Às meninas, o azul, se assim elas quiserem
Roberta Lippi
Recentemente, o lançamento de uma marca de chocolates causou grande repercussão nas redes sociais por um motivo que, para muitos, parecia uma bobagem: a separação de ovos de páscoa por gênero. Não era uma simples divisão entre azul e rosa, como já é comum na nossa cultura. A proposta ia além: as embalagens traziam explicitamente as indicações "meninas" e "meninos", sendo que para elas os brindes acoplados eram brinquedinhos como bonecas e pulseiras e os dos garotos, na linha dos carros e aviões.
Antes de ter filhos, eu realmente não me atentava para o problema da diferenciação exagerada por gêneros no ambiente infantil. Aliás, eu não me atentava a várias coisas que tangem o universo da maternidade. Mas depois fui mergulhando em um caminho sem volta que me fez prestar atenção nesse tema e me transformei, sem perceber, em uma grande defensora da diversidade e da igualdade dentro do nosso universo materno.
Eu poderia apenas dizer, como muitos disseram alegando estarem cansados do politicamente correto: "se não quer, basta não comprar, ué!?". Mas, definitivamente, essa história me incomodou, como vários outros comportamentos de pessoas e empresas têm me incomodado. A pergunta básica que eu faço é: e se a minha filha quisesse o ovo azul, já que ela gosta de aviões? "Não, minha senhora, o azul é de meninos, veja, está escrito aqui. Para ela tem esse aqui, ó, rosinha, tenho certeza que ela vai adorar."
A dinâmica das famílias hoje é tão diferente das gerações anteriores! As mulheres entraram com tudo no mercado de trabalho e os pais estão mais participativos nas divisões das tarefas domésticas. Novos modelos familiares que trazem com mais naturalidade núcleos formados por duas mulheres ou dois homens, e também o maior número de pais separados.
As mulheres dirigem carros, pilotam aviões. Homens são grandes cozinheiros. E os produtos destinados às crianças nos dizem o que em sua esmagadora maioria? Que ainda vivemos nos mesmos moldes da sociedade de 20 ou 30 anos atrás. Que as meninas são frágeis e delicadas e que, para elas, há fogõezinhos, maquiagem, bonecas e uma infinidade de brinquedos cor-de-rosa. Para os meninos, esses supostos seres fortes e machos, temos bolas, carrinhos, armas, jogos e tudo mais, de preferência estampado em tons de azul ou verde.
Seu marido gosta de cozinhar? Seu filho adora ficar por perto na cozinha? Vá comprar um fogãozinho para ele que não seja cor-de-rosa. Adianto que você terá muita dificuldade de encontrar. E, se achar, prepare-se para ouvir comentários preconceituosos de pessoas que dirão que fogão é brinquedo de menina.
Eu somente espero que nossas crianças possam brincar do que quiserem. Se minhas filhas curtirem bonecas, pulseiras e fazer comidinha, terão minha total aprovação. Mas, se tiverem preferência por bolas, carrinhos ou aviões, que elas possam se divertir sem olhares tortos, comentários preconceituosos ou imposições da indústria do consumo.
Não sou psicóloga ou especialista capaz de avaliar profundamente até que ponto a diferenciação é importante na formação da personalidade das crianças e de seus papéis dentro da sociedade. Mas sou mãe e, pelo tanto que leio, discuto e observo, não faz mais sentido criarmos meninos para serem ogros, machões, sem poderem expressar sentimentos porque isso não é coisa de homem.
Também não quero criar meninas frágeis e dependentes, assim como não faço questão de formar supermulheres. Desejo apenas que minhas filhas sejam pessoas felizes, independentes, capazes de tomar suas decisões de forma consciente, sejam elas quais forem, e que vivam em um mundo em que a diversidade seja aceita.
ROBERTA LIPPI
Roberta Lippi, jornalista, é mãe da Luísa (5 anos) e da Rafaela (2 anos). É uma das blogueiras mais antigas na área de maternidade e está sempre antenada nas discussões sobre educação e comportamento. Vive uma mistura de fases em casa, e rebola para conseguir não deixar cair nenhum pratinho. Sente que se tornou uma mãe muito melhor por causa da internet, lugar onde encontrou a informação de qualidade e a verdade que não achou nos livros e nos consultórios de pediatra. Prefere a linha do "equilíbrio", ou do "meio termo" na maioria das vezes, mas também sabe rodar a baiana quando acha que deve. contato@mamatraca.com.br
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