No estudo da vitimologia, estuda-se a vitimização em 03 (três) graus, que na verdade são momentos em que a vítima vive e revive o trauma do crime sofrido.
A vitimização primária
Ocorre quando a vítima está sofrendo o crime.
A vitimização secundária
Ocorre quando o Sistema de Justiça intensifica o trauma sofrido pela vítima, seja por meio de perguntas ou abordagens invasivas e práticas abusivas. A vítima revive a memória traumática, de maneira cruel, pelo tratamento do Estado à vítima.
A vitimização terciária
Ocorre quando o meio social, comunitário e familiar culpam e estigmatizam a vítima por aquela situação sofrida. É o infame “ela mereceu” ou “deu brecha”. Bom frisar que, nos crimes sexuais, a roupa da vítima não é elemento a ser tratado na dosimetria da pena, no momento do exame do comportamento da vítima, haja vista que o modo de se vestir é direito de cada um, não podendo servir isso como um incentivo ou se por como vítima de um crime sexual.
Na série “Inacreditável”, da Netflix, destaca-se a vitimização secundária (também conhecida com revitimização). Trata-se da história de Marie Adler, adolescente, vítima de estupro, que tem sua versão apontada como mentira, sob juízos machistas das autoridades de investigação.
Outro ponto de destaque é que Marie, a vítima, não era vista como uma pessoa em uma situação vulnerável, mas apenas buscar o criminoso, e para tanto perguntas constrangedoras eram feitas de maneira mais fria (e diversas vezes).
Marie teve que ir diversas vezes prestar depoimento, na data marcada pelas autoridades, independentemente de sua recuperação e assimilação de todo evento sofrido. Além disso, não havia qualquer acompanhamento psicológico ou sensibilidade ou empatia dos profissionais da Justiça Criminal, ao ponto de sentirmos que o próprio Estado estaria comentando outro crime contra Marie.
O cenário no Brasil não é tão diverso assim, e por isso, há previsão legal de alguns dispositivos que visam atenuar ou evitar a revitimização provocada pelo Sistema de Justiça. Nesse sentido, a Lei nº 13.505/2017, fixou como diretriz, no âmbito de violência doméstica e familiar: a não revitimização da depoente, evitando sucessivas inquirições sobre o mesmo fato, bem como questionamentos sobre a vida privada.
Ademais, a Defensoria Pública (artigo 28 da Lei Maria da Penha) tem destaque e previsão em atender toda mulher em situação de violência doméstica e familiar, por meio de atendimento multidisciplinar. Outro instituto interessante é alcunhado “depoimento sem dano”, trazido pela Lei nº 13.431/2017, com o intuito de evitar revitimização de vítimas ou testemunhas crianças ou adolescentes.
A lei usa o termo “depoimento especial”, e traça um procedimento especial na inquirição da testemunha ou vítima criança/adolescente, com a participação de um profissional especializado (psicólogo, por exemplo), funcionando-o como um filtro no modos como são feitas as perguntas à vítima ou testemunha, no intuito de minorar os danos já sofridos pelo crime.
Por fim, é preciso olhar a vítima como um ser humano que passara por um evento traumático, e respeitar seu próprio tempo e vontade no decurso do processo penal. A Busca incessante pela tão alcunhada “verdade real”, pela elucidação do crime, muitas vezes relega á vítima uma condição de objeto de prova, e não como pessoa.
Nenhum comentário:
Postar um comentário