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sexta-feira, 14 de março de 2014

Após a revolução, é hora de rever o modelo familiar

Mulheres ainda sofrem com a dupla jornada que envolve o trabalho e cuidar da casa e da família

Janete Trevisani


Mulheres aprendem a costurar para melhorar a renda mensal
Mulheres trabalham fora e ainda têm 
de cuidar da família e da casa
Foto: Del Rodrigues
Pode parecer balela para muitas jovens, mas a revolução feminista foi um dos mais importantes movimentos sociais do século 20. A partir daí, as mulheres conquistaram o mercado de trabalho e passaram a exercer sua sexualidade com liberdade. Passadas mais de quatro décadas desde a queima de sutiãs pelas feministas, será que elas experimentam satisfação ou insatisfação? Segundo a psicanalista Maria Alves de Toledo Bruns, “as mulheres estão cansadas, estressadas, decepcionadas e exauridas com a dupla jornada, sendo que muitas pensam em deixar o trabalho para cuidar dos filhos pequenos, mas isso não resolve”. Na avaliação da especialista, a saída é que “os casais reflitam e dialoguem sobre os projetos comuns, com a proposta de recriar a relação afetivo-sexual”.

Nas últimas décadas, as mulheres começaram a engravidar com mais idade para investir na carreira, e hoje muitas não querem filhos. São raras as empresas com creches e as mães têm um espaço de tempo reduzido para amamentar seus filhos, num País que tanto faz campanhas enaltecendo os benefícios do leite materno para a saúde dos pequenos. Quando o bebê cresce, a mãe se desdobra para alternar com as amigas os dias em que cada uma vai apanhar os rebentos na escola. Ainda é pequeno o número de pais que colaboram, como comenta Maria Alves.

Compartilhamento

A família é, hoje, o que o ambiente de trabalho representou nas décadas de 1960-70, e o voto, em 1920. Houve muitos avanços, mas o casamento continua o mesmo e sobra para a mulher a maior parte das tarefas. O que as decepciona é a obrigação de cuidar da casa e da educação dos filhos, sendo que esse peso não é compartilhado com os homens como se deveria. Com isso, o erotismo se perde e o casal passa a se chamar de “pai” e “mãe”.

Como comenta a psicanalista Maria Alves, o momento íntimo deixa de existir ou ocorre rapidamente na madrugada, depois de um dia exaustivo. “Não dá para viver todos os papéis sem estresse”, afirma Maria Cláudia Santiago, 38 anos, mãe de dois filhos pequenos. “Penso muito em ser só dona de casa, mas os meus filhos vão crescer e eu vou perder a minha identidade profissional, sem contar que o casamento pode acabar, por isso persisto”, diz a professora.

Não bastasse estar exausta e muitas vezes com dificuldades para fazer escolhas, a mulher ainda tem que tolerar piadinhas e considerações machistas, como a do vereador Eduardo da Farmácia (PSDB), de Americana, que há poucos dias, ao falar sobre liberação de verbas municipais para creches em sessão da Câmara, disse: “Os homens precisam ganhar melhor para que as mulheres possam ficar em casa, cuidando a família”. Em ato de repúdio, um grupo de 20 pessoas atirou cuecas em Eduardo.

Padrões estéticos 

Os padrões estéticos impostos são impossíveis para a maioria das mulheres, diz especialista
Os padrões estéticos impostos são impossíveis
 para a maioria das mulheres, diz especialista
Foto: Cedoc/RAC
Um dos maiores desafios feministas do momento é encontrar caminhos para enfrentar o padrão estético imposto pela sociedade. “Existe uma forte pressão sobre a aparência das mulheres. Os meios de comunicação nos dizem o tempo todo que devemos parecer sempre jovens, independentemente da idade ou das marcas que a vida deixou nos nossos rostos e corpos, impondo um padrão de beleza impossível para as mulheres da vida real”, comenta Glaucia Fraccaro, historiadora social e militante da Marcha Mundial de Mulheres.

Pesquisas mostram que as mulheres modernas estão mais interessadas em ser magras do que inteligentes. Prova disso é a integrante do BBB14 Tatiele Polyana que disse já ter vivido um amor “patônico”, em vez de platônico, e quis saber quem era Dom Casmurrro, depois de o apresentador Pedro Bial ter perguntado em teste de conhecimentos gerais quem havia escrito o livro. O nome da obra do renomado Machado de Assis soou meio estranho para a moça que afirmou, sem constrangimento, ser desprovida de inteligência.

Comportamento

Esse tipo de comportamento, na opinião da pedagoga Karin Virginia Rodrigues Pongiluppe, 37 anos, lembra o do tipo da garota que coloca foto de biquíni em rede social e se faz de sonsa quando os seguidores aparecem em série. “São essas que nunca tiveram o prazer de ler Dom Casmurro e leem os ‘tantos’ ou ‘tontos’ tons de cinza para aprender como conseguir um milionário com o intuito de manter alguns luxos. Não sei o que incentiva esses comportamentos que geram posturas e por sua vez criam padrões sociais, mas acredito que um monte de fatores como a família, como foi sua criação, o que recebeu de estímulos, de orientação, tudo isso tem grande peso na construção da personalidade”, comenta.

Segundo Karin, “talvez também seja isso que hoje faça a diferença. Trabalho e sempre estou estudando. Tenho prazer em ler livros e livros, me emociono, choro, adoro mitologia e histórias sobre a Segunda Guerra Mundial. Sou esportista, pedalo quilômetros e ocupo minha cabeça, isso me dá prazer. Para muitas mulheres, o prazer está atrelado apenas à questão sexual; a exposição do corpo é o caminho, e elas se vulgarizam em nome disso”.

