As brigas sobre quem faz as tarefas domésticas durante o lockdown viraram assunto de debate público na Índia, escreve Geeta Pandey, da BBC em Nova Déli.
O trabalho doméstico na Índia geralmente envolve trabalho pesado. Ao contrário de algumas regiões do Ocidente, poucas casas indianas estão equipadas com máquinas de lavar louça, aspiradores de pó ou máquinas de lavar.
O trabalho doméstico na Índia geralmente envolve trabalho pesado. Ao contrário de algumas regiões do Ocidente, poucas casas indianas estão equipadas com máquinas de lavar louça, aspiradores de pó ou máquinas de lavar.
Isso significa que a louça deve ser lavada individualmente, as roupas devem ser lavadas em baldes ou tanques e penduradas para secar, e as faxinas nas casas devem ser feitas com vassouras e panos. Além disso, também é preciso cuidar de crianças, idosos e pessoas enfermas.
Em milhões de lares de classe média, o trabalho doméstico é delegado à ajuda doméstica contratada: cozinheiras, lavanderias e babás. Mas o que acontece quando não se pode contar com essa ajuda porque há um confinamento nacional devido ao coronavírus?
A resposta é discórdia e briga — e, em um caso singular, uma petição para que o primeiro-ministro do país, Narendra Modi, intervenha.
"O cabo de uma vassoura vem impresso com as palavras: 'para ser usada apenas por mulheres'?", pergunta a petição, publicada no site change.org.
"E o manual da máquina de lavar ou do fogão a gás? Então por que a maioria dos homens não faz a sua parte no trabalho doméstico?"
A autora da petição, Subarna Ghosh, que estava cansada de ter que cozinhar, limpar e lavar a roupa enquanto tentava trabalhar de casa, quer que o primeiro-ministro "trate da questão em seu próximo discurso" e "encoraje todos os homens indianos a fazerem sua parte na divisão igualitária do trabalho doméstico".
"É uma questão fundamental, por que mais pessoas não falam sobre isso?", ela escreveu.
A petição de Ghosh reuniu quase 70 mil assinaturas — um reflexo da escala da desigualdade de gênero nas residências da Índia.
De acordo com um relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2018, as mulheres na Índia urbana passavam 312 minutos por dia em trabalhos de assistência não remunerado. Homens passavam apenas 29 minutos. Nas aldeias, eram 291 minutos para as mulheres e 32 minutos para os homens.
Na casa de Ghosh, em Mumbai, não foi diferente. A petição, disse ela à BBC, surgiu de "minhas próprias experiências de vida e também de muitas mulheres ao meu redor". O fardo do trabalho doméstico sempre era dela, disse. "Eu cozinho, limpo, arrumo camas, lavanderia, dobro roupas e tudo mais."
O marido dela, banqueiro, "não é do tipo que ajudava nas tarefas domésticas", disse ela. O filho e a filha adolescentes às vezes entram em cena.
Ghosh, que administra uma instituição de caridade que trabalha com justiça reprodutiva, disse que a expectativa de que ela fosse a pessoa a se comprometer mais com o trabalho doméstico foi muito maior durante o confinamento.
"Meu trabalho sofreu, pelo menos em abril, o primeiro mês de lockdown. Eu estava exausta o tempo todo, estava cansada todos os dias. Nossa dinâmica familiar mudou. Eu definitivamente reclamei muito. E quando reclamava, as pessoas diziam: 'Então não faça '."
Ghosh seguiu o conselho deles: durante três dias, no início de maio, ela não lavou a louça ou dobrou a roupa.
"A pia estava transbordando de louça não lavada e a pilha de roupas ficou cada vez maior", disse ela.
O marido e os filhos se deram conta da situação — e de como Gosh estava contrariada — e limparam a bagunça.
"Meu marido começou a me ajudar nas tarefas. Ele entendeu que eu estava muito afetada, que isso estava me incomodando muito", disse ela. "Mas nossos homens também são vítimas dessa cultura na sociedade. Eles não foram educados para realizar tarefas domésticas. Eles exigem um pouco de mão de obra".
