Justamente por sua condição desigual nas sociedades, mulheres pobres têm enfrentado com enormes dificuldades os processos de globalização e de liberalização econômica em muitos países
por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 25/07/2014
Por Graciela Rodriguez
Incluir os direitos das mulheres no conceito e nas políticas de desenvolvimento sustentável não é obviedade e nem tarefa fácil. Os debates nesse sentido, que têm considerado a incorporação da justiça social e da problemática ambiental – ambas questões fundamentais – pouco têm incorporado a perspectiva das mulheres e suas necessidades e demandas específicas. Entretanto, é fácil perceber que sem contemplar as mulheres, nem o desenvolvimento, e muito menos a sustentabilidade, não serão realmente alcançados.
Sabemos que o papel das mulheres no mundo, e em particular nos países do chamado Sul Global, tem mudado de forma significativa nas últimas décadas, especialmente em relação à sua inserção crescente no mundo do trabalho e nos espaços de poder. O avanço da industrialização, em particular com a globalização, transformou a estrutura produtiva e deu continuidade ao processo de urbanização, o que, junto à queda das taxas de fecundidade que chegou a muitos dos países menos desenvolvidos, proporcionou um aumento das possibilidades de as mulheres encontrarem postos de trabalho na sociedade. A sociedade urbano-industrial provocou uma mudança em todas as classes sociais no mundo todo.
Entretanto, as mulheres em sua maioria não quebraram a interdependência entre vida familiar e vida do trabalho, e assim a invisibilidade do trabalho feminino doméstico se mantém, como também as desigualdades que qualificam sua inserção produtiva. Toda uma problemática comum que acompanha as mulheres no mundo inteiro, e que encontra também inúmeros denominadores comuns, como a violência doméstica e sexual, a falta de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, as desigualdades na remuneração de homens e mulheres, a maior presença feminina na informalidade, dentre outras formas que assumem as desigualdades e em particular as discriminações de gênero.
Assim, no mercado de trabalho olhado globalmente, estudos relacionando o emprego de mulheres nos setores exportadores, em especial no setor industrial, ainda que também na agricultura e nos serviços, têm apoiado a tese de que a produção nos países em desenvolvimento têm se produzido em tándem com a feminização do trabalho remunerado”.
Ressaltando a difícil comparabilidade internacional dos dados de emprego, o rápido crescimento econômico dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no período recente se traduziu na criação de milhões de novos postos de trabalho (da ordem de 22 milhões em 2007). Essa expansão foi mais de cinco vezes superior à verificada em toda a área da OCDE no mesmo período.
A vinculação crescente da mão de obra feminina na fabricação de mercancias, especialmente as destinadas à exportação é uma constatação na produção globalizada realizada nas “fábricas do mercado mundial”, sustentadas na presença de mulheres contratadas por salários muito baixos e em condições precárias.
É importante salientar que de fato todas as grandes performances produtivas realizadas nas últimas décadas no mundo globalizado foram realizadas com a incorporação maciça de mulheres ao mercado de trabalho, o que ajudou a diminuir de modo geral as taxas salariais globais nas últimas décadas.
Dentro dessa perspectiva, e justamente por sua condição desigual nas sociedades, as mulheres pobres têm enfrentado com enormes dificuldades os processos de globalização e de liberalização econômica e, por isso, em muitos países, entre eles nos BRICS, elas estão entre os principais “perdedores”, sendo possível afirmar que as desigualdades que marcam a relação entre homens e mulheres foram um fator importante e funcional para possibilitar essa queda salarial.
Outro importante elemento de constatação das desigualdades de gênero das nossas sociedades se encontra nas brechas salariais entre homens e mulheres ainda presentes em todos os países dos BRICS com taxas em torno de 60-70%, com uma ênfase maior no caso da Índia e do Brasil – ambos países com forte peso da participação feminina no setor informal.
Deste modo, a inserção produtiva das mulheres nos países menos desenvolvidos e em particular nos países dos BRICS, continua mostrando as profundas desigualdades de gênero que precisam ser encaradas na hora de debater a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico. Porém, não é só este aspecto econômico de participação feminina no mercado de trabalho o único elemento de desigualdade a ser considerado na hora de refletir e definir o que é o desenvolvimento sustentável para os países dos BRICS.