Postura

A postura feminina também contribui para a cultura machista? Na avaliação de Karin, “enquanto muitas mulheres lutam para mostrar sua capacidade, outras fazem questão de ser superficiais”. Compartilham de uma ignorância sem fim, porém “ser gostosa”, como lembra Karin, “é o que importa, a sociedade incentiva, e a mulher cresce com o consciente e inconsciente alicerçados em ‘use seu corpo para conseguir o que quer’, é bem mais fácil...”. Com isso, como destaca a pedagoga, “temos o culto a corpos bizarros e a sexualidade acima de tudo, deixando de lado toda nossa busca por respeito”.

Karin foi mãe aos 24 anos e assumiu o filho praticamente sozinha. Ao avaliar as conquistas feministas desde a década de 70, com a entrada da mulher no mercado de trabalho, especialmente em algumas áreas antes consideradas masculinas, sente-se feliz. Mas, todo esse processo, segundo ela, “não nos livra de uma sociedade que ainda mostra traços machistas claros, com homens ganhando mais, sem contar a violência contra a mulher, que ainda existe, pois somos fruto de uma criação social machista, e décadas ainda serão necessárias para que esses comportamentos sejam dissolvidos a partir das novas gerações”. Para ela, “a educação é o caminho para tal feito”. 

Novas ativistas 

As novas ativistas são mais ousadas do que as feministas do passado. As atuais usam o corpo para se expressar, como ocorreu durante a conferência Rio+20, em 2012, no Rio de Janeiro, com as moças sem roupa da cintura para cima na passeata que teve por slogan “Mulheres contra a mercantilização de nosso corpos, nossas vidas e a natureza”.

Também durante a Marcha das Vadias, que atingiu, até o ano passado, perto de 200 cidades no mundo, jovens com seios à mostra repudiaram a violência sexual depois que um policial canadense aconselhou mulheres, durante uma palestra de segurança pública, a não vestir determinadas roupas para não serem estupradas. A brasileira Sara Winter já disse em protestos: “Meu corpo me pertence”.

Manifestar a opressão

Marcha das Vadias em Campinas
Marcha das Vadias em Campinas Foto: Cedoc/RAC
Algumas feministas defendem as ousadias das novatas, outras criticam, como foi o caso da escritora americana Camile Paglia, que não achou simpática a Marcha das Vadias: “Não se chame de vadia, a não ser que você esteja preparada para viver e se defender como tal”.

Na opinião da historiadora Glaucia Fracarro, grupos feministas que usam o corpo para manifestar a opressão vivida pelas mulheres pretendem, a partir da inversão, provar que as mulheres também têm direitos de exercer liberdade sexual.

Para Mirian Faury, conselheira do SOS Ação Mulher e Família, cada época tem a sua forma de expressão e vários grupos ao redor do mundo adotam o corpo na luta por direitos. “O Femen, que utiliza o corpo como suporte para as mensagens, treina e prepara as mulheres para que, nas manifestações, os corpos não sejam usados como expressão de sensualidade. Esses movimentos devem ser vistos como uma ação cultural”, explica.

Sobre violência doméstica, Mirian diz que as mulheres ainda temem denunciar, mas o cenário está mudando. “Elas estão ficando mais encorajadas a tomar essa atitude”, completa. 

A LUTA FEMINISTA NO BRASIL

1907
Uma greve de costureiras por melhores condições de trabalho deflagrou uma série de movimentos em favor da jornada de trabalho de 8 horas.

1937
O voto feminino é legalizado. Cinco anos antes, com a autorização da Justiça do Rio Grande do Norte, Celina Guimarães Viana se tornou a primeira eleitora registrada.

1975
É criado o Movimento Feminino pela Anistia, composto principalmente por mulheres que viram maridos e filhos serem torturados e mortos pela Ditadura Militar.

1980
No Encontro Feminista de Valinhos surge o lema “quem ama não mata” e a questão da violência doméstica começa a ser reivindicada.

1985
É criada em São Paulo a primeira Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher e o Ministério da Justiça cria o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher.

2000
O Brasil foi um dos 159 países a aderir à Marcha Mundial das Mulheres, que organizou uma campanha internacional contra a pobreza e a violência. O movimento se inspirou numa marcha contra a pobreza ocorrida em junho de 1995 no Canadá sob o lema Pão e Rosas.
Janete Trevisani, jornalista, Correio Popular

PONTO DE VISTA
Janete Trevisani é editora do Correio Popular

Somos gratas

Em 1960, a palavra menstruação não era pronunciada e as garotas costumavam dizer que estavam “incomodadas” ou “naqueles dias”. Também não se falava em direitos da mulher. Em 1963, ao estrear na revista Claudia a coluna A Arte de Ser Mulher, em que defendeu a pílula, o divórcio e a inserção no mercado de trabalho, a jornalista e psicóloga Carmen da Silva foi ameaçada por maridos indignados. Em 1967, uma edição especial da revista Realidade foi recolhida das bancas por abordar temas polêmicos como aborto, separação, mães solteiras e virgindade.

As feministas batalharam para que a situação mudasse e as mulheres devem muito às colegas dos anos 60. Foi a partir daí que todas conseguiram entrar de forma maciça nas universidades, seguir suas carreiras como antes só os homens faziam e dar um basta ao casamento quando a vida a dois representava a mais pura insatisfação. Tudo bem que a dupla (ou tripla) jornada ainda é um problema, mas a situação poderia ter sido pior se as barulhentas feministas do passado tivessem ficado de braços cruzados. A elas, obrigada! E vamos em frente.

http://correio.rac.com.br/_conteudo/2014/03/capa/campinas_e_rmc/158814-apos-a-revolucao-e-hora-de-rever-o-modelo-familiar.html

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