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quarta-feira, 23 de setembro de 2020

O feminicídio de Aída Curi, ocorrido 1958 volta ao STF

 Por Rayara Regina Conceição da Silva

 Justificando

23 de setembro de 2020

Tendo tomado posse como Presidente do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Luiz Fux divulgou a agenda dos processos que o STF deve julgar até o final do ano. Dentre esses, um dos julgamentos aguardados diz respeito a recurso movido por irmãos de Aída Jacob Curi, assassinada em 1958, quando tinha 18 anos de idade.[1]

 

No caso julgado pelo STF, os irmãos da vítima insurgem pelo direito ao esquecimento. O processo judicial se iniciou em razão de que, após mais de 50 anos, a Rede Globo veiculou programa televisivo explorando a história de Aída Curi, bem como utilizando sua imagem e dos recorrentes, não obstante estes tenham enviado notificação prévia se opondo à exibição do programa parte da série Linha Direta Justiça no ano de 2004. 

 

Dentre tantos casos emblemáticos que colocam a sociedade face a face com o feminicídio, o crime cometido com a jovem Aída se trata de um assassinato cuja atroz violência com que foi vitimada deve ser lembrada. No dia 14 de julho daquele ano, Aída Curi saia de um curso de datilografia quando foi atraída por dois homens até o Edifício Rio Nobre, localizado no Bairro de Copacabana.[2]

 

O seu assassinato contou com a participação de 3 (três) homens: Ronaldo Guilherme de Souza Castro, Cássio Murilo Ferreira e Antônio João de Souza. Na ocasião, Aída foi levada a força ao último andar do prédio pelos jovens Ronaldo e Cássio, com a ajuda do porteiro Antônio, local onde foi estuprada, e resistiu intensamente contra a violência dos agressores. Ao cabo, foi jogada do terraço, com o objetivo de simular um suicídio.

 

No Poder Judiciário, Ronaldo foi condenado a oito anos e nove meses de prisão após a realização de três julgamentos. Antônio, que foi absolvido no segundo julgamento, desapareceu. Por último, Cássio foi encaminhado ao Serviço de Assistência ao Menor, visto que, à época, não havia atingido a maioridade.[3]

 

Quem lê a história sente o gosto amargo da injustiça e percebe que, em diversos momentos do processo penal, a estrutura patriarcal atropelou o Estado de Direito, fosse diante da absolvição de Ronaldo e de Antônio no segundo julgamento, fosse pelo comportamento do pai daquele, que atuou como figura protetora das atitudes inconsequentes do seu filho, forjando um álibi para a noite do crime. 

 

No que diz respeito ao ordenamento jurídico, a lei n. 13.104/2015 alterou o artigo 121 do Código Penal Brasileiro, inserindo o feminicídio no rol de circunstâncias qualificadoras do crime de homicídio, bem como colocando-o na relação de crimes hediondos existentes no texto legal. Ressalte-se que a referida lei não se encontra apta a retroagir e, portanto, ser aplicada ao caso Aída Curi, em que pese seja hipótese de subsunção do fato à norma do feminicídio caso o crime fosse contemporâneo.

 

As circunstâncias mediante as quais Aída foi violentada e assassinada permanecem como assombro às liberdades individuais das mulheres. A sua morte não ficou no passado, assim como outras muitas fazem parte do presente. Segundo dados apurados pelo Monitor da Violência, em 2019, a cada 7 (sete) horas, uma mulher foi vítima do feminicídio. Tais estatísticas representam um aumento de 7,3% nos casos em comparação com 2018.[4]

 

As feridas da morte de Aída pulsam. O carrasco que a jogou do décimo segundo andar do Edifício em Copacabana atravessou a segunda metade do século XX e habita nas tramas de uma sociedade que não costurou o tempo admitindo a história das mulheres que sagraram por somente serem Elas. Por isso, falar de Aída é afirmar uma vez mais a importância da luta contra o feminicídio e contra omissões do Estado que colocam vidas de mulheres em risco diariamente.

 

Rayara Regina Conceição da Silva é graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Assistente jurídica.

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