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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Após articulação contra portaria que limita aborto legal, Pazuello dará explicações ao Senado

Norma editada pelo Ministério da Saúde obriga médico a notificar a polícia e oferecer ultrassom para vítima de estupro ver o feto antes de decidir pelo aborto.

By Andréa Martinelli / Marcella Fernandes

HuffPost Brasil

17/09/2020

Após pressão de parlamentares, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, participará de uma reunião fechada por vídeo conferência com integrantes do Senado Federal na tarde desta, quinta-feira (17) para esclarecer a Portaria Ministerial 2.282, publicada em 27 de agosto pela pasta, que cria novas regras que dificultam o acesso ao aborto legal no País.

A reunião havia sido marcada para a semana passada, porém, foi adiada. A mudança ocorreu a pedido de parlamentares devido às convenções partidárias para escolha de candidatos na última semana, que levou a uma redução nas atividades legislativas.

Segundo fontes ouvidas pelo HuffPost Brasil, o ministro deve ser questionado sobre o trâmite de aprovação da portaria, entre os questionamentos, estão: especificar quais áreas técnicas foram envolvidas na elaboração da norma, quais foram as evidências e as justificativas para tal e se o Conselho Nacional de Saúde foi consultado pela pasta.

O líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), afirmou ao HuffPost Brasil que “o ministro [da Saúde] está muito aberto a sugestões”,  mas disse que era preciso aguardar a definição de possíveis mudanças no texto.

ANDRESSA ANHOLETE VIA GETTY IMAGES
Após pressão de parlamentares, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, participará de uma reunião fechada no Senado Federal.

Embora haja uma expectativa tanto da bancada feminina no Congresso quanto de especialistas no tema de que o Ministério da Saúde suspenda a portaria, o órgão informou ao HuffPost, por meio de nota, que não há previsão para revisão da norma. 

A pasta sustentou que as medidas em vigor desde o dia 27 de agosto devem permanecer, pois “visam ajustar normas técnicas à legislação atual, garantindo, assim, segurança jurídica aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento”.

Ministério argumentou, ainda, que a portaria atualiza norma de 2017 do Ministério da Saúde, se adequando às diretrizes da Lei Federal nº 13.718 de 2018, conhecida como “lei da importunação sexual” e que pede a regulamentação de protocolos internos.

“O objetivo é reduzir o número de casos de violência sexual contra mulheres e crianças e apoiar as autoridades policiais na identificação dos responsáveis, garantindo a segurança e proteção de pacientes com indícios ou confirmação de abuso sexual”, diz a nota.

A portaria obriga a notificação do estupro à autoridade policial, estabelece que a equipe médica informe a gestante sobre a “possibilidade de visualização do feto ou embrião por meio de ultrassonografia” e insere, no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido o que entende ser o “detalhamento dos riscos da realização da intervenção por abortamento”.

Postura do ministério mostra resistência a uma pressão de parlamentares para que a própria pasta recue. No Congresso, há também a possibilidade de votar uma proposta que derrube a norma, além do julgamento de duas ações que pedem a suspensão da portaria no STF (Supremo Tribunal Federal) com início marcado para o próximo dia 25.

De acordo com profissionais da saúde e do direito, o texto promove uma inversão na função dos profissionais de saúde, que atuariam como profissionais de segurança pública. Esse tipo de entendimento promove a revitimização da vítima de estupro e pode desencorajar ainda mais a procura por ajuda.

A nova versão do termo de consentimento enumera uma série de riscos do procedimento e da forma como foi escrita é considerada parte de uma “estratégia de coação de meninas e mulheres a não realizarem um aborto”, de acordo com a ADPF (ação de descumprimento de preceito fundamental) que contesta a norma no STF.

Isso porque há um superdimensionamento dos riscos ao não informar a frequência em que ocorrem nem os perigos decorrentes de prosseguir com a gestação, especialmente para crianças e adolescentes.

A norma foi editada no mesmo mês em que ganhou repercussão nacional a história de uma menina de 10 anos vítima de violência sexual que enfrentou diversas barreiras para conseguir interromper a gravidez resultado de agressão.  

Congresso quer derrubar portaria, mas visa diálogo com a pasta

LUIS MACEDO/CÂMARA DOS DEPUTADOS
Coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Professora Dorinha (DEM-MS).

Após a reação da bancada feminina contra a portaria nas últimas semanas, integrantes do Executivo e lideranças governistas tentaram colocar panos quentes. Foi prometida uma reunião com a bancada, mas ela não chegou a se concretizar e não há previsão. 

Ao HuffPost, a coordenadora da bancada feminina na Câmara, deputada Professora Dorinha (DEM-MS), manteve a posição de que se caso a norma não fosse suspensa pela pasta e não houvesse uma abertura de diálogo com a bancada, as parlamentares apoiariam a proposta o PDL (Projeto de Decreto Legislativo), que anula a portaria. A deputada, inclusive, já entregou um ofício a Rodrigo Maia para que o PDL entre na pauta. 

“A Secretaria da Mulher da Câmara já se posicionou com uma proposta de um novo texto [da portaria] enviada ao governo para abrir um diálogo. Fizemos essa provocação para que a gente possa construir caminhos para que a portaria seja alterada. O documento apresentado tem a intenção de abrir uma discussão e alterar o texto.”

A deputada estranhou a posição do ministério enviada ao HuffPost de que “não há previsão para a revisão da norma” e disse que o ministro Pazuello se mostrou “aberto ao diálogo” sobre a questão. Ela afirma que há um caráter de urgência em alterar a portaria, em especial, porque já está em vigor desde o dia de sua publicação.