Isso porque na Índia, como em muitas outras sociedades patriarcais, as meninas são preparadas desde jovens para serem donas de casa perfeitas. É dado como certo que o trabalho doméstico é de sua responsabilidade e, se elas saíssem e conseguissem um emprego, teriam que fazer uma "jornada dupla", administrando o lar e o trabalho.
"Quando era criança, sempre fui eu que tinha que fazer as tarefas domésticas, trabalhar na cozinha e ajudar minha mãe", escreveu uma mulher, Pallavi Sareen, quando pedi a amigos e colegas no Facebook suas histórias sobre a divisão de trabalho doméstico. "Meu irmão nem serve o almoço", disse ela.
A maioria dos que responderam dizendo que suas casas eram neutras em termos de gênero moravam fora da Índia ou tinham se casado com homens que passaram algum tempo no Ocidente. As histórias mais locais eram diferentes.
"O trabalho doméstico ainda é considerado o trabalho de uma mulher", escreveu Upasana Bhat. "Mesmo se os homens oferecerem ajuda, quantos o farão se o casal viver com os sogros? Isso seria algo realmente progressivo. Conheço mulheres cujos maridos ajudam, mas não conseguem levantar um dedo na cozinha quando seus pais os visitam."
De acordo com um relatório da Oxfam, mulheres e meninas indianas executam mais de três bilhões de horas de trabalho não remunerado diariamente. Se lhe fosse atribuído um valor monetário, acrescentaria trilhões de rúpias ao produto interno bruto da Índia.
Mas, na realidade, o custo do trabalho doméstico raramente é calculado. É visto como algo que uma mulher faz por amor.
Ao crescer, Ghosh pensou de maneira diferente. Ela via a mãe e as tias fazendo todo o trabalho doméstico e pensava: "De jeito nenhum eu vou ser assim".
Quando se casou, as dificuldades nos trabalhos domésticos foram parcialmente ocultas devido à presença de ajuda doméstica, levando a um falso senso de igualdade em casa. "A ajuda doméstica também ajuda a manter a paz em nossas casas", disse ela. "As tarefas estão resolvidas e parece que está tudo bem."
Mas o confinamento colocou a família frente a frente com a labuta diária de tarefas domésticas e com a desigualdade que havia sido "escondida debaixo do tapete".
"O lockdown tornou esses abismos mais flagrantes", disse Ghosh. "Também me deu a oportunidade de olhar esse problema nos olhos e expor essa desigualdade".
Então, ela começou a fazer a petição para o primeiro-ministro.
As mulheres com quem falou no bairro disseram que estavam igualmente frustradas com o trabalho doméstico, mas a maioria achou ridícula a ideia de que seus maridos ajudariam na casa.
"Muitas me perguntaram: 'Como ele poderia cozinhar ou limpar?' Muitas, na verdade, elogiavam seus maridos por serem educados. Diziam: 'Ele é muito gentil, qualquer coisa que eu cozinho ele come sem reclamar'. "
A questão estava tão perto de casa que era difícil de enfrentar, disse Ghosh.
"Quando é seu próprio pai, irmão ou marido, como você os questiona? Mas o que é pessoal também é político, então eu preciso falar sobre isso, mas também tenho que bancar a boa esposa."
Quando Ghosh disse ao marido que estava iniciando uma petição, ele foi "muito favorável", conta ela.
"Os amigos zombaram dele. Eles perguntaram: 'Por que você não fez algumas tarefas domésticas? Olha, agora sua esposa foi e apresentou petição ao Modi!'"
"Mas ele mandou bem", disse ela, rindo. "E dizia a eles: 'Porque mais homens ouvem o primeiro-ministro do que ouvem suas próprias esposas'."
A petição de Ghosh também foi criticada por muitas pessoas em redes sociais. Muitos a repreenderam por incomodar o primeiro-ministro com "um assunto frívolo".
"Algumas pessoas me escreveram dizendo que as mulheres indianas precisam fazer o trabalho doméstico. Sim, nós temos, mas onde estão os homens?"
Perguntei-lhe se ela achava que Modi falaria sobre tarefas domésticas.
"Estou esperançosa", disse ela. "Modi tem uma enorme base de apoio entre as mulheres, então ele deveria falar sobre uma questão importante para as mulheres. Quando a estação das chuvas começou, ele falou sobre tosse e resfriado, então por que ele não pode falar sobre igualdade de gênero?"
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