Por Jarid Arraes
julho 15, 2014
Quem é militante feminista sabe a frequência com que as pessoas responsabilizam as mulheres, como grupo, por também reproduzirem o machismo, ou as mães por passarem uma educação sexista às crianças. Muitas pessoas acreditam que as donas de casa, mães e avós são disseminadoras do sexismo devido a pensamentos tidos como “antigos”, que acabam colaborando para a manutenção do patriarcado na sociedade. Não é completamente equivocado assumir que muitas mulheres reproduzem o machismo, o que dificulta qualquer mudança na cultura; mas é necessário tomar cuidado para evitar certas posturas de culpabilização feminina, pois ao contrário do ditado popular, a culpa não é sempre da mãe.
É preciso entender que o machismo não é aprendido só em casa e o contexto educacional das crianças é muito mais complexo do que um simples aprendizado de mãe para filho. Além disso, nem todas as mulheres “machistas” são as tidas como “sem conhecimento”, aquelas que se dedicam aos afazeres domésticos e outras atividades caseiras; e, ironicamente, uma quantidade infeliz de mulheres com ensino superior e carreiras executivas ainda enxergam a vida através das lentes patriarcais. No entanto, o assunto é de fundamental importância para as mulheres donas de casa, pois, ao contrário das universitárias e profissionais, as donas de casa têm menos alcance ao feminismo: onde ouvirão sobre os movimentos de mulheres e como terão acesso a livros teóricos? Não é correto supor que só por serem donas de casa elas não são capazes de refletir criticamente a respeito da situação feminina em suas diversas especificidades; no entanto, há um notável problema em oferecer o feminismo contemporâneo para essas mulheres.
Essa problemática parte dos próprios eventos, atos e protestos da militância. A começar pelas atividades que, em sua maioria, são realizadas em horários excludentes, já que são poucas as mulheres que podem faltar ao trabalho ou abandonar as tarefas do lar para comparecer. Se isso já dificulta a participação de muitas, os locais escolhidos acabam por fechar as alternativas; como contar com a participação da dona de casa da periferia se tudo acontece no centro da cidade ou em locais elitizados? Embora a ocupação de locais como faculdades renomadas seja importante, tanto por uma questão de garantia de espaço quanto pela visibilidade que proporcionam, não basta permanecer somente nesses meios. Ao invés de assegurar a participação feminista em todas as esferas sociais, a militância tem limitado as opções e reproduzido uma postura academicista e de classe média.
O Feminismo contemporâneo, que vem ganhando espaço em revistas femininas e websites populares, muitas vezes encontra-se voltado para uma lógica de consumo e de liberdade individual da típica mulher branca que participa de atos como a “Marcha das Vadias”. A mulher da periferia, que precisa fazer o almoço e a limpeza da casa, pode não se identificar com essa proposta e consequentemente se fechar para o Feminismo, simplesmente porque não se enxerga em suas pautas. Apesar disso, essas mulheres são extremamente relevantes para nossas demandas políticas; afinal, como qualquer mulher, elas também enfrentam o machismo, a violência obstétrica e a violência doméstica. Ao contrário de muitas jovens que podem escolher não limpar seus apartamentos em um bairro de classe média em São Paulo, a dona de casa de Mossoró, no Rio Grande do Norte, é a única responsável pela faxina e preparo dos alimentos. Para ela, aquele machismo dos anos 40, que limitava o cuidado do lar exclusivamente às mulheres, ainda é realidade. Mas são poucas as ações feministas realizadas naquele bairro de periferia; é necessário mais esforço e iniciativa para gerar um diálogo efetivo entre a militância e a realidade das donas de casa, mães e avós que não vivenciam o ativismo político.
Donas de casa, mulheres com mais de 40 anos, mães e avós, todas elas são cidadãs brasileiras e votam e todas podem unir forças pelo avanço dos direitos femininos no Brasil. São indivíduos plenamente capazes de compreender e aderir às reivindicações pela legalização do aborto e liberdade sexual, assim como também necessitam de mais ações diretas que promovam melhorias em suas realidades. Se os coletivos assumirem que elas não vão ouvir, se abrirem mão delas porque “não tem jeito” ou porque “a mentalidade delas é muito antiga”, fica difícil concretizar algo que é perfeitamente palpável. É uma chance perdida e, por vezes, muito simples. Por exemplo: se os homens a favor do feminismo dessem o exemplo e dividissem as tarefas domésticas com suas mães e esposas, já haveria algum diálogo. É preciso dispor-se à imersão do contexto da outra: ao invés de forçar que uma senhora de 60 anos aceite o termo “vadia”, por que não conversar a respeito das questões sociais das mulheres do seu bairro? Dificuldade de se encontrar creches, parceiros e pais ausentes, sobrecarga de tarefas, entre outros problemas que protagonizam essas mulheres ditas “antigas”.
Em pleno ano de eleição, essa reflexão se faz urgente para todas as militantes e ativistas do Brasil. Há uma infinidade de mulheres em nosso país e a maioria massiva delas não são universitárias com acesso às obras de Simone de Beauvoir. Em quem essa massa de mulheres votará? Será que a candidata ou candidato escolhido representará os interesses feministas? É mandatório repensar a relevância de cada cidadã para que possamos atuar com um Feminismo cada vez mais intersecional, diverso e plural.
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