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segunda-feira, 16 de junho de 2014

//Um mundo limitado por cores

Um mundo limitado por cores
A obsessão pelo rosa foi fotografada pela sul-coreana JeongMee em quarto de meninas


A publicidade e os estereótipos ainda prevalecem 
na divisão de brinquedos para meninas e meninos
//Por Tory Oliveira
Aos 5 anos de idade, a filha da artista sul-coreana JeongMee Yoon vivia literalmente em um mundo cor-de-rosa. A pequena tinha verdadeira obsessão pela tonalidade, a ponto de só se vestir com roupas rosadas e brincar exclusivamente com objetos e brinquedos dessa cor. Logo a artista descobriu que o caso de sua filha não era incomum. Seja na Coreia, seja nos Estados Unidos ou no Brasil, grande parte das meninas brinca e se veste com a cor. “Talvez seja a influência de propagandas dirigidas para meninas e seus pais, como a universalmente popular boneca Barbie e a Hello Kitty”, especula JeongMee em seu site pessoal. “Meninas são subconscientemente treinadas para usar cor-de-rosa para se sentirem femininas.” Em 2005, a experiência pessoal deu origem ao The Pink and Blue Project (Projeto Rosa e Azul), série de fotografias de meninos e meninas rodeados de respectivos brinquedos, roupas e objetos cor-de-rosa e azuis que busca entender como o consumo atrelado ao gênero influencia a vida das crianças. 

Recentemente, a empresa norte-americana GoldieBlox jogou novas luzes sobre o assunto ao veicular o que as redes sociais chamaram de o “primeiro comercial feminista” no intervalo do campeonato de futebol americano, o Superbowl, considerado um dos eventos televisivos de maior audiência nos Estados Unidos. No anúncio publicitário de 30 segundos, uma multidão de meninas recolhe bonecas, casinhas, tiaras, castelos cor-de-rosa e princesas e, literalmente, manda a pilha para o espaço, embalada pela música que dizia More than pink, we want to think (Mais do que rosa, nós queremos pensar, na tradução). A empresa passou a vender brinquedos como kits de construção e de engenharia direcionados especialmente para meninas, após sua fundadora, a engenheira Debbie Sterling, de 30 anos, visitar uma loja de brinquedos e perceber que pouco havia mudado desde a sua infância – a maioria dos brinquedos disponíveis era cor-de-rosa e muito atrelada aos papéis tradicionais de gênero. “Nós somos ensinadas desde pequenas a querer virar princesas”, explicou Debbie durante uma palestra para a Technology, Entertainment, Design (TED), conhecida popularmente como TED Talk. “Mas isso não quer dizer que as coisas não possam mudar.” 

Companheiros dos pequenos há muito tempo, os brinquedos se tornaram uma mercadoria fortemente impactada pelo marketing de meados do século XX para cá. “Dentro dessa lógica de mercado, os brinquedos tendem a reproduzir uma divisão de características e formas de trabalho ligada a uma visão muito conservadora e rígida”, explica Marilia Pinto de Carvalho, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. Ou seja, de forma geral, os brinquedos tendem a replicar estereótipos ligados à maternidade e o cuidado para as meninas e esportes ou construção para os meninos. 

Além de essa diferenciação começar muito cedo e da forte influência da publicidade, as crianças também acabam sendo restringidas na hora de escolher seus brinquedos e brincadeiras pela própria família e pela escola. “A tendência é que as famílias e as escolas sejam muito repressivas. Há uma restrição muito grande de potenciais que a criança poderia ter com relação às brincadeiras. Isso pode determinar até as possibilidades futuras de profissões”, analisa Marilia. Ao mesmo tempo, acrescenta ela, estão em andamento movimentos de ruptura. Seja por parte das crianças, que enfrentam os modelos e as famílias e brincam com o que mais gostam, seja por parte de algumas escolas.  

É o caso da escola pública municipal de São Paulo onde trabalhava a pedagoga Edna de Oliveira Telles. Intrigada com os relatos carregados de visões tradicionais e binárias de gênero colhidos entre os alunos do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental, Edna elaborou, em conjunto com os demais professores da escola em que era coordenadora pedagógica, um plano de intervenção por meio de brinquedos e brincadeiras. A ideia era simples: duas vezes por semana, os grupos de crianças entre 6 e 10 anos teriam acesso a grandes caixas de brinquedos – uma delas recheada de bonecas e a outra de brinquedos considerados masculinos. A ideia era que todos os alunos e alunas, independentemente do gênero, brincassem com todos os brinquedos disponíveis. Inicialmente, diante da caixa de bonecas, a maioria dos meninos se recusou a brincar. Com o tempo e com as intervenções da equipe pedagógica, eles foram entrando na brincadeira. 

A experiência, ocorrida em 2011 e 2012, foi um sucesso. “Nós tivemos essa experiência prática que mostrou que é possível, mas, para a mudança ser efetiva, não podemos trabalhar só com as crianças. As famílias precisam ser envolvidas no diálogo”, conta Edna, cuja dissertação de mestrado também trabalha com a questão de gênero e a educação. A conversa é importante para evitar, por exemplo, reações contrárias. “A partir do momento que a escola oferece essas brincadeiras mais livres, ela precisa estar preparada para lidar com as famílias. O diálogo é a chave da transformação”, analisa Laís Fontenelle, psicóloga do Instituto Alana. 

Para Edna, coordenadora pedagógica da rede municipal e doutoranda em educação pela USP, além das crianças e das famílias, o corpo docente também precisa discutir e ser sensibilizado para trabalhar a questão de gênero. “Desconstruir estereótipos por meio dos brinquedos é apenas uma das possibilidades que podemos trazer para a escola”, conta. Diversificar os modelos apresentados, conversar sobre as várias opções de engajamento profissional e falar sobre a vida e a obra de mulheres importantes na política e na história são outros exemplos de ações positivas.

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