Uma experiência inovadora em uma escola rural brasileira nos obriga a repensar a força explosiva das palavras
JUAN ARIAS 23 JUL 2014
Esta coluna poderia se chamar também “a força de uma ideia”. Trata-se de um fato real: a história de uma mudança de palavras que se converteu na força motriz de uma experiência pedagógica em uma escola primária piloto, na preciosa cidade brasileira de Joinville, na escola municipal Hermann Muller. Foi a mudança da palavra “cova” pela palavra “berço”.
A protagonista é a professora, Silvana Aparecida, que do nada, com a força de uma ideia, começou a alfabetizar criativamente as crianças de uma zona rural. Fez isso utilizando flores e poesias, semeadas juntas no jardim da escola, no qual os alunos aprenderam a cultivar as sementes das plantas. O jardim acabou semeado também de poemas.
Os versos se convertiam em flores de palavras e os nomes das flores em cartilha do abecedário. E o milagre aconteceu; aquelas crianças de famílias pobres aprenderam a ler mais cedo do que uma criança costuma começar a reconhecer as sílabas.
No desenvolvimento dessa experiência foram envolvidos os pais dos alunos, muitos deles camponeses e caçadores, pois seus filhos, que na escola aprenderam a descobrir a força da liberdade no voo livre das aves, acabaram convencendo-os a largar as armas e deixar tranquilos os pássaros nas árvores.
Em meio a essa experiência inovadora e criativa, aconteceu algo significativo que nos obriga a pensar como são explosivas às vezes as palavras, que Silvana me contou dias atrás.
O buraco feito para colocar as sementes se chama “cova”, que lembra sepultura. A professora, que se esforça para inculcar em seus alunos a ideia motriz da vida em vez da de morte, teve a ideia (a força das ideias!) de mudar aquela palavra (a força das palavras!) e disse às crianças que para colocar as sementes, que é algo vivo e de onde nasceria uma nova vida, iam preparar para elas, em vez de uma “cova”, um “berço”. Algo construído com amor para receber uma nova vida.
Ela me contou que só com a mudança daquela palavra mudou a atitude das crianças quando preparavam a terra para colocar as sementes nela. “As crianças começaram a remover a terra com mais carinho. Faziam o buraco em forma de berço, acariciavam sua forma e dava para notar em suas mãos que estavam preparando algo precioso para colocar nele um recém-nascido”, me explicou sem conseguir esconder em seu relato um certo assombro que ainda a agitava ao se lembrar da experiência.
Aquela ideia semeada em uma simples escola primária, ensinou também aos alunos, entre outras coisas, o respeito, por exemplo, pelas diferenças a partir de uma nova dimensão. Em vez de aceitar, por compaixão, a deficiência de um aluno, que não possui, por exemplo, uma mão porque nasceu sem ela, passaram a ver isso como algo normal, simplesmente diferente.
Essa minúscula experiência, perdida entre as centenas de milhares de escolas do país, nos obriga a refletir não apenas sobre como costuma estar equivocada toda nossa pedagogia, aferrada ainda nos modelos e estereótipos medievais, mas também sobre a força que uma ideia inovadora pode ter na sociedade e em nossa própria vida pessoal ou familiar.
Continuamos sem acreditar no milagre das palavras e de seus possíveis usos e significados, da força que carregam esses símbolos e que nos distinguem radicalmente de nossos irmãos, os animais. No entanto, como ensina a psicanálise, as palavras encerram em suas entranhas uma forte carga de criatividade e periculosidade.
A ideia, simples e genial ao mesmo tempo, dessa escola de Joinville de plantar não em uma sepultura, mas em um berço, poderia ser aplicada às nossas instituições, aos projetos políticos e sociais, a toda a pedagogia da vida.
Se estivermos convencidos, por exemplo, de que a violência que configura as sepulturas para suas vítimas é mais forte que o respeito à vida; se associamos a política à rapina que acaba sepultando o fruto da corrupção nas fossas da iniquidade; ou se organizamos os benefícios da vida social dos pobres em função de espúrios lucros políticos, estamos usando o conceito de morte em vez do de vida.
É significativo que até um político experimentado como Lula tenha confessado dias atrás que a política no Brasil “está podre”.
A indiferença, a falta de respeito e até o desprezo que cresce a cada dia na sociedade contra os políticos, poderia estar relacionada, com essa preferência que hoje as instituições oferecem pelas sepulturas nas quais apodrecem a esperança de vida dos cidadãos. Algo que ocorre quando prefere-se, por exemplo, a dilapidação do público à austeridade devida ao bem comum.
Etimologicamente, em grego, política significa a “arte de viver em sociedade” e também o de “governar para o bem da sociedade”.
O social palpita no coração da palavra política, tanto que Aristóteles definiu o ser humano como zoón politikón: animal social.
Da raiz etimológica de política, nasceu a paideia ou educação, e daí a pedagogia, que é a ciência que “conduz a criança pelo caminho da vida”.
A professora Silvana poderia escolher um modo melhor de ensinar suas crianças a caminhar pela vida que estão começando, como uma flor em busca da luz do dia?
Que melhor forma de inculcar nessas crianças pulsações amorosas de ressurreição em vez de sentimentos de morte, do que converter a cova onde enterramos as sementes em berço e prepará-las para esperar uma nova vida?
É uma resposta para vocês, pais e mães de família, que a cada manhã levam com esperança seus filhos à escola com o desejo íntimo de que aprendam a amar e respeitar com alegria tudo que é vivo em vez de vê-los crescer admirando os tristes sepultadores da esperança.
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