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domingo, 27 de julho de 2014

Como afastar os jovens das drogas

Ana Luiza Tieghi
Consumo de álcool, cigarro e outras substâncias psicoativas por adolescentes é alto e especialmente perigoso
Durante a infância e a adolescência, o ser humano aprende a conviver em sociedade, a seguir regras, a entender como o mundo funciona. São fases da vida, cada uma com suas características específicas, que marcam uma pessoa para sempre.
Um período de tantas mudanças torna os jovens, que ainda são seres em formação, vulneráveis à atratividade das drogas, sejam elas lícitas ou ilícitas. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, realizada em 2012 pelo IBGE, com dados de alunos do 9º ano de diversos municípios brasileiros, aponta que ao final do ensino fundamental, 19,6% dos alunos já experimentaram cigarro. Em relação ao álcool, 50,3% já haviam consumido ao menos uma dose de bebida aos 15 anos e – mais alarmante ainda – 21,8% já ficaram embriagados. O uso de drogas ilícitas, como maconha, cocaína, crack e ecstasy, foi indicado por 7,3% dos escolares.
Pesquisa realizada pelo IBGE em 2012 com jovens do ensino fundamental apontou que 21,8% deles já ficaram embriagados  Crédito reprodução
Pesquisa realizada pelo IBGE em 2012 com jovens do ensino fundamental apontou que 21,8% deles já ficaram embriagados Foto: reprodução
O consumo de substâncias psicoativas, como as contidas no tabaco, álcool e outras drogas alteradoras de consciência, pode provocar problemas no desenvolvimento dos jovens e causar transtornos que os seguirão pelo resto da vida. “Durante a adolescência ocorrem mudanças biológicas muito importantes. Alguns sistemas, como o inibitório, não estão amadurecidos. É um sistema importante para controlar determinadas atitudes do indivíduo”, explica Rosana Camarini, professora do Departamento de Farmacologia do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB). Outras regiões do cérebro humano também ainda não estão maduras durante a adolescência, como a que afeta as tomadas de decisões e a capacidade de avaliar riscos. “Isso faz com que o adolescente se torne mais vulnerável a situações arriscadas, como o consumo de drogas, a prática de esportes radicais e sexo sem proteção”, explica Rosana.
“Os adolescentes são mais sensíveis aos efeitos recompensadores do etanol, como a desinibição, e menos sensíveis aos efeitos aversivos”, alerta a professora do ICB Rosana Camarini. Foto: Arquivo Pessoal
“Os adolescentes são mais sensíveis aos efeitos recompensadores do etanol, como a desinibição, e menos sensíveis aos efeitos aversivos”, alerta a professora do ICB Rosana Camarini. Foto: Arquivo Pessoal
Além das disposições biológicas que tornam o jovem alvo fácil das drogas, outros fatores também podem aproximá-lo do contato com essas substâncias. A professora do ICB destaca que a pressão exercida por amigos, se forem usuários de algum tipo de droga, pode influenciar outros jovens a fazer o mesmo. Transtornos psiquiátricos, sintomas depressivos, ansiedade e disfuncionalidade familiar também são apontados por Rosana como provocadores do uso de substâncias psicoativas. Os adolescentes muitas vezes passam por situações de grande pressão, que, juntamente com a necessidade de aceitação e identificação com um grupo, podem desencadear o desejo de uma válvula de escape, que então surge na forma da droga.
Esse fator é especialmente delicado quando se leva em conta que pessoas que começam a usar substâncias psicoativas na juventude têm mais chances de se tornarem adultos dependentes químicos. Por todas essas razões, trabalhar a prevenção do uso de drogas na infância e adolescência é fundamental. “Se não trabalharmos com as crianças, vamos ficar sempre correndo atrás do tratamento do adulto”, afirma João Paulo Becker Lotufo, médico pediatra e assessor de direção do Hospital Universitário (HU).
Lotufo também é conhecido pelo nome de Dr. Bartô, personagem que assume quando realiza ações de combate ao uso de álcool e tabaco em escolas. O projeto de extensão da USP Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde trabalha continuamente em várias escolas públicas de São Paulo. No ano passado, dez unidades receberam palestras e atividades culturais patrocinadas pela Pró-Reitoria de Cultura e Extensão Universitária. “É um programa que dura o ano inteiro, cada escola teve uma intervenção por mês”, destaca Lotufo. No primeiro semestre de 2013, o foco do projeto foi o combate ao tabaco, seguido pelo álcool na segunda metade do ano. Entre peças de teatro, concursos de redação, palestras e brincadeiras, os integrantes do Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde conseguiram aumentar a discussão sobre drogas dentro das famílias.
João Paulo Becker Lotufo é coordenador do grupo antitabágico do HU e criador do projeto Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde, que previne o consumo de drogas lícitas por crianças e jovens. Foto: Francisco Emolo
João Paulo Becker Lotufo é coordenador do grupo antitabágico do HU e criador do projeto Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde, que previne o consumo de drogas lícitas por crianças e jovens. Foto: Francisco Emolo
Apesar do sucesso do programa, Lotufo espera ainda mais do futuro. “Esse trabalho deveria ser todo ano, em toda escola. Tem que ser repetitivo. Em um ano nós aumentamos a discussão do assunto, quem sabe em cinco anos conseguimos diminuir a utilização da droga.”
Prevenção também é a palavra-chave do Movimento Pé no Chão, realizado pelo governo do Estado de São Paulo e que conta com a participação de Stella Pereira de Almeida, psicóloga e pós-doutora em neurociências e comportamento pelo Instituto de Psicologia. O programa, que atualmente vem sendo desenvolvido em 28 escolas da região sul da capital, busca formas alternativas de diminuir a experimentação e o consumo do álcool por crianças e adolescentes.
Stella já tinha experiência no trato da questão, pois também trabalhou no desenvolvimento do programa Jovens de Responsa, da Ambev. Para se ter uma ideia do sucesso e alcance do projeto, sua plataforma no Facebook possui mais de 150 mil curtidas. Atualmente, 21 ONGs participam do programa, que recebe orientações de Stella e equipe. O diferencial do Jovens de Responsa e depois do Movimento Pé no Chão é o empoderamento dos próprios jovens na luta contra o consumo de álcool. Mais do que apresentar fatos e dizer o que é certo, ambos os programas incentivam os adolescentes a disseminar o conhecimento sobre os riscos do consumo de álcool e também a mensagem de que é possível se divertir sem a ingestão de bebidas.
A psicóloga Stella Pereira de Almeida trabalha com o desenvolvimento de projetos que afastem os jovens do uso de substâncias psicoativas e os tornem disseminadores desta mensagem aos seus pares. Foto: Arquivo pessoal
A psicóloga Stella Pereira de Almeida trabalha com o desenvolvimento de projetos que afastem os jovens do uso de substâncias psicoativas e os tornem disseminadores desta mensagem aos seus pares. Foto: Arquivo pessoal
Quando são os jovens que levam a mensagem do uso consciente da bebida alcoólica, ela é mais aceita entre os adolescentes. Essa característica do Jovens de Responsa chamou a atenção do governo estadual, que convidou Stella e equipe para desenvolver o Movimento Pé no Chão. “Nós usamos muito da nossa experiência, do que foi bem-sucedido e do que não funcionou, e inspirados nisso aplicamos esse conhecimento no Estado”, explica a psicóloga.
No site do projeto (http://www.movimentopenochao.sp.gov.br/) é possível encontrar mais dados e informações sobre o uso de álcool por adolescentes em fase escolar e também fazer odownload do guia que foi disponibilizado para os docentes das escolas públicas da capital, repleto de explicações sobre como a substância age no corpo, quais as melhores formas de trabalhar a prevenção de seu uso e exemplos de atividades práticas que podem ser desenvolvidas nas instituições de ensino.
Tratamento
Embora muitos programas de prevenção estejam sendo desenvolvidos, é importante também cuidar da recuperação dos jovens que acabaram utilizando alguma substância psicoativa. Esse trabalho é realizado no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina pelo Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas (Grea), vinculado ao Instituto de Psiquiatria (IPq), que no ambulatório de psiquiatria infantil oferece atendimento para adolescentes que tiveram contato com drogas.
Jackeline Suzie Giusti, psiquiatra que participa do atendimento no Grea, conta que os jovens chegam até o grupo levados pelos pais, que, ao descobrirem ou desconfiarem do uso de alguma substância psicoativa pelos seus filhos, geralmente não sabem como lidar com a situação. “Tem que atender a família junto”, explica. Muitos chegam ao Grea levados contra sua vontade e inicialmente apresentam resistência. “Depois que começamos a conversar, que a família está lá também, eles aceitam mais, porque vão conseguir conversar sobre a questão”, conta Jackeline.
