Na fase de negociações, a representação brasileira alinhou-se a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita
17/07/2020
Adriano Maneo
São Paulo, SP
O Brasil decidiu se abster nesta sexta (17) na votação de um relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação contra mulheres e meninas.
A resolução, que busca estabelecer parâmetros para eliminar o preconceito, foi proposta pelo México e orienta os Estados a tomarem medidas para solucionar o problema, incluindo possíveis impactos da pandemia sobre as mulheres.
Na fase de negociações, a representação brasileira alinhou-se a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita. O Brasil sugeriu mudanças ao texto em conjunto com esses países – mas durante a fase de votação de emendas preferiu se abster.
Na fase de negociações, a representação brasileira alinhou-se a nações ultraconservadoras como Egito, Paquistão e Arábia Saudita. O Brasil sugeriu mudanças ao texto em conjunto com esses países – mas durante a fase de votação de emendas preferiu se abster.
Rússia, Egito e Arábia Saudita sugeriram cinco emendas ao relatório final. Elas suprimiriam as orientações para que os países reconheçam jovens defensoras de direitos humanos, promovam a educação sexual universal, garantam os direitos reprodutivos, assim como o acesso aos serviços e à informação sobre saúde sexual e reprodutiva durante a pandemia do novo coronavírus.
A maior parte dos países votou contra, e nenhuma delas foi aprovada. O Brasil se absteve nas cinco oportunidades, inclusive na votação de emenda russa que incluía sugestão dada pela própria delegação brasileira durante as negociações.
A emenda propunha a supressão de um trecho que orienta os Estados a garantir acesso a informações e serviços de saúde sexual e reprodutiva na resposta à pandemia.
Ao deixar de votar, o Brasil se juntou a Líbia, Congo e Afeganistão, entre outros países ultraconservadores em questões de gênero.
Segundo Camila Asano, diretora da Conectas Direitos Humanos, o Itamaraty tentou “se esconder atrás da estratégia de abstenção”.
O problema é que, segundo ela, a abstenção em tanto peso prático – já que influencia o resultado se o placar for apertado – quanto simbólico.
“A diplomacia de Bolsonaro passou vexame duplo. Fracassou no seu objetivo de barrar a resolução e condenou o Brasil a ficar nos registros históricos da ONU como país que se absteve junto com Líbia, Afeganistão e Qatar em votações sobre direito das mulheres”, afirmou Asano.
Na fase de negociações, o Brasil também se juntou a países ultraconservadores e pediu a eliminação de três parágrafos inteiros.
Em um deles, o país se juntou à Rússia contra trecho que reafirma que o acesso das mulheres aos direitos humanos inclui “direitos e saúde sexual e reprodutiva, livre de coerção, discriminação e violência.”
Em outro, se juntou a Egito, Paquistão, Nigéria, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita, Suazilândia, e Indonésia para ir contra o reconhecimento de que os “indívíduos têm múltiplas identidades, atributos e comportamentos”, e que isso resulta em diferentes tipos de discriminação, aumentando a vulnerabilidade das mulheres.
No terceiro item, alinhou-se a Egito, Paquistão, Iraque, Bangladesh, Rússia, Bahrein, Arábia Saudita e Qatar pedindo a eliminação do reconhecimento de diversos direitos das mulheres em relação à contracepção, ao aborto (em países que ele é permitido por lei) e a programas de prevenção a gravidez e doenças sexualmente transmissíveis.
As sugestões brasileiras não obtiveram sucesso, e nenhum dos três parágrafos foi excluído do texto final do relatório.
Um deles chegou a ser modificado, mas, em vez de ser excluído, teve seu alcance ampliado.
Com as emendas derrubadas, o relatório foi adotado por consenso.
Nas considerações finais, Sérgio Rodrigues, representante da missão permanente do Brasil junto à ONU, afirmou que a luta contra a discriminação contra mulheres e meninas é uma prioridade para o governo brasileiro, e que a resolução ressalta a importância de abordar as “múltiplas formas interconectadas de discriminação”.
Rodrigues elogiou ainda o destaque dado ao papel fundamental das famílias no texto final e reiterou a posição do país em relação à linguagem sobre saúde sexual e reprodutiva.
“Em nenhuma circunstância, o texto deve ser interpretado como promoção e apoio ao aborto como método de planejamento familiar”, afirmou.
“O Brasil promove políticas de saúde sexual e reprodutiva integrais, dentro da estrutura bem estabelecida na legislação nacional”, completou.
No ano passado, a Folha revelou que diplomatas receberam instruções oficiais do comando do Itamaraty para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem “o entendimento do governo brasileiro de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino”.
A teoria de gênero estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais, e não apenas determinações biológicas. Já para segmentos da direita, a “ideologia de gênero” é um ataque ao conceito tradicional de família.
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