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domingo, 20 de julho de 2014

Depoimento: “Fui estuprada pelo meu melhor amigo”, diz Rafaela, 23 anos, arquiteta*

18/07/2014 
por Letícia González

"Não recordo nem de ter caído no sono. Acordei na manhã seguinte com a luz do sol no rosto e uma poça de sangue embaixo de mim. Luiz estava ao meu lado e também tinha sangue nos braços, no rosto"
  
"Há pouco mais de um ano, conheci o Luiz* em uma palestra. Eu tinha acabado de me formar na faculdade e passei a fazer um curso com ele, que é uma referência na minha área. Fomos nos aproximando, virei monitora das aulas e começamos a sair juntos, no mínimo duas vezes por semana, boa parte delas sozinhos. Íamos a barzinhos, ele me pegava em casa. Nos demos bem desde o início, conversávamos sobre trabalho, nossas vidas amorosas – ele tinha namorada e eu falava sobre os meus ficantes. Dizíamos que tínhamos uma amizade especial.

Contei que estava apaixonada por outro cara que, para meu azar, era casado. Para esquecer as mágoas, fomos juntos a uma festa em uma boate, só nós dois. Eu via o Luiz como um amigo, não como um flerte e, muito menos, uma ameaça. Bebi a primeira dose de uísque que ele comprou e, quando provei a segunda, comentei que tinha achado o gosto esquisito. Logo comecei a me sentir enjoada e atordoada. Eu não estava nem perto de estar bêbada. Fui ao banheiro e vomitei. Pedi para ir embora e Luiz disse que ia me acompanhar. Abriu a porta do táxi e deu o endereço da minha casa.

No caminho, disse a ele que estava me sentindo estranha outra vez. Ele prometeu cuidar de mim. Disse que ficaria ao meu lado a noite toda e que não deixaria nada de mau me acontecer. No elevador, subindo para meu apartamento, sentia como se estivesse flutuando. Era realmente difícil entender o que acontecia ao meu redor.

Fomos direto para o meu quarto. Ele me mandou deitar e tirar a roupa. Eu, que estava totalmente desorientada, obedeci. Quando me dei conta, ele estava em cima de mim. Eu não conseguia reagir. Gostaria de dizer que gritei e ninguém me ouviu. Mas simplesmente não consegui falar. Não senti nenhuma dor na hora. Minha memória apagou os detalhes. Lembro apenas de ouvi-lo dizer: ‘Você está sangrando’.

Não recordo nem de ter caído no sono. Acordei na manhã seguinte com a luz do sol no rosto e uma poça de sangue embaixo de mim. Luiz estava ao meu lado e também tinha sangue nos braços, no rosto. Tentei acordá-lo, mas não consegui. Ele resmungou, virou para o lado e seguiu dormindo. Lembro de tomar banho e ver o sangue ainda escorrendo pelas minhas pernas. Chamei uma amiga, que morava comigo e dormia no quarto ao lado. Ela me levou ao hospital.

Na sala de espera, quando me chamaram, a cadeira onde estava sentada ficou ensopada de sangue. Desmaiei. Acordei no chão, com médicos ao meu redor achando que estava abortando. Como ainda não conseguia perceber o que tinha ocorrido, achei que a hemorragia era resultado de três meses emendando a pílula anticoncepcional. Três dias depois, ainda com sangramento, fui a uma ginecologista acompanhada de outra amiga, médica. A cara de espanto das duas ao me examinar foi horrível. Eu tinha um corte de 10 centímetros na vagina. ‘Este ferimento é uma aberração. Só um parto de um bebê enorme ou um estupro causariam isso.’ Foi a primeira vez que ouvi a palavra.

Demorei a processar a informação: eu havia sido estuprada pelo meu melhor amigo. Percebi também a omissão do hospital. Eles me liberaram sem exame ginecológico e sem investigar o caso de alguém que chega atordoada com a vagina machucada. Mas, naquele momento, três dias já tinham se passado e eu não poderia fazer exame toxicológico – que revelaria o que ele colocou em minha bebida. O teste ajudaria a explicar minha falta de dor e de lucidez na hora e seria uma prova importante no caso de eu denunciá-lo.

Saindo de lá, mandei uma mensagem para o celular dele: ‘Você é um perigo para a sociedade. Estou com o ferimento de um estupro’. Ele respondeu: ‘Se Deus me fez grande, a culpa é do Neston que tomei quando criança’. Senti muita raiva. Não o reconhecia mais. Não conseguia entender por que ele havia feito aquilo. Mais de um mês se passou e nos vimos novamente em um congresso. Havia cortado completamente a relação, ele também não me procurou mais. Naquele dia olhei em seus olhos e perguntei: ‘Por quê?’. Luiz respondeu: ‘Errar é humano’ – e só. Sua expressão era de completa indiferença.

Dois psicólogos que procurei disseram que Luiz deve ter colocado flunitrazepam na minha bebida. Se não tivesse vomitado, hoje provavelmente não me lembraria de nada. Coletei as provas que foram possíveis: o prontuário do hospital, o laudo que atesta a lesão e nossos SMS. Faz seis meses que tudo aconteceu. Minha família não sabe. Os poucos amigos a quem contei me dizem para denunciá-lo, mas ainda não estou pronta. Tenho medo de que Luiz use de sua influência para me desestabilizar e  tenho, sobretudo, vergonha. Comecei um tratamento psicológico e sei que vou carregar o trauma para toda a vida.”

*Os nomes e profissões foram alterados e as localidades omitidas a pedido das entrevistadas

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