Os temas populacionais, ligados com a reprodução biológica e social de nossas sociedades, e a relação entre os sistemas econômicos e a vida cotidiana das populações que na privacidade dos lares enfrentam a preparação de seres humanos para o funcionamento do mercado, ou melhor, para a própria vida, nos enfrentam com a necessidade de refletir sobre a complexidade dos processos de desenvolvimento. Muitas das desigualdades se produzem na distribuição dos cuidados e, assim, as políticas públicas com perspectiva de gênero podem ser estratégias de equidade social já que elas têm possibilidades de regular as ofertas de oportunidades para os cidadãos.
Também, e finalmente, neste rápido resumo de elementos a serem considerados no debate sobre incorporação das mulheres ao desenvolvimento com justiça e equidade, é preciso considerar aspectos políticos, culturais e outros, incluindo o papel de um Estado democrático e laico em torno do aprofundamento da cidadania, a autodeterminação reprodutiva das mulheres, a proteção social, etc.; em soma de garantia de cumprimento dos direitos humanos.
O Banco dos BRICS surgido da Cúpula de Fortaleza deve atentar para estes aspectos de uma infraestrutura social para o desenvolvimento sustentável que priorize o acesso à água potável, o saneamento básico, a saúde preventiva, a educação pré-escolar, etc. em fim, as políticas do cuidado que deve ser assumido socialmente, superando a atual divisão sexual do trabalho e a super-exploração do trabalho das mulheres que dela decorre. Parece tão longe, mas é simples assim.
Consideramos que o âmbito dos BRICS – países fundamentais para a determinação dos rumos do desenvolvimento do Sul global – nos oferece uma oportunidade para desenvolver esses debates, ao mesmo tempo em que a disputa pelos rumos políticos e econômicos do bloco, nos permita fortalecer a sociedade civil de tais países, em particular os movimentos de mulheres e feministas, para o enfrentamento das suas mazelas sociais.
Justamente por ocasião da VI Cúpula dos BRICS realizada em Fortaleza e no marco do Encontro “Diálogos sobre Desenvolvimento na perspectiva dos Povos”, essa participação das mulheres e também a crítica ao atual modelo de desenvolvimento que assumem os países BRICS foram o foco dos debates do I Fórum de Mulheres dos países BRICS.
Graciela Rodriguez é coordenadora do Instituto Equit, membro da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e da REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos. Participante do GR-RI.
Carta Capital
por Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais — publicado 25/07/2014
Por Graciela Rodriguez
Sessão de Trabalho da VI Cúpula dos BRICS |
Sabemos que o papel das mulheres no mundo, e em particular nos países do chamado Sul Global, tem mudado de forma significativa nas últimas décadas, especialmente em relação à sua inserção crescente no mundo do trabalho e nos espaços de poder. O avanço da industrialização, em particular com a globalização, transformou a estrutura produtiva e deu continuidade ao processo de urbanização, o que, junto à queda das taxas de fecundidade que chegou a muitos dos países menos desenvolvidos, proporcionou um aumento das possibilidades de as mulheres encontrarem postos de trabalho na sociedade. A sociedade urbano-industrial provocou uma mudança em todas as classes sociais no mundo todo.
Entretanto, as mulheres em sua maioria não quebraram a interdependência entre vida familiar e vida do trabalho, e assim a invisibilidade do trabalho feminino doméstico se mantém, como também as desigualdades que qualificam sua inserção produtiva. Toda uma problemática comum que acompanha as mulheres no mundo inteiro, e que encontra também inúmeros denominadores comuns, como a violência doméstica e sexual, a falta de garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, as desigualdades na remuneração de homens e mulheres, a maior presença feminina na informalidade, dentre outras formas que assumem as desigualdades e em particular as discriminações de gênero.
Assim, no mercado de trabalho olhado globalmente, estudos relacionando o emprego de mulheres nos setores exportadores, em especial no setor industrial, ainda que também na agricultura e nos serviços, têm apoiado a tese de que a produção nos países em desenvolvimento têm se produzido em tándem com a feminização do trabalho remunerado”.
Ressaltando a difícil comparabilidade internacional dos dados de emprego, o rápido crescimento econômico dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) no período recente se traduziu na criação de milhões de novos postos de trabalho (da ordem de 22 milhões em 2007). Essa expansão foi mais de cinco vezes superior à verificada em toda a área da OCDE no mesmo período.
