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domingo, 22 de junho de 2014

Pipo e Fifi: reflexões sobre violência sexual na infância

Infográfico: Instituto Cores
PorRoberto Almeida18/05/2014

Um dos temas mais difíceis de serem tratados na infância é o da violência sexual. A Organização Mundial da Saúde estima que uma em cada cinco crianças sofre com abusos até os 12 anos. Uma taxa de 20%, altíssima e que merece atenção. No total, 87% dos casos acontecem dentro da família ou com pessoas que convivem com a criança.
Após um trabalho de seis anos, a pedagoga Caroline Arcari, especialista em educação sexual, construiu com a ajuda de parceiros e do Instituto CORES,o livro gratuito Pipo e Fifi, com ilustrações de Isabela Santos. A obra busca ajudar pais, professores, amigos e contadores a abordarem o problema da violência sexual contra crianças com uma narrativa ilustrada.
Caroline falou com o Garatujas Fantásticas para explicar a dimensão dos casos de abuso e dá dicas de como trabalhar o livro nas escolas e em casa. “Hoje, temos um movimento nacional de grande impacto, que aumentou a percepção e o entendimento das pessoas perante o problema e mostrou caminhos para a denúncia. Em algumas regiões, o aumento das notificações foi de 800%”, relata a pedagoga. Open publication - Free publishing
O livro que você pode ver acima é para ser lido pelas crianças com a ajuda de um adulto. O foco é estabelecer uma diferença entre o que a autora apresenta como Toque do Sim, os carinhos que são permitidos, e o Toque do Não, que significam abuso. Para todos os detalhes sobre métodos de prevenção, o site de Pipo e Fifi conta com uma seção dedicada ao tema.
Veja a entrevista completa com Caroline abaixo. Se depois da leitura ainda tiver dúvidas ou sugestões, entre em contato pelo email atendimento@pipoefifi.org.br ou pelos telefones (64) 3613 1456 ou (64) 8479 4752.
Qual sua relação com o tema de violência sexual na infância? E o que a atraiu a escrever sobre o assunto?
Como pedagoga, especialista em Educação Sexual e Sexualidade Humana, defendo uma educação que entenda o aluno como um ser que tem mais do que ‘cabeça/ombro/joelho e pé’. Nossos pequeninos chegam na escola com cabeça, ombro, joelho, pé, nariz, boca, coração, sonhos, curiosidades e….com a sexualidade, que não é algo que simplesmente se tranca para fora dos portões das instituições de ensino. O aluno vem completo e com ele, uma grande expectativa e vontade de aprender.
Infelizmente, os cursos de pedagogia não preparam os educadores para lidar com questões tão importantes e fundamentais como a sexualidade – um grande equívoco, já que pesquisas comprovam que a Educação Sexual na escola é capaz de adiar o início da vida sexual (e não o contrário, como o senso comum prega), diminuir o índice de gestação não planejada e prevenir/detectar violência sexual contra a criança e adolescente.
Ora, estamos falando de um problema mundial de saúde pública, como avalia a Organização Mundial de Saúde. Estima-se que 1 a cada 5 crianças sofrem algum tipo de violência sexual até a idade de 12 anos. Isso já foi motivo suficiente pra me convencer a dedicar a vida profissional ao tema.
Costumo dizer que eu não escolhi falar sobre Educação Sexual, eu simplesmente não me esquivei. Apenas cumpro a função que não deveria ser de um especialista, mas de todos os pais, professores, profissionais de saúde: falar sobre a vida. Falar sobre sexualidade não é somente informar sobre o corpo e conceitos básicos de reprodução. É dialogar sobre sentimentos, emoções, sonhos, expectativas, medos, planejamentos, transformações, preconceitos e tantos outros assuntos relacionados à riqueza da sexualidade humana.
Os PCNs – Parâmetros Curriculares Nacionais – são uma coleção publicada pelo MEC que oficializou o dever da escola em trabalhar temas de Educação Sexual em sala de aula. A partir disso, temos um novo panorama se formando: a Educação Sexual como processo fundamental na formação e proteção da criança e do adolescente.
"xxxx", diz a autora, Caroline Arcari
“Viemos de uma educação sexual repressora, omissa”, diz a autora Caroline Arcari
Pode descrever como foi o processo criativo de construção dos personagens Pipo e Fifi? Por que eles são como são?
O fato de os personagens principais serem monstrinhos é para construir a ideia de que, não importa se você se sente desse ou de outro mundo, igual ou diferente das outras crianças, em nenhum lugar, situação ou contexto, alguém pode ser sujeitado à violência de qualquer teor.
Bem, a inserção dos personagens deu certo. As crianças estabelecem uma conexão afetiva com Pipo e Fifi, o que facilita todo o trabalho de comunicação entre o adulto e os pequenos. E essa sempre foi a intenção: o livro precisava ser um facilitador de um papo sério. E os resultados têm mostrado que isso foi alcançado. 
Como trabalhou o cuidado com as palavras? Em quem se baseou para trabalhar educação sexual na infância e por quê?
A primeira versão do livro, ainda não ilustrado, não tinha rimas. Parecia um manual, uma cartilha enfadonha pra falar de um tema assustador. Isso não ia dar certo, definitivamente. Os monstrinhos vieram para criar esse vínculo com o imaginário da criança. A partir dessa ideia, tudo começou a tomar forma. Quando escrevi que “Fifi era uma monstrinha que usava uma imensa calcinha”, li em voz alta e falei pro meu marido: “Ih, tô lascada, agora quero a obra toda rimada.” 
