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quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Após novos casos de violência, trotes estão na mira de CPI

Travestidos de celebração, trotes violam os direitos dos calouros | Reprodução/ Jornal da Band
Travestidos de celebração, trotes
violam os direitos dos calouros | Reprodução/ 
Jornal da Band
Fonte: Carlos Minuano - Metro
Atualizado em: 25/02/2015

“Fui forçado a beber, perdi a consciência, continuaram me dando bebida até que eu caísse”. O relato é do estudante Allan Brum, 23, aluno do 3º ano da FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), vítima de um trote ocorrido em 2013. “Bati a cabeça, perdi um dente molar e tive um traumatismo cranio encefálico”, relembra o aluno.

Veteranos e calouros concordam – e esperam pela recepção – que o trote tem a sua importância como um marco à iniciação à universidade. Afinal, o momento costuma ser um divisor de águas na vida dos jovens, que deverão ter mais autonomia e responsabilidades a partir do ingresso na vida acadêmica e muitas vezes no universo adulto.

Mas é difícil deixar de concordar que excessos têm estragado a festa Brasil afora. Segundo Rogéria Freire, coordenadora pedagógica do Colégio Madre Cabrini,  para ser rito de passagem não deve causar constrangimento ou sofrimento. E lembra que há casos de celebração, incluindo os trotes solidários.

Mas ações violentas ganham destaque na mídia. Em São Paulo, desde o final de 2014, uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) foi criada para apurar violações de direitos humanos em instituições paulistas.

Trote velado
Denúncias apontam que trotes na Medicina da USP ocorrem em dois espaços: no Show Medicina, espetáculo  que acontece anualmente e nas  festas do clube esportivo dos alunos, a Atlética.

Augusto Ribeiro, 23, aluno do 4º ano da Faculdade de Medicina da USP, foi integrante de ambos. Presenciou e sofreu violências. O aluno também resolveu quebrar o pacto de silêncio, segundo ele, imposto por veteranos.

A prática se tornou velada desde a morte de Edison Tsung Chi Hsueh, por afogamento, durante trote na piscina da Atlética, em 1999, diz Ribeiro. “Não é mais uma cerimônia de recepção, acontece ao longo do curso, fui obrigado a ficar nu, a beber, além de sofrer humilhações e agressões verbais”.

Relatório da CPI segue para o Ministério Público 
Denúncias vão de abuso sexual a agressões físicas e morais  | Imprensa Alesp
Denúncias vão de abuso sexual a agressões físicas
e morais | Imprensa Alesp
Realizada durante período de recesso de deputados, a comissão que ficou conhecida como “CPI do Trote” já tem data para acabar: 14 de março, dia em que encerram os atuais mandatos. Segundo Ricardo Kobaiashi, assessor da comissão, tempo curto para apurar o volume de denúncias. “O que não for possível analisar será encaminhado para o Ministério Publico, junto de um relatório com recomendações.”

As denúncias relatam violência sexual, homofobia, machismo e agressões físicas e morais. E o problema vai muito além da medicina da USP, várias outras faculdades seguem na mira de investigações. Entre elas, Unicamp, PUC de Campinas, Sorocaba, São José do Rio Preto, USP de Ribeirão Preto, Esalc (Agricultura de Piracicaba da USP), entre outras.

Currículo oculto
O objetivo da comissão, segundo Kobaiashi, é encontrar medidas para tipificar o trote como crime de tortura. “Constatamos  que começa na brincadeira, mas evolui para práticas mais violentas, que podem ocorrer ao longo de todo curso, permanecendo como uma forma de currículo oculto.”

O outro lado
Procurada pela reportagem do Metro Jornal, a atual diretoria do Show Medicina afirma que “as menções relacionadas a homofobia, machismo e agressões físicas e morais estão sendo apuradas pelas instâncias próprias, mas não envolvem participação de qualquer aluno integrante do Show Medicina.”

As acusações mais graves de violência recaem sobre a Atlética. A diretoria da associação informou por meio de sua assessoria que “alunos e dirigentes da Atlética estão colaborando com todas as investigações realizadas pela CPI e também esclarecendo todos os pontos questionados na comissão.”

A reportagem acompanhou reunião da “CPI do Trote” na última quinta-feira, 19/2, que deveria ouvir o depoimento de alunos da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), citados como agressores. Mas eles não compareceram. “Mais uma vez alunos se negam a depor, o que é uma afronta à CPI”, declarou o presidente da comissão, o deputado Adriano Diogo (PT).

Análise – E quando a brincadeira passa dos limites?*
A cena é comum no início da aulas em faculdades. O nervosismo toma conta dos muitos jovens que acabaram de passar no vestibular. Eles viram “bichos”. É hora de pintar a cara e anunciar aos quatro cantos que entraram na sonhada faculdade. Uma explosão de alegria, de alívio, sensação de dever cumprido, afinal estudaram muito para estar aqui e agora. Mas e quando essa brincadeira passa dos limites?

Não é difícil encontrar na internet vídeos de trotes violentos. Muitas cenas já foram gravadas por alunos de universidades Brasil afora. Flagrantes de abusos e rituais que beiram a barbárie.

Salve-se quem puder
Com 12 faculdades, Piracicaba no interior de São Paulo tem dezenas de repúblicas de estudantes. Uma delas se chama Senzala, uma das maiores da Esalq (Faculdade de Agricultura da USP). Ela já foi acusada por alunos de praticar trotes exagerados. Uma das mais concorridas e respeitadas do Brasil, a Esalq também é uma das mais temidas quando o assunto é trote. Um dos mais comuns acontece durante a madrugada, alunos levados a um canavial são abandonados nus com garrafas de cachaça e aí salve-se quem puder.

