Rosana Schwartz*
Visando sistematizar questões referentes ao direito ao corpo pelos indivíduos na sociedade hipermoderna ou pós-moderna, principalmente do gênero feminino, alguns pontos vinculados aos macros e micros problemas carecem de problematizações. O Estado é o principal responsável pelo respeito aos Direitos Humanos dentro do seu território, ele pode adotar sansões específicas através de mecanismos como petições, tratados, legislações, tribunais e órgãos de investigação.
Desde o século 19, conquistas sobre o direito ao corpo foram paulatinamente aparecendo nas pautas de reivindicações feministas. Em 1947, foi estabelecida pela ONU a Comissão Sobre a Condição da Mulher, responsável pela elaboração de tratados, como a Convenção Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, e a criação de programas específicos em defesa da mulher. Essa convenção serviu como preparatória para outras e para desenvolver avanço da condição da mulher no mundo ocidental.
A Conferência sobre População e Desenvolvimento, realizada em 1994, no Cairo, foi a primeira que abordou aprofundadamente a discussão sobre os diretos reprodutivos das mulheres e a problemática da população sob a perspectiva de gênero. O seu programa de ação foi dedicado à igualdade e equidade entre os sexos, à família e suas funções, aos direitos reprodutivos, à saúde reprodutiva, ao planejamento familiar e à educação.
Paralelamente às conferências, as mulheres realizaram fóruns, elaboraram documentos e deixaram transparecer estratégias e ações importantes para o “direito ao corpo”. Esses fóruns gozam de legitimidade para a mobilização política e a conscientização, fortalecendo a democracia. Discutir o direito ao corpo significa desconstruir obstáculos que ainda impedem o avanço, no sentido de integrar a mulher nos processos de desenvolvimento, igualdade e paz.
Na Conferência de População de Bucareste, realizada em 1974, se reconheceu o direito dos casais e indivíduos de determinarem o número de filhos e seu espaçamento, além do papel do Estado em assegurar estes direitos, incluindo informações e acesso a métodos de controle de natalidade. No México, a I Conferência Mundial da Mulher, em 1975, aprovou um plano de ação para eliminar as desigualdades e aumentar a participação das mulheres nas atividades políticas, econômicas, culturais e sociais.
Esse plano foi endossado pela Assembleia Geral da ONU, que proclamou 1976/1985 a década da mulher e definiu os seguintes eixos: Igualdade, Desenvolvimento e Paz. Progressivamente, esses debates e resultados das conferências foram introduzindo novos conceitos e perspectivas. Iniciou-se o processo de reconhecimento do Direito da Mulher à integridade física, de decidir sobre o próprio corpo, à opção sexual, direitos reprodutivos, incluindo a maternidade voluntária. Em 1994, a III Conferência Mundial sobre a População e o Desenvolvimento, realizada no Cairo, ampliou esses avanços e discutiu amplamente o direito referente à procriação, rompendo com a visão tradicional e restrita que o considerava apenas ligado ao controle da fecundidade. Incorporaram-se conteúdos referentes à reprodução, acesso à informação e serviços de saúde reprodutiva, qualidade e planejamento familiar, autodeterminação e liberdade do uso do próprio corpo.
A IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Beijing, reforçou os logros da do Cairo, acrescentando questões sobre interferência das relações de poder no corpo. Corpo/magro, corpo/sarado, corpo ideal, corpo, mercado e consumo. Ao longo de anos, os movimentos feministas acumularam experiências, saberes e capacidades de formulações indispensáveis para a defesa dos Direitos Humanos das mulheres e problematizar essas interferências e o uso do próprio corpo pelas mulheres como desejam. Qualquer ação que proporcione visibilidade a essas questões são necessárias. Vamos discutir e defender o direito ao seu próprio corpo.
*Rosana Schwartz, doutora em história, é socióloga e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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