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terça-feira, 7 de maio de 2013



O que nos une como brasileiros não é o futebol, e sim o machismo

LeonardoSakamoto



É incrível o malabarismo com palavras que alguns comentaristas fazem para justificar um comportamento machista. Quem leu o debate causado pelo último post pode ter uma amostra bastante real do que as mulheres enfrentam ao saírem sem a companhia de um “homens responsável” à noite. Gostaria de saber por que alguns machos cismam em achar que violência só aparece na forma de mata-leão, soco no olho e cotovelada que alguns proferem contra as mulheres quando não têm seus desejos atendidos. O pior é o que passa despercebido, como se fosse parte de algo que nos faz brasileiros.
Muitas são vítimas de violência doméstica e no trabalho, enfrentam jornadas triplas (trabalhadora, mãe e esposa), não têm direito à autonomia do seu corpo – que dirá de sua vida, pressionadas não só por pais e companheiros ignorantes mas também por uma sociedade que vive com um pé no futuro e o corpo no passado. A qual todos nós pertencemos e, portanto, somos atores da perpetuação de suas bizarrices. Discutimos muito sobre as mudanças estruturais pelas quais o país tem que passar, citando saúde, educação, transporte, segurança, mas esquecemos dos problemas ligados aos grupos que sofrem com o desrespeito aos seus direitos fundamentais. Que não conhecem classe social, cor ou idade. Como as mulheres que são maioria numérica – e minoria em dignidade efetiva. Alguns comentários:
1) Dado Dolabella, que ficou conhecido por agressão e por ser enquadrado na Lei Maria da Penha, ganhou um R$ 1 milhão em um reality show após voto maciço de internautas e telespectadores. Um povo que premia um agressor de mulheres tem moral para reclamar de corrupção na política ou de qualquer outra coisa?
2) Temos uma mulher na Presidência. Simbolicamente relevante, politicamente insuficiente. São poucas as governadoras, prefeitas, senadoras, deputadas, vereadoras. Mas também CEOs, executivas, gerentes, síndicas de condomínios. Isso sem falar das chefias de redação. Falta criar condições para que elas cheguem lá. Ou alguém acha que isso vai ocorrer por geração espontânea?
3) A Suprema Corte tem 11 assentos. Só dois deles pertencem a mulheres, infelizmente. Quem liga a TV Justiça em horário de transmissão do STF de pautas importantes e temas que são holofotes para o ego sabe o que estou dizendo.
4) Para muita “gente de bem”, pior que exploração sexual de crianças é mulher adulta ter direito a decidir sobre seu próprio corpo. Até porque, cada coisa no seu lugar: mulher é historicamente objeto e menina com peito e bunda já é mulher.
5) Um juiz de Sete Lagoas (MG) disse ao rejeitar punições baseadas na Lei Maria da Penha?: “Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (…) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!”(…) Para não se ver eventualmente envolvido nas armadilhas dessa lei absurda, o homem terá de se manter tolo, mole, no sentido de se ver na contingência de ter de ceder facilmente às pressões.”
6) Tem também o então arcebispo de Olinda e Recife José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos envolvidos em um aborto legal realizado em uma menina de nove anos, grávida de gêmeos do padrastro que a estuprava desde os seis anos de idade. Ela tinha 1,36 m e 33 quilos.
7) Em 1983, o ex-marido de Maria da Penha atirou nas costas da esposa e depois tentou eletrocutá-la. Não conseguiu matá-la, mas a deixou paraplégica. Muitos anos de impunidade depois, pegou seis anos de prisão, mas ficou pouco tempo atrás das grades. A sua busca por justiça tornou-a símbolo da luta contra a violência doméstica. A Lei Maria da Penha, aprovada em 2006 para combater a violência doméstica contra a mulher, sofre constantes ataques desde que foi criada. Interpretações distorcidas de juízes, falta de orçamento para colocar políticas de prevenção em prática, tentativas de diminuir a força dessa legislação.
8) A opressão é, por vezes, travestida de um simples costume. Por exemplo, forçar a namorada a adotar o sobrenome após o casamento é bisonho. A lei garante que ela não seja obrigada mas, mas forte que a lei, são os olhares tortos da família do noivo e, não raro, também da família da noiva. Uns vão chamar de tradição – esquecendo que tradição é algo construído, muitas vezes pela classe (ou gênero) dominante.
9) Homens que trabalham no Brasil gastam 9,2 horas semanais com afazeres domésticos, enquanto que as mulheres que trabalham dedicam 20,9 horas semanais para o mesmo fim – dados de uma pesquisa da Organização Internacional do Trabalho. Com isso, apesar da jornada semanal média das mulheres no mercado ser inferior a dos homens (34,8 contra 42,7 horas, em termos apenas da produção econômica), a jornada média semanal das mulheres alcança 57,1 horas e ultrapassa em quase cinco horas a dos homens – 52,3 horas – somando com a jornada doméstica. E os caras ainda dizem que trampam mais do que elas.
10) Pesquisas apontam que a violência doméstica não é monopólio de determinada classe social e nível de escolaridade. A mão que, à noite, espanca pode ter apertado o sinal de parada do ônibus ou roçado o banco de couro de um BMW. O que une os diferentes  não é o futebol. É o machismo. Cantar um “tapinha não dói” tornou-se hit cult e sucesso popular.
É o que eu já disse aqui antes: todos nós, homens, somos sim inimigos até que sejamos educados para o contrário. E tendo em vista a formação que tivemos, é um longo caminho até alcançarmos um mínimo de decência para com o sexo oposto. Grande parte dos comentaristas deste blog estão aí para provar meu ponto.

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