“O próprio ministro tem mostrado vontade de ouvir, é obrigação ouvir não só parlamentares, mas especialistas no tema. A portaria traz elementos muito graves e questionáveis. É um tema sensível e o bom senso chama para a possível discussão, para o debate. A bancada feminina é diversa. Essa não é uma questão sobre direita, esquerda. Todos têm o mesmo objetivo, a proteção da mulher, da criança.”

Porém, na avaliação da ala mais progressista da bancada feminina, as três alterações realizadas pelo Ministério da Saúde são de extrema gravidade e não faria sentido somente alterar a portaria, mas sim, ter a sua total revogação, assim como pede o PDL.

Em uma outra frente, a deputada Lídice da Mata (PSB-BA) está recolhendo assinaturas para um requerimento de urgência que permita que o PDL (projeto de decreto legislativo) que derruba a portaria seja votado no plenário da Câmara. Até o momento,contam apenas 100 das 171 assinaturas necessárias. Apenas os líderes do PDT, PT e PSol haviam apoiado a iniciativa. As 3 bancadas somam 91 deputados.

A nova dinâmica de funcionamento do Legislativo na pandemia impôs algumas dificuldades. Antes, um requerimento de urgência circulava no plenário e era mais fácil conseguir as assinaturas necessárias. Agora o processo é feito à distância, convencendo cada deputado. Há também uma resistência de parlamentares católicos e evangélicos em apoiar a medida que busca garantir o acesso ao aborto legal.

Em entrevista a jornalistas, o presidente da Câmara, afirmou que busca uma solução política para derrubar a medida, mas admite a possibilidade de judicialização. 

“O melhor caminho é que o governo pudesse recuar nessa decisão. E se isso não ocorrer, acho que temos que trabalhar para que a gente possa ter voto aqui ou para que algum partido, ou a própria Câmara, em algum momento decida ir ao Supremo Tribunal Federal para sustar essa portaria, que é claramente ilegal e inconstitucional”, afirmou.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) também têm conversado com líderes governistas para ampliar o apoio ao PDL. “Do meu ponto de vista [a portaria] é completamente ilegal, absurda. Não é o Ministério da Saúde que pode tomar uma decisão como tomou. Na verdade, uma interferência em uma lei”, disse Rodrigo Maia.

Sobre acionar o STF, o presidente da Câmara disse que essa possibilidade é uma posição pessoal e defendida se não houver outro caminho. 

“A gente não deve criar nenhum tipo de decreto ou de portaria que constranja a decisão da mulher. Quer dizer, é uma portaria completamente ilegal e inconstitucional que não respeita as normas legais do nosso País. É a minha posição pessoal, por isso eu não posso dizer qual vai ser a decisão. Mas eu acho que o melhor caminho é que o governo pudesse recuar e discutir com o Congresso, debater o assunto. Agora, dessa forma, acho até que é uma interferência naquilo que cabe a um outro poder”, disse.

A posição do movimento de mulheres

MAURO PIMENTEL VIA GETTY IMAGES
Mulheres erguem lenços da cor verde, símbolo da luta pela discriminalização do aborto, em manifestação no Rio de Janeiro.

Em nota pública divulgada nesta segunda-feira (14), diversas entidades reunidas na Frente Nacional Contra a Criminalização das Mulheres e Pela Legalização do Aborto reforçaram o caráter ilegal da portaria e pediram a imediata suspensão da norma, “que introduz a tortura a mulheres e meninas usuárias do SUS, ao incluir vários processos dolorosos e violentadores para acesso ao aborto legal”. 

O texto lembra que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, afirma que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 

Segundo a frente, ao condicionar a assistência em saúde à comunicação externa do crime de violência sexual à polícia, independentemente da vontade da vítima, o Ministério da Saúde viola a autonomia das mulheres, “colocando-as em situação de suspeita e profissionais da equipe de saúde no lugar de policiais ou investigadores”.  

“Com isso, a referida portaria, também afronta a Lei 10.778/2003, que determina o dever sigilo no atendimento a qualquer usuária ou usuário do SUS”, destaca a nota. “A notificação compulsória para casos de violência já existe e tem como objetivo subsidiar políticas públicas de prevenção e não dar início a um processo penal”, ressalta.

Desde 1940, o Código Penal não considera crime o aborto em caso de estupro ou de risco à vida da gestante. Decisão do STF de 2012 ampliou esse direito para casos em que o feto é anencéfalo.

Nos casos de violência sexual, de acordo com a previsão legal, não é necessário que a vítima prove a agressão por meio de um boletim de ocorrência, por exemplo. Basta procurar o serviço de saúde. Na prática, contudo, muitas mulheres e meninas nessa situação já tinham o direito negado. A portaria assinada por Pazuello é vista como mais uma barreira para acessar esse serviço de saúde.

De acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2019, em 2018 foram contabilizados 66.041 registros policiais de estupro e apenas 7,5% das vítimas notificam a polícia. Segundo a pesquisa, 82% das vítimas eram mulheres e 54% delas tinham até 13 anos de idade. Isso significa que a cada hora, 4 meninas são estupradas.

Já em relação aos casos de aborto legal, em média, 6 meninas de 10 a 14 anos realizam o procedimento diariamente no país. Nessa faixa etária, são mais de 20 crianças e adolescentes que são mães todos os anos. A conjunção carnal com menor de 14 anos é considerada crime de estupro de vulnerável, ainda que haja consentimento. 

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