“Todo mundo fica maravilhado quando o filho entra, e ninguém sabe o que acontece quando o filho ta lá, lamenta Meire Graça, mãe de um garoto de 21 anos, que a pedido dela não será identificado por estar fragilizado emocionalmente. “Não tem como dizer que são brincadeiras. Trote é tortura”, afirma o professor da Esalq, Antônio Almeida.

*Gilberto Smaniotto – Jornal da Band

Trotes sob ataque
A FMUSP (Faculdade de Medicina da USP), uma das mais respeitadas do país, segue sob a mira de investigações. No final de 2015, alunos vítimas de trotes violentos resolveram denunciar abusos na chamada “CPI do Trote”, instalada na Assembléia Legislativa de São Paulo para apurar violações aos direitos humanos em faculdades paulistas. “Não conseguimos justiça dentro da faculdade, por isso decidimos vir a CPI dos Trotes”, afirma, Felipe Scaliza, 23, aluno do 4º ano da FMUSP.

O jovem faz parte de um grupo de estudantes que começou a criar coletivos dentro da faculdade para combater uma realidade, segundo ele, opressora e violenta. “Existem muitas vítimas de violência sexual, homofobia, racismo e outras agressões físicas e morais.”

Antes da CPI, em meados de 2014, uma estudante, também da Medicina da USP, denunciou ao Ministério Público de São Paulo ter sofrido um estupro em 2013. A iniciativa incentivou outros alunos a fazer o mesmo. O inquérito ainda em curso pode ser ampliado pelo relatório da “CPI dos Trotes”, que encerra em 14 de março.

Seguem no topo da lista de acusações, duas instituições comandadas por veteranos da USP: o clube Atlética, que promove festas de integração e atividades esportivas, e o Show Medicina, espetáculo anual frequentado apenas por alunos homens, que satiriza o cotidiano acadêmico. “Para ascender a cargos de poder nelas tem que passar por trotes pesados, diz Scaliza.

Nele, as mulheres ficam restritas à confecção do figurino da peça, que acontecem geralmente em setembro, relata o estudante. Mas a produção começa dois meses antes. E, segundo denúncias, regada a muita bebida, trotes e excessos de todos os tipos.

Scaliza nunca se interessou em ingressar no Show Medicina, mas tornou-se, junto com os coletivos que ajudou a criar, um dos personagens principais do espetáculo encenado em 2014, e que ganhou o nome “Apedrejando a Geni” – referência ao coletivo feminista criado na USP.

O empenho dos coletivos na criação de espaços de debates por mudanças na universidade, como o fim do trote, começou a incomodar muita gente, garante Scaliza. “Começaram a nos perseguir e agredir por meio de discursos de ódio”, diz o estudante. “Em posts nas redes sociais chamavam coletivos de escória, e diziam que precisávamos ser expulsos.”

Pacto de silêncio
Estudantes que fizeram parte do Show Medicina e da Atlética, e decidiram contar na CPI o que acontece lá dentro. Por exemplo, sobre o pacto de silêncio que tiveram que romper, ao revelar sobre abusos e trotes de todos os tipos.

“É uma distorção ética, tem uma série de práticas extremamente violentas”, dispara Allan Brum, 23, aluno do 3º ano da FMUSP. “E tudo isso é financiado por médicos formados em doações que variam entre R$500 e R$ 1 mil,”, reclama seu colega Scaliza.

Mas as acusações mais graves de violências, que pipocam na CPI, recaem sobre a Atlética. Estupros e agressões seriam embalados por hinos marcados por ofensas e desrespeito. Alvos variam de alunos com mal desempenho em jogos até ataques a outras faculdades. E, claro, sobram insultos, também para negros e homossexuais.

E não para por aí. De acordo com denúncias, quem almejar fazer parte da diretoria do clube tem que passar por um ritual de tortura chamado Pascu. Nele, veteranos introduzem objetos, pasta de dente e até pimenta no ânus de estudantes amarrados. O diretor da FMUSP, José Otávio Costa Auler Júnior, disse à CPI que alunos acusados podem ser expulsos da universidade.

O outro lado do imbróglio
Na outra margem do imbróglio, estudantes negam abusos. Integrante do Show Medicina e da Atlética, Marcos Vinicius Horiuchi, 22, do 5º ano, afirma que não há violação dos direitos humanos.

“Tratamos os calouros muito bem, aliás, desde meu meu ingresso nunca sofri nenhuma agressão, nunca fui obrigado a ingerir álcool, e veterano nenhum nunca me obrigou a fazer nada”. Ele também nega a existência do ritual de tortura, Pascu. “Nunca vi e nem conheci ninguém que tenha sido vitima disso”.

A diretoria da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz da Faculdade de Medicina da USP, afirmou, por e-mail, que já estão acontecendo mudanças positivas. “Há mais de 10 anos os calouros não sofrem qualquer tipo de trote na Atlética”.

No caso da USP, calouros contam com dois canais de atendimento para enviar denúncias de trotes abusivos. Por fone (0800-012-1090) ou por e-mail (disquetrote@usp.br). O trote pode ser qualquer tipo de manifestação estudantil que cause agressão física, moral ou outras formas de constrangimento, dentro ou fora da universidade. O disque-trote funciona de 9 de fevereiro a 25 de março de 2015.

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