Foi ousado, porque falar sobre violência sexual com crianças já é um grande desafio. Fazer isso em rima, foi uma construção de alguns meses até surgirem os termos adequados, simples, diretos. Para o resultado final, muitas pesquisas, leituras e testes sobre a percepção e compreensão das crianças foram realizados. 
Quanto ao conteúdo, ele foi elaborado com muito cuidado e estudo. Após o término do texto oficial, o livro passou por revisões técnicas de profissionais do Instituto CORES: psicólogos, pediatras e pedagogos. Também conta aqui o know-how da instituição em projetos e criação de materiais de comunicação em sexualidade, para crianças e adolescentes. O CORES recebeu o primeiro prêmio por sua atuação na área em 2007, pelo projeto CRESCER, premiado pelo Ministério da Saúde. Depois desse, vieram outros reconhecimentos importantes, sendo o último deles o prêmio Itaú-Unicef em 2013, pela atuação em projetos de defesa dos direitos da criança e do adolescente. 
Assim, as 32 páginas do livro são resultado de um trabalho com embasamento teórico e uma equipe de grandes profissionais que acreditaram no impacto que a obra teria como ferramenta de prevenção.
O que o mediador precisa saber antes de fazer a leitura com a criança?
A plataforma online www.pipoefifi.org.br foi criada para orientar o adulto/profissional em relação ao tema. Pais e professres têm medo de falar sobre isso com as crianças. Não é pra menos, já que viemos de uma Educação Sexual repressora, omissa. Mas a forma como a obra foi elaborada, fornece uma linha muito simples, honesta, lúdica e tranquila de falar sobre o corpo e sobre violência sexual.
Assim, é legal que o adulto leia a obra, explore a plataforma (lembrando que o acesso é gratuito), entenda o que é o fenômeno da violência sexual, saiba reconhecer comportamentos indicativos na criança e esteja aberto ao diálogo e orientação. O próprio livro fornece dicas passo a passo de como realizar a leitura e lidar com as possíveis perguntas que surgirão durante a exploração da plataforma. O importante é saber que falar sobre o corpo, sobre a violência sexual é a forma mais eficaz de prevenção.
Viu resultados na distribuição gratuita do livro? Ele chegou onde você acreditava que precisava chegar? Tem alguma região específica do Brasil que precisa de mais atenção?
Na verdade, não esperava que o alcance de Pipo e Fifi fosse tão grande. Penso que a obra superou toda e qualquer expectativa e mostrou como a carência de recursos e materiais dirigidos às crianças para a área da prevenção de violência sexual ainda é enorme.
Mais de 50 municípios brasileiros realizaram projetos e ações pontuais a partir da obra e sua distribuição gratuita atingiu mais de 50 mil crianças. Essas são as experiências que chegaram até nós via e-mail, mas imaginamos que o alcance tenha sido bem maior. Espanha e Portugal também já utilizam a obra em seus projetos e em outubro do ano passado, o Instituto CORES foi parar em Madri, a convite do Consulado Brasileiro, para realizar um trabalho de prevenção com as crianças brasileiras residentes na Espanha.
Uma demanda que não esperávamos foi dos profissionais da área de psicologia, pedagogia, promoção social: mesmo com a obra disponível gratuitamente para leitura, download e reprodução, muitas pessoas pediram o livro para compra, a fim de ter um exemplar de qualidade para o atendimento dos pequeninos.
Sendo assim, o livro impresso foi lançado ontem (dia 17 de maio) em Rio Verde, Goiás, e em Brasilia, na Câmara, no dia 21/05, parte da mobilização nacional ‘Faça Bonito’ de enfrentamento à violência sexual contra a criança e adolescente. O lucro será revertido para o Instituto CORES, porém o livro online continuará disponível para leitura e download.
Quanto às regiões que mais precisam de atenção, acredito que são aquelas nas quais as denúncias de violência sexual ainda são escassas. Muita gente acha que o aumento nos índices de denúncia está relacionado ao aumento da violência sexual. Não é verdade. A violência sexual sempre existiu. De forma velada, num pacto de silencio, isso acontecia, mas falar sobre ela era um grande tabu.
Hoje, temos um movimento nacional de grande impacto, que aumentou a percepção e o entendimento das pessoas perante o problema e mostrou caminhos para a denúncia. Em algumas regiões, o aumento das notificações foi de 800%. Isso é incrível. Agora as pessoas passaram a entender que podem denunciar, que existem opções de denúncia anônima (disque 100) e passaram a perceber os comportamentos das crianças com mais atenção.
Sente que o trabalho de prevenção tem dado resultados? Pode dar algum exemplo?
O trabalho de prevenção fornece resultados em tempo real. Além das estatísticas que mostram que crianças bem informadas estão menos vulneráveis à violência sexual e que adultos e profissionais capacitados passam a detectar e denunciar os casos, temos as histórias individuais.
Recebemos e-mails de profissionais contando a leitura do livro fez com que as crianças falassem sobre o abuso sofrido, muitas vezes em público. Também temos relatos de alunos que mandaram cartinhas para Pipo e Fifi relatando incesto,além de desenhos retratando a violência sofrida. Também recebemos muitos relatos de adultos que sofreram violência sexual na infância e destacam que nunca tiveram um canal de comunicação para poder falar, para entender o fenômeno da violência e entender que era algo que acontecia com muitas pessoas.
Quando você não se sente sozinho, fica mais fácil falar sobre isso, na certeza que alguém vai ouvi-lo e acolher suas angústias. Pipo e Fifi fazem isso. Mostram que precisamos falar sobre isso, que a violência acontece.

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