPECIAL PARA MARIE CLAIRE
17 JUL 2020
No dia 24 de junho, a ativista e intelectual Sueli Carneiro completou 70 anos. Em isolamento social evitando a Covid-19, Sueli recebeu várias homenagens feitas à maneira destes tempos, na tela do computador. Em uma das lives, ela lembrou que o cotidiano de quem entra em ação para a defesa de direitos é árduo. Disse Sueli: “Militantes não costumam ser festejados, mas perseguidos, criminalizados, desqualificados” e, completou, assassinados. Foi o que aconteceu com Marielle Franco, a quinta vereadora mais votada do Rio, morta aos 39 anos.
Mulheres ativistas liderando ações coletivas não são novidade no Brasil. A superação, ainda que precária, de tantas injustiças e desigualdades, não teria sido possível se muitas não tivessem arregaçado as mangas e se colocado na linha de frente. No entanto, seus nomes costumam desaparecer dos livros, das homenagens, e mesmo de nossa memória coletiva. Suas vozes e ações não encontram o eco necessário num país marcado pelo racismo patriarcal heteronormativo, que demora em garantir a igualdade de direitos para quem não é branco, não é homem cisgênero nem heterossexual. Mulheres potentes são um combustível de esperança em dias melhores e sociedades mais justas, sabemos. Sobretudo quando somos negras e indígenas, quilombolas, faveladas, transexuais, quando somos aquelas que precisam mover o mundo a partir das margens. Somos desafiadas a romper tantas barreiras para construir, apoiadas nos ombros umas das outras, o nosso protagonismo. Em pleno século XXI, com a farta oferta de informações, os movimentos de afirmação conseguiram, ao menos, denunciar injustiças em alto e bom som e não há quem encontre evidências para contestá-las, mas ainda neste momento é difícil (re)conhecer e homenagear as que construíram o que temos hoje
Mulheres ativistas liderando ações coletivas não são novidade no Brasil. A superação, ainda que precária, de tantas injustiças e desigualdades, não teria sido possível se muitas não tivessem arregaçado as mangas e se colocado na linha de frente. No entanto, seus nomes costumam desaparecer dos livros, das homenagens, e mesmo de nossa memória coletiva. Suas vozes e ações não encontram o eco necessário num país marcado pelo racismo patriarcal heteronormativo, que demora em garantir a igualdade de direitos para quem não é branco, não é homem cisgênero nem heterossexual. Mulheres potentes são um combustível de esperança em dias melhores e sociedades mais justas, sabemos. Sobretudo quando somos negras e indígenas, quilombolas, faveladas, transexuais, quando somos aquelas que precisam mover o mundo a partir das margens. Somos desafiadas a romper tantas barreiras para construir, apoiadas nos ombros umas das outras, o nosso protagonismo. Em pleno século XXI, com a farta oferta de informações, os movimentos de afirmação conseguiram, ao menos, denunciar injustiças em alto e bom som e não há quem encontre evidências para contestá-las, mas ainda neste momento é difícil (re)conhecer e homenagear as que construíram o que temos hoje
Suas vozes e ações não encontram o eco necessário num país marcado pelo racismo patriarcal heteronormativo, que demora em garantir a igualdade de direitos para quem não é branco, não é homem cisgênero nem heterossexual
Agora, diante de perdas imensas, em que a morte é retratada em grandes números e a dor, esta dor que sentimos, é inumerável, olhamos para essas mulheres para lembrarmos que a vida e a luta sempre continuam. São elas as que nos inspiram e empurram e que nos conectam com a história de outras. Com elas e pelas mãos delas, inicio este espaço. Peço licença para citar alguns nomes, como um convite para que você faça o mesmo e ligue novos pontos, preenchendo este fio de memória e homenagem, honrando outras mulheres tão potentes quanto as que trago aqui. Saúdo Anazir Maria de Oliveira (Dona Zica), de 87 anos, que, a partir da Vila Aliança, região com os mais baixos indicadores sociais do Rio, segue atuando em favor das trabalhadoras domésticas e de quem vive nas favelas. Saúdo Maria do Nascimento, a Mãe Meninazinha de Oxum, que completará 83 anos, yalorixá do Ilê Omulu Oxum, herdeira das famosas tias baianas que marcaram a história cultural do Rio no início do século XX, sendo Tia Ciata a mais famosa. Saúdo Conceição Evaristo, de 73 anos, uma das mais importantes escritoras brasileiras, que escala a voz e a história das mulheres negras a patamares elevados. Saúdo Nilma Bentes, 72 anos, que segue à frente do Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará, que fundou há 40 anos, liderando a luta contra o racismo na região Norte e em todo o país. Saúdo Nilza Iraci, 70 anos, que, ao lado de Sueli Carneiro, criou e lidera o Geledés - Instituto da Mulher Negra, em São Paulo. Saúdo Zélia Amador de Deus, nascida na Ilha do Marajó e prestes a completar 69 anos, uma das fundadoras e líderes do Cedenpa, professora emérita e ex-vice-reitora da Universidade Federal do Pará. Por cada uma delas e por meio delas, homenageio muitas, inclusive aquelas cujos nomes me escapam.
São elas as que nos inspiram e empurram e que nos conectam com a história de outras
A discriminação, a exclusão e a esperança em dias melhores impulsiona a vida e a trajetória de todas essas mulheres – e me incluo entre elas. Muitas outras, fora destas páginas, são protagonistas em suas realidades. O mundo está sofrendo e, com ele, todas nós, mas, entre nós, algumas carregam o fardo mais pesado. É preciso que continuem, mas que possam ter o apoio de muitas mais. Nossos ombros, nossas mãos, nossos compromissos precisam resultar em melhores condições para todas e não apenas para algumas entre nós. Seguiremos juntas?
Jurema Werneck é ativista negra, médica pela UFF e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ. fundou a ONG Criola e é Diretora- Executiva da Anistia Internacional Brasil
(@juremawerneck)
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