A vinculação crescente da mão de obra feminina na fabricação de mercancias, especialmente as destinadas à exportação é uma constatação na produção globalizada realizada nas “fábricas do mercado mundial”, sustentadas na presença de mulheres contratadas por salários muito baixos e em condições precárias.
É importante salientar que de fato todas as grandes performances produtivas realizadas nas últimas décadas no mundo globalizado foram realizadas com a incorporação maciça de mulheres ao mercado de trabalho, o que ajudou a diminuir de modo geral as taxas salariais globais nas últimas décadas.
Dentro dessa perspectiva, e justamente por sua condição desigual nas sociedades, as mulheres pobres têm enfrentado com enormes dificuldades os processos de globalização e de liberalização econômica e, por isso, em muitos países, entre eles nos BRICS, elas estão entre os principais “perdedores”, sendo possível afirmar que as desigualdades que marcam a relação entre homens e mulheres foram um fator importante e funcional para possibilitar essa queda salarial.
Outro importante elemento de constatação das desigualdades de gênero das nossas sociedades se encontra nas brechas salariais entre homens e mulheres ainda presentes em todos os países dos BRICS com taxas em torno de 60-70%, com uma ênfase maior no caso da Índia e do Brasil – ambos países com forte peso da participação feminina no setor informal.
Deste modo, a inserção produtiva das mulheres nos países menos desenvolvidos e em particular nos países dos BRICS, continua mostrando as profundas desigualdades de gênero que precisam ser encaradas na hora de debater a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconômico. Porém, não é só este aspecto econômico de participação feminina no mercado de trabalho o único elemento de desigualdade a ser considerado na hora de refletir e definir o que é o desenvolvimento sustentável para os países dos BRICS.
Os temas populacionais, ligados com a reprodução biológica e social de nossas sociedades, e a relação entre os sistemas econômicos e a vida cotidiana das populações que na privacidade dos lares enfrentam a preparação de seres humanos para o funcionamento do mercado, ou melhor, para a própria vida, nos enfrentam com a necessidade de refletir sobre a complexidade dos processos de desenvolvimento. Muitas das desigualdades se produzem na distribuição dos cuidados e, assim, as políticas públicas com perspectiva de gênero podem ser estratégias de equidade social já que elas têm possibilidades de regular as ofertas de oportunidades para os cidadãos.
Também, e finalmente, neste rápido resumo de elementos a serem considerados no debate sobre incorporação das mulheres ao desenvolvimento com justiça e equidade, é preciso considerar aspectos políticos, culturais e outros, incluindo o papel de um Estado democrático e laico em torno do aprofundamento da cidadania, a autodeterminação reprodutiva das mulheres, a proteção social, etc.; em soma de garantia de cumprimento dos direitos humanos.
O Banco dos BRICS surgido da Cúpula de Fortaleza deve atentar para estes aspectos de uma infraestrutura social para o desenvolvimento sustentável que priorize o acesso à água potável, o saneamento básico, a saúde preventiva, a educação pré-escolar, etc. em fim, as políticas do cuidado que deve ser assumido socialmente, superando a atual divisão sexual do trabalho e a super-exploração do trabalho das mulheres que dela decorre. Parece tão longe, mas é simples assim.
Consideramos que o âmbito dos BRICS – países fundamentais para a determinação dos rumos do desenvolvimento do Sul global – nos oferece uma oportunidade para desenvolver esses debates, ao mesmo tempo em que a disputa pelos rumos políticos e econômicos do bloco, nos permita fortalecer a sociedade civil de tais países, em particular os movimentos de mulheres e feministas, para o enfrentamento das suas mazelas sociais.
Justamente por ocasião da VI Cúpula dos BRICS realizada em Fortaleza e no marco do Encontro “Diálogos sobre Desenvolvimento na perspectiva dos Povos”, essa participação das mulheres e também a crítica ao atual modelo de desenvolvimento que assumem os países BRICS foram o foco dos debates do I Fórum de Mulheres dos países BRICS.
Graciela Rodriguez é coordenadora do Instituto Equit, membro da AMB – Articulação de Mulheres Brasileiras e da REBRIP – Rede Brasileira pela Integração dos Povos. Participante do GR-RI.
Carta Capital
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