A psiquiatra destaca a importância de se iniciar o atendimento o quanto antes. “Para um adolescente, um ano é muito importante. Um menino de 15 anos e outro de 14 anos são muito diferentes, cada ano proporciona um desenvolvimento grande.” Jackeline exemplifica ao apontar que com 14 anos as meninas ainda estão começando a experimentar a vida social, ir a festas, namorar, ao passo que uma garota ao final dos seus 15 anos já passou por tudo isso. “Se você pega um adolescente de 12 anos e ele usa droga até os 14 anos, ele vai ter muita dificuldade de encontrar coisas legais para fazer sem a droga, porque ele vivenciou várias experiências enquanto a utilizava”, afirma.
“Quanto mais cedo entrar com o tratamento, mais rápido e melhor. Para um adolescente, um ano é muito importante”, afirma a psiquiatra Jackeline Suzie Giusti. Foto: Arquivo pessoal
“Quanto mais cedo entrar com o tratamento, mais rápido e melhor. Para um adolescente, um ano é muito importante”, afirma a psiquiatra Jackeline Suzie Giusti. Foto: Arquivo pessoal
Jackeline conta que a maior parte dos casos que chega ao Grea é de uso de maconha. “Como tem hoje essa coisa de que é normal, de que todo mundo usa, o adolescente argumenta e os pais se sentem reféns desse discurso. Eles acabam usando muita maconha e tendo prejuízos acadêmicos, problemas com o relacionamento em casa, entre outras dificuldades”, explica. Apesar de reconhecer os problemas causados pelo consumo de álcool, a psiquiatra afirma que o consumo de bebidas nunca foi um destaque entre os atendidos pelo grupo do IPq. “Talvez pelo fato do HC pegar os casos mais graves”, pondera. A substância mais consumida pelos adolescentes que chegam ao grupo varia conforme o tempo. “A gente já teve maior prevalência por cocaína. Mas agora o que mais chega é maconha. Embora os estudos não mostrem um aumento no consumo da droga, hoje esse consumo é menos velado”, afirma.
Para buscar atendimento pelo Grea é preciso entrar em contato com a triagem do grupo pelo telefone (11) 2661-6960, que marcará um horário para o primeiro atendimento. O ambulatório funciona todas as quartas-feiras, das 8h às 12h.
Peso dos filhos
Crianças e adolescentes buscam modelos para se inspirar, e ter dentro de casa um familiar que utilize substâncias psicoativas pode colaborar para que eles venham a utilizar a mesma substância no futuro. No caso do cigarro, o consumo passivo, que é a terceira causa mundial de mortes evitáveis segundo a Organização Mundial da Saúde, atinge com força filhos de fumantes.
O programa  Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde tem apoio da PRCEU e alerta contra o consumo de álcool e tabaco por meio de diversas atividades em escolas. Foto: Francisco Emolo
O programa Dr. Bartô – e os Doutores da Saúde
tem apoio da PRCEU e alerta contra
o consumo de álcool e tabaco
por meio de diversas atividades em escolas.
Foto: Francisco Emolo
João Paulo Becker Lotufo também coordena o grupo antitabágico do Hospital Universitário e conta que de 30% a 40% das pessoas que buscam atendimento no ambulatório para parar de fumar o fazem por causa dos filhos. Uma estratégia usada para estimular aqueles que desejam largar o cigarro é abordar a imagem que eles passam para outras pessoas, muitas delas crianças, e o peso que isso terá no futuro. “Por exemplo, uma senhora veio ao consultório e eu perguntei o que ela mais gostava de fazer. Ela respondeu: ‘Ficar no meu terraço no interior, fumar e ver o pôr do sol’. Então perguntei o que mais ela gostava, e ela respondeu que adorava suas netas. Mas a lembrança que as suas netas vão ter, eu disse, é a senhora sentada vendo o pôr do sol fumando um cigarro, e talvez esse seja um fator para elas também começarem a fumar”, conta Lotufo.
O ambulatório antitabágico do HU funciona todas as segundas-feiras, às 9h, na sala 14 do hospital.  O atendimento é gratuito e funcionários da USP também recebem medicação sem custos. Para mais informações, acesse http://www.tabagismo.hu.usp.br/.

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