- Getty ImagesPais são mais importantes na infância, quando as raízes de muitos traços são plantadas
No ano passado, em uma tentativa malsucedida de fazer uma piada, a Clorox (produto de limpeza vendido nos Estados Unidos) fez um anúncio online que dizia: "Como os cães, os novos pais são cheios de boas intenções, mas não têm nem o bom senso, nem as habilidades manuais necessárias para o cargo". Embora a empresa tenha tirado o anúncio do ar em meio a uma enxurrada de comentários na rede, ele revelou um estereótipo extremamente comum: o de que os pais não são as pessoas mais indicadas para criar os filhos.
No livro "Do Fathers Matter?" (O pai é importante?, em tradução livre), o autor veterano de livros científicos Paul Raeburn sai em defesa dos pais, apoiando-se em décadas de pesquisas e em sua própria experiência como pai de cinco filhos. O que surge é um livro provocante sobre a ciência da paternidade, recheado de ideias sobre como aplicar esses conhecimentos no dia a dia.
Historicamente, psicólogos do desenvolvimento veem os pais como figuras irrelevantes. Quase metade dos artigos sobre a psicologia de crianças e adolescentes publicados entre 1997 e 2005, por exemplo, não fazem qualquer referência ao pai; antes de 1970, quando os pais não podiam entrar nem na sala de parto, menos de um quinto das pesquisas a respeito do vínculo parental levavam o pai em conta.
Esse viés reflete a noção profundamente arraigada de que o pai possui um papel marginal no desenvolvimento dos filhos, uma crença apoiada pela teoria do apego infantil, desenvolvida a partir do trabalho do psiquiatra britânico John Bowlby na segunda metade do século 20. "Ela se concentrou exclusivamente nas mães", afirmou Raeburn. "O papel do pai, acreditava Bowlby, era o de dar o apoio necessário para a mãe. No drama da infância, ele era apenas um coadjuvante".
Essa era mais ou menos a visão estabelecida até algumas décadas atrás, quando psicólogos motivados em parte pelo número crescente de mulheres entrando para o mercado de trabalho começaram finalmente a prestar atenção aos pais.
Uma das coisas que aprenderam é que o pai começa a influenciar os filhos muito antes do nascimento. "Sabemos que mulheres grávidas devem se alimentar apenas de coisas saudáveis", escreve Raeburn. Porém, "a pesquisa mostra que o ambiente do pai, seu comportamento e até mesmo sua aparência possuem um efeito considerável sobre a saúde do feto – e sobre a saúde dos netos".
Ele aponta para uma literatura crescente que sugere que os pais são capazes de transmitir traços adquiridos. Um estudo publicado este ano na revista "Nature", por exemplo, revelou que ratos machos condicionados por choques elétricos a temer determinado odor arbitrário geravam filhotes com a mesma fobia. Um estudo similar revelou que filhos de ratos cujos pais eram estressados exibiam mais ansiedade e depressão. Além disso, outro experimento revelou que alimentar ratos machos com uma dieta rica em gordura antes da concepção dos filhotes gerava sintomas similares ao diabetes nos filhotes.
Essa forma peculiar de herança tem origem em alterações na expressão genética que ocorrem durante a vida dos organismos e que passam a fazer parte da linhagem germinativa. E embora seja mais difícil observar esse fenômeno em pessoas do que em cobaias de laboratório, por razões óbvias ("Procuram-se pais para estudo de cruzamento e terapia de choque!"), Raeburn escreve que "os homens que estejam prestes a se tornar pais talvez devessem pensar a respeito de sua saúde e de como estão se alimentando antes mesmo de suas parceiras engravidarem". De toda forma, acrescentou, "esse é um ótimo conselho, mesmo que não acarrete benefícios para os filhos".
Entretanto, os pais são obviamente mais importantes na infância, quando as raízes de muitos traços são plantadas. Raeburn cita uma série de estudos ligando o envolvimento paterno ao desenvolvimento intelectual, emocional e social das crianças. As crianças que se sentem amadas e nutridas pelos pais, destacou, possuem a autoestima comparativamente mais alta e possuem menores riscos de desenvolver problemas mentais ao longo da vida. Muitos pesquisadores sugerem que um pai cuidadoso é tão importante quanto uma mãe amável para o bem-estar da criança a longo prazo.
Além de construir uma relação de amor e confiança, os pais também devem ser divertidos. Raeburn cita estudos sobre a importância da brincadeira no desenvolvimento cognitivo da criança –em especial com as brincadeiras de mão pelas quais os pais são conhecidos.
Pelo bem de suas filhas, também é importante que os pais participem dos afazeres domésticos. De acordo com pesquisas da Universidade da Columbia Britânica, no Canadá, pais que participam da vida doméstica ajudam a aumentar as ambições das filhas em relação à carreira, provavelmente porque quando o pai lava roupas, ele também se livra dos estereótipos de gênero. Meninas que crescem na presença de pais amáveis e que as apoiam tendem a iniciar a puberdade mais tarde e são menos inclinadas a comportamentos sexuais arriscados, se comparadas a filhas de pais ausentes.
E o que dizer a respeito dos milhões de crianças que estão sendo criadas por gays, lésbicas, bissexuais e transgênero? Aqui Raeburn foge da raia. "Embora os pais sejam importantes, outras pessoas podem cumprir seu papel". É tudo o que ele tem a dizer a esse respeito.
Na verdade, a maior parte das pesquisas –incluindo o maior projeto até o momento a respeito de famílias com pais gays– mostra que filhos criados por casais do mesmo sexo têm desempenhos similares ao de crianças nascidas em famílias tradicionais. Portanto, talvez seja importante acrescentar que embora os pais sejam fundamentais, ser um bom pai tem pouco a ver com a identidade sexual ou de